Presidente italiano, Sergio Mattarella e o primeiro ministro italiano e ex-dirigente do FMI, Carlo Cottarelli (Italian Presidential Press Office//Reuters)
AFP
Publicado em 28 de maio de 2018 às 10h39.
O presidente italiano, Sergio Mattarella, escolheu barrar o caminho do primeiro governo populista em um país fundador da União Europeia com um veto que surpreendeu o restante do mundo, mas pouco os italianos.
Este veto contra a escolha de um ministro, escolhido por uma maioria parlamentar eleita em eleições legislativas que ninguém questionou o caráter democrático, desconcertou a Europa.
Nos regimes parlamentares, o chefe de Estado, seja monarca no Reino Unido ou presidente na Alemanha, geralmente tem poucos poderes. O presidente italiano não é exceção, mas em um país que teve 64 governos desde 1946, seu papel como árbitro sempre foi essencial.
Se Mattarella, guardião da Constituição, "cedesse às ameaças, o equilíbrio entre os poderes do Estado teria sido brutalmente quebrado", escreveu o diretor do jornal La Repubblica, próximo à esquerda.
Esse papel delicado, crise após crise, fortaleceu sua imagem e seu status de fiador da estabilidade do país, às vezes com algumas críticas.
"O rei Sergio bagunçou tudo", insurgiu-se o jornal Il Fatto, próximo ao Movimento 5 Estrelas (M5S, antissistema).
Durante a crise financeira de 2011, num momento em que os mercados se enfureciam contra a Itália, o antecessor de Mattarella, Giorgio Napolitano, não hesitou em ajudar na operação de despejo de Berlusconi, nomeando em seguida o ex-comissário europeu Mario Monti para a chefia do governo.
Berlusconi chorou e exigiu eleições antecipadas, sem sucesso.
Novamente, a preocupação em proteger a estabilidade financeira e econômica do país serviu de base para a ação do presidente.
Mas qual o risco de vetar um ministro regularmente escolhido, sob o pretexto de que ele pode aumentar o "spread", a diferença entre as taxas de empréstimo de dez anos da Alemanha e da Itália?
O presidente Mattarella evocou claramente essa ameaça, assim como o sinal negativo enviado aos mercados se o economista eurocético Paolo Savona tivesse sido nomeado ministro das Finanças.
E para justificar essa decisão, explicou que seu dever era proteger os interesses dos poupadores italianos.
Em outras palavras, não faz sentido votar porque o presidente pode usar um direito que ele considera superior à escolha nas urnas dos italianos, reclamou Luigi Di Maio, líder do M5S.
Aqui, mais uma vez, o presidente, ex-membro do Conselho Constitucional, explicou-se apontando que o compromisso europeu da Itália era fundamental.
Se quisermos discutir a saída do euro, "devemos fazê-lo de maneira aberta e aprofundada. Mas esse não foi um tema importante durante a recente campanha eleitoral", afirmou no domingo.
Lugi Di Maio reagiu anunciando um processo de destituição contra ele, mas para a maioria dos especialistas, não tem qualquer chance de sucesso, pois só é possível em caso de "alta traição" ou de "atentado" à Constituição.
"O presidente Mattarella só exerceu seus poderes constitucionais", resumiu Massimo Luciani, presidente da Associação Constitucionalista Italiana.
Ainda assim, sua decisão divide o país. Desde domingo à noite, partidários do presidente postam mensagens nas redes sociais com a hashtag #iostoconmattarella (estou com Matarella) e seus detratores como a #mattarelladimettiti (Mattarella renuncia).