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McCRAW, do New York Times: “as fake news vão se espalhar cada vez mais”

Para vice-presidente do maior jornal do planeta, jornalistas não devem ser encarados como rivais de candidatos ou figuras públicas

É difícil se ater à verdade, ou manter discussões em que as pessoas tem argumentos legítimos, disse McCraw

É difícil se ater à verdade, ou manter discussões em que as pessoas tem argumentos legítimos, disse McCraw

EH

EXAME Hoje

Publicado em 16 de agosto de 2018 às 19h05.

Última atualização em 17 de agosto de 2018 às 15h16.

Mais de 300 publicações americanas publicaram, nesta quinta-feira, em seus editoriais, uma crítica ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusando-o de atacar constantemente a liberdade de expressão do jornalismo americano.

O jornal The Boston Globe tinha convocado, na semana passada, todos os jornais dos EUA a publicarem editoriais respondendo ao presidente. Para eles, os ataques interferem na forma como o Trump lida com a democracia e o direito à informação no país.

A discussão sobre a influência das fake news nas eleições e na política chegou ao Brasil há algum tempo, e por isso já encontra diversas instituições e cidadãos engajados em seu combate (como o Tribunal Superior Eleitoral e grandes grupos de comunicação). Não é à toa que o professor e advogado David McCraw está no Brasil.

McCraw, vice-presidente do jornal americano The New York Times, participou de dois eventos no país, debatendo a relação entre fake news, eleições e democracia. O primeiro evento, em Brasília, contou com a participação da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), e do ministro Luiz Fux, membro do STF e ex-presidente do TSE. Na quarta-feira, o advogado participou de um evento com a mesma temática, na Faculdade de Direito da FGV, em São Paulo.

Uma de suas premissas é de que as fake news influenciam na participação política da sociedade. Se há dificuldade em encontrar a verdade, há dificuldade em discuti-la, e consequentemente, em lutar por ela.

McCraw lidera as ações de liberdade de informação ajuizadas pelo jornal The New York Times e seus jornalistas e também lidera a defesa do jornal e jornalistas, e da liberdade de expressão. Em entrevista a EXAME, afirmou que, em todos os casos emblemáticos de que participou (como a publicação de matérias sobre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump e sobre o vazamento de informações confidenciais do governo americano pelo Wikileaks), o interesse público e a postura ética imperaram na atuação dele e de sua equipe.

O senhor já afirmou que as fake news poderiam desencorajar as pessoas a procurar a verdade, e a participar das atividades civis. Como isso aconteceria?

As pesquisas que comprovam essa relação ainda estão sendo feitas, e por isso não se pode afirmar nada sobre os reais efeitos das fake news na democracia. Temos que tomar cuidado para não enfatizar demais o efeito. Mas o meu ponto é sobre criar apatia em relação às decisões da sociedade, e como recriar o engajamento necessário para uma boa democracia. Nós vivemos com tantas informações hoje em dia que se torna fácil ficar cansado, e não criar um pensamento crítico. É difícil se ater à verdade, ou manter discussões em que as pessoas tem argumentos legítimos.

A experiência que tivemos com a Cambridge Analytica foi um bom exemplo porque vimos como e quanto as campanhas políticas nas redes sociais influenciam os eleitores.

Um ponto interessante sobre a abordagem que eles não estavam tentando influenciar eleitores conservadores, mas sim eleitores da Hillary Clinton a não votar. Por exemplo, eles queriam influenciar os eleitores afro-americanos com informações sobre as restrições de Hillary Clinton a jovens negros em prisões nos Estados Unidos. Esses eleitores não mudaram de ideia e decidiram votar no Trump. Eles simplesmente deixaram de gostar tanto da Hillary Clinton e não votaram.

Então há provas suficientes que mostram que as notícias fizeram com que as pessoas se desencorajaram a participar mais da campanha, e isso pode ser mais um fator para encorajar as pessoas a não fazerem nada. Até porque a publicidade em não fazer nada é sempre mais forte do que a de fazer algo.

Aqui no Brasil há a ideia de que a participação civil ainda é muito nova, e, portanto, pequena. As fake news poderiam piorar esse cenário?

Eu tive um aluno chileno que foi estudar na Universidade de Oxford, e desenvolveu a tese sobre liberdade de expressão em governos de transição (que estão em transição para uma democracia mais consolidada). E sua ideia era de que há diferentes regras sobre liberdade de expressão e como lidamos com as informações quando tratamos de governos de transição.

Eu não tenho conhecimento suficiente para falar sobre o Brasil, mas sei que o medo é que as pessoas tomem decisões erradas por conta das fake news. Que decisões políticas injustas sejam tomadas por conta dessas notícias também, e aí a transição para a verdadeira democracia se torne algo mais “permanente”.

Algo que eu tento enfatizar tanto para os americanos quanto para outros países é que a Constituição Americana não estava imediatamente preparada para lidar com todos os problemas de informação. Às vezes a gente só tem que ter fé nas mudanças de longo prazo e na decisão de pessoas com boa consciência e boa fé, que continuam se importando com os cidadãos.

Os governos devem ser os responsáveis pela regulação da internet e dos dados? Se não, em quem devemos confiar? 

Nós sempre confiamos nas pessoas. É uma simples e idealista resposta, mas é a minha resposta. O modelo americano mostra que nós devemos sempre confiar nas pessoas acima dos governos. Mas é claro que em cada decisão há um preço a se pagar. Às vezes as pessoas tomam decisões erradas. Mas isso não significa que toda vez que forem tomar uma decisão, devem recorrer aos governos. Se formos pensar em quem deve assumir papéis específicos, eu acredito que as plataformas sociais devem fazer mais, para nos ajudar a entender o que está implicado em um discurso, para mostrar boas histórias para seus usuários, e sempre manter e criar mais espaços para os discursos.

Acredito que a grande imprensa também tem um papel bem importante de cobrir as fake news como um fenômeno. Os jornais têm que ir para a rua e mostrar quais são histórias falsas estão circulando. E eu sei que a imprensa começou a fazer isso aqui no Brasil, e esse é um serviço muito importante para os cidadãos.

Em última instância, os partidos políticos e os cidadãos devem criar consciência da circulação das fakes news, e pensar em maneiras de o governo ajudar a evitar a sua circulação. Mais do que dizer quais conteúdos são falsos, é importante dizer que a fake news é algo real.

Quando anda pelas ruas de Nova York você ver placas afirmando: Fake News não são seus amigos. E esta propaganda foi veiculada pelo Facebook.

Não há dúvidas de que fake news vão aumentar ao longo do tempo. Por isso que as tentativas do governo de combater a “criação” fake news talvez não funcione. O que deve ser feito é conscientizar as pessoas de  que as fake news vão se espalhar mais facilmente, e que serão mais persuasivas, e que vão fazer as pessoas serem mais influenciadas. Além disso, se as pessoas não se tornarem mais céticas em relação às informações, o problema não vai desaparecer.

Houve alguma dúvida sobre como cobrir Trump? Você acredita que existe uma maneira “certa” de cobrir políticos, para que discursos nacionalistas e conservadores não sejam beneficiados, mas, ao mesmo tempo, os jornalistas também não sejam muito tendenciosos?

Há quatro importantes pontos a dizer: o primeiro é que os espaços de opinião e de editoriais devem se tornar mais importantes para exercer esse papel. Eles são os espaços das percepções do jornal, e estão lá para dar o posicionamento do jornal. E é muito importante que eles continuem conversando com os leitores sobre o posicionamento, se eles concordam ou não com tal fato, com tal comentário.

O segundo aspecto é que o jornalista continue a fazer o que faz de melhor, que é colocar os fatos em contexto. Quando eles escrevem uma história, eles precisam fazer com que as pessoas entendam a o fato. O terceiro aspecto é que o repórter não deve ser colocado dentro da briga. O nosso papel é fazer o máximo que nós podemos para falar a verdade. E é muito fácil ser colocado no meio do debate, o que é um erro. O jornalista não deve ser colocado como adversário do presidente, ou do governo. O último aspecto é que o jornalista continue focado no real problema. Isso significa que ele não deve se ater ao que o presidente comentou ou tuitou, e não deve gastar 8 anos pesquisando uma frase que o presidente disse em 1999. O jornalista deve focar no que o presidente ou a figura pública comenta sobre política, sobre o que ele trata sobre a imigração no país, etc.

O senhor cobriu o caso de Edward Snowden e do Wikileaks, em que milhares de informações confidenciais do governo dos Estados Unidos foram vazadas. Eles quebraram paradigmas no sentido de fornecer informações para a população?

Uma vez eu estava em uma conferência do FBI (Federal Bureau of Investigation), e me disseram que eu tenho emprego mais fácil do mundo, que é autorizar os jornalistas a publicar o que eles querem. É claro que não é tão simples assim.  

Nossa Constituição prevê a punição dos responsáveis pelo vazamento de informações confidenciais. E Snowden se encaixa nesse padrão. Com o Ato de espionagem (Espionage act), os Estados Unidos afirmam que é um crime fornecer informações confidenciais do governo para a sociedade. E esse ato foi utilizado sem nenhum sem nenhum maior problema durante centenas de anos. Mas ele nunca afetou a divulgação de notícias pela imprensa.

Nós acreditamos que o governo tem o direito de manter em segredo informações importantes que dizem respeito à segurança do país, e que eles também têm o direito de punir funcionários que vazam essas informações. Mas uma vez que essas informações estão nas mãos da imprensa nós temos o direito de publicá-las.

Nós não participamos da primeira rodada de publicações, porque nossa equipe de jornalistas e editores estavam analisando quais informações seriam importantes para os leitores o que os leitores precisavam ou não saber sobre o caso. A questão do interesse público era mais importante do que a informação pela informação. Além disso, nós queríamos ouvir o que o governo tinha a dizer sobre o caso.

Uma das coisas incríveis da liberdade de imprensa que nós podemos conversar com o governo sobre o assunto, e podemos consultar especialistas para comentar o teor das informações.

Acredito que conseguimos contornar bem a situação, mas acho que tivermos mais problemas com a plataforma Wikileaks, porque nós nunca tínhamos recebido a quantidade de informações confidenciais que recebemos .

Um vazamento comum é aquele em que um funcionário está infeliz com o trabalho e fornece alguma informação confidencial. E os vazamentos de Snowden foram exatamente sobre isso. Clara na época o Trump e outras figuras públicas publicaram diversos comentários de que os jornalistas que vazaram os casos deveriam ser presos, mas isso nunca aconteceu.

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