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Milei chega aos 100 dias com 'motosserra ligada', superávit e reveses no Congresso

Presidente argentino tomou medidas duras para tentar consertar problemas históricos do país, como inflação alta e excesso de dívida pública

Javier Milei, presidente da Argentina, ao lado da vice, Victoria Villaruel (Juan Mabromata/AFP)

Javier Milei, presidente da Argentina, ao lado da vice, Victoria Villaruel (Juan Mabromata/AFP)

Publicado em 18 de março de 2024 às 16h12.

Última atualização em 19 de março de 2024 às 08h38.

Em 100 dias no cargo, o presidente argentino Javier Milei começou a colocar ordem nas contas da Argentina, graças a um ajuste draconiano que tensionou o clima político e social. A inflação ainda segue alta, mas o país teve superávit fiscal em janeiro e fevereiro, algo inédito no país desde 2011.

"Não há grana", disse Milei ao assumir o cargo de presidente em 10 de dezembro, quando prometeu combater a inflação desenfreada, destruir a "casta política" e reduzir o tamanho do Estado com "uma motosserra".

Pouco depois de assumir o cargo, Milei ligou a sua "motosserra": suspendeu obras públicas, não renovou contratos estatais, reduziu ministérios pela metade, liberou preços e contratos de aluguel e desvalorizou o peso em mais de 50%, provocando inflação de 25,5% em dezembro, que esfriou em fevereiro para 13%.

Com a desvalorização e o aumento de preços de 276% ao ano em fevereiro, o poder de compra dos argentinos foi afetado, principalmente o dos aposentados.

A meta do presidente — atingir o déficit zero este ano — é mais ambiciosa do que o que lhe pede o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual a Argentina mantém um acordo de crédito de US$ 44 bilhões (cerca de R$ 220 bilhões na cotação atual).

Nestes 100 dias, Milei reconstruiu as reservas brutas do Banco Central e alcançou um superávit financeiro em janeiro e fevereiro, algo sem precedentes desde o início de 2011.

"Há um ordenamento", disse a economista Marina Dal Poggetto em uma recente entrevista televisiva. "A estabilização está funcionando ainda melhor do que se imaginava inicialmente, mas há questões sobre a governabilidade".

Milei busca agora reunir fundos de US$ 15 bilhões (R$ 74,8 bilhões) com o FMI e entidades privadas para eliminar os controles cambiais em meados do ano e, com eles, o modelo em que há vários tipos de dólar.

"As pessoas sabem que estamos passando por um momento muito difícil, mas estão começando a ver uma saída", disse o presidente à rádio La Red.

Tensão social

O outro lado deste "ordenamento" é a tensão social alimentada por demissões, aumentos de preços e aumentos nas tarifas dos serviços públicos devido à remoção de subsídios.

Os medicamentos aumentaram 40 pontos percentuais a mais que a inflação geral, o que provocou uma enorme queda nas vendas. Isso fez com que muitas pessoas abandonassem seus tratamentos crônicos.

"Entre comer e comprar o remédio, as pessoas escolhem comer", explicou à AFP a farmacêutica Marcela López, em Buenos Aires.

Em fevereiro, enquanto se debatia a Lei Ómnibus, milhares de pessoas protestaram em frente ao Congresso e foram reprimidas pela polícia.

Protestaram também quando a entrega de alimentos às quase 40 mil cozinhas comunitárias foi suspensa, em um momento em que a pobreza afeta quase 60% da população. O objetivo, segundo o governo, é auditar o sistema e prestar assistência direta.

Os cortes afetaram também o orçamento das universidades, o apoio estatal ao cinema e à pesquisa em ciência e tecnologia.

O presidente se mantém firme nas pesquisas de opinião, que colocam sua popularidade perto dos 50%, e habituou os argentinos ao seu estilo excêntrico: governa e acusa seus opositores de traição na rede social X, cita o livro bíblico dos Macabeus e fala de sua equipe como "As Forças do Céu".

Megadecreto e reveses no Congresso

O cerne do plano de Milei para desregulamentar a economia argentina é um megadecreto que revoga ou modifica mais de 300 normas e uma "lei ônibus" que em sua versão original continha mais de 600 artigos. Mas nestes três meses ambos os projetos sofreram reveses no Congresso, onde o pequeno partido de Milei é minoria: a lei ônibus fracassou em fevereiro no debate dos deputados e o megadecreto foi rejeitado na quinta-feira no Senado.

Essas derrotas mostram que o presidente não conseguiu transmitir a urgência de suas reformas, justificada segundo ele pela herança recebida do governo anterior. "Milei gostaria de promover o seu projeto político e econômico a 100 km por hora, mas a velocidade do governo é muito menor", disse à AFP Carlos Malamud, principal pesquisador do Real Instituto Elcano.

Agora o seu programa está nas mãos dos deputados, que devem revisar uma versão diluída da lei ônibus e tomar a decisão final sobre o megadecreto, que permanece em vigor a menos que seja rejeitado também na Câmara Baixa.

Mas mesmo que seja aprovado, a sua constitucionalidade permanece questionada. O consultor político Carlos Fara disse à AFP que "na Justiça, boa parte" do megadecreto "está mortalmente ferida".

Estreia em Davos

Como parte do ajuste, Milei voa em linhas comerciais com uma comitiva reduzida. Foi assim que chegou em janeiro a Davos, a sua estreia internacional, onde intrigou a elite econômica mundial ao alertar que "o Ocidente está em perigo" e ao criticar a justiça social e o "feminismo radical".

Apesar dos abraços midiáticos com Donald Trump — a quem ele admira — e com o papa Francisco — com quem se reconciliou —, as relações exteriores não têm sido uma prioridade para Milei, exceto quando suspendeu a adesão da Argentina ao bloco dos Brics.

Outra exceção é sua relação com Israel, para onde o presidente viajou para mostrar a sua proximidade com o país e o seu interesse espiritual pelo judaísmo.

Diego Giacomini, que co-escreveu quatro livros de economia com Milei, disse à rádio que seu agora ex-amigo "acredita ter uma missão divina" que "consiste em transformar a Argentina e levá-la à filosofia do Número Um, que é Deus, o liberalismo; e tirá-la da filosofia de Satanás, que é o socialismo".

Com AFP.

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