Maduro chega a dia da posse na Venezuela em meio a perda de apoio e prisões de opositores
Líder do país deve iniciar terceiro mandato nesta sexta e enfrenta desafio da oposição, que quer empossar seu candidato como presidente
Publicado em 10 de janeiro de 2025 às 09h01.
Poucos países têm uma espera tão longa entre a eleição presidencial e a posse quanto a Venezuela. Passaram-se mais de cinco meses entre a votação em 28 de julho e a cerimônia, marcada para esta sexta-feira, 10. E foram meses de tensão, que atingiu seu ápice nos últimos dias, com protestos da oposição e a prisão de vários ativistas contrários ao presidente Nicolás Maduro.
Nesta semana, ao menos cinco representantes da oposição foram presos ou sequestrados, incluindoEnrique Márquez, ex-presidente do Conselho Nacional Eleitoral, e Rafael Tudares, cunhado de Edmundo González, que disputou as eleições de julho contra Maduro. O governo os acusa de serem terroristas e de tentarem dar um golpe de Estado.
Na quinta-feira, 9, a oposição realizou protestos contra Maduro em várias cidades. O dia terminou com a denúncia, por parte dos opositores, de que María Corina Machado , principal liderança da oposição, teria sido presa ao sair de um protesto. Cerca de uma hora depois, ela disse ter sido libertada. O governo negou a detenção e disse que ela teria forjado a situação para se promover. Corina prometeu contar detalhes do que aconteceu nesta sexta-feira.
A posse de Maduro está marcada para 12h (13h em Brasília), na Assembleia Nacional, onde o governo tem maioria ampla.
Bastidores: Caracas tem clima tenso nas ruas e opositores evitam sair de casa com medo de sequestrosPor que a Venezuela vive uma crise?
A Venezuela é governada pelo mesmo grupo político, o Chavismo, há mais de 25 anos. Hugo Chávez venceu eleições presidenciais em 1998, assumiu no ano seguinte e ficou no poder até morrer, em 2013. Seu vice, Maduro, assumiu em seguida e venceu três eleições seguidas (todas marcadas por acusações incisivas de fraude), a última no ano passado, em disputas marcadas por medidas contra a oposição, como a impugnação de candidatos, prisão de rivais e processos judiciais -- além de resultados amplamente disputados tanto domesticamente quanto internacionalmente.
Em 2024, a ex-deputada María Corina Machado era o nome mais cotado pela oposição, mas foi inabilitada após uma condenação judicial. No lugar dela, disputou Edmundo González, um diplomata aposentado com pouca atuação política.
Após a votação, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) confirmou a reeleição do presidente, dizendo que ele teve 51,2% dos votos, ante 44,2% de Edmundo González, seu principal oponente.O pleito não foi reconhecido pelo Brasil nem pela comunidade internacional, por causa da falta de transparência na divulgação dos resultados, uma vez que as atas eleitorais não foram publicadas.
A oposição cobrou a liberação das atas de cada seção eleitoral e fez um esforço para reunir os documentos. Conseguiu obter os registros de 79% das urnas do país, que foram depois analisadas pela agência americana Associated Press, especializada em dados eleitorais dos Estados Unidos. A agência apontou que González teria obtido 6,4 milhões de votos, ante 5,3 milhões de Maduro. O governo diz que esses dados são falsos e processou o candidato da oposição.
Em setembro, o ex-diplomata se asilou na Espanha. Nos últimos dias González fez um giro por alguns países da América Latina, como Argentina e Estados Unidos, em busca de ajuda para tentar tomar posse. Ele foi recebido por outros presidentes, que lhe declararam apoio público. No entanto, não está claro o que poderá ocorrer em seguida.
Protestos da oposição antes da posse de Maduro
Tentativa de posse da oposição
González disse que tentará tomar posse como presidente da Venezuela nesta sexta, mas não detalhou como. O governo Maduro promete prendê-lo se ele voltar ao país, sob acusações como a de tentar subverter o resultado das urnas. Entre as opções ventiladas, estão tentar voltar ao pais acompanhado de outros ex-presidentes latino-americanos ou de declarar posse em uma embaixada venezuelana no exterior.
Os efeitos de um gesto assim, no entanto, dependem basicamente do apoio das Forças Armadas, apontam especialistas. Tanto que, nos últimos dias, Corina tem feito apelos aos generais e soldados para que deixem de apoiar o governo, enquanto Maduro declarou uma operação especial, em que soldados, policiais e milícias atuarão de modo integrado para garantir sua posse.
"A ascensão de Edmundo González não acontecerá sem violência. Isso implica que ambos os lados tenham meios de usar a força física. Até onde sabemos, a oposição não tem um aparato equivalente ao do governo. Com isso, a probabilidade de mudança é muito baixa", diz Carolina Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em política venezuelana.
Pedroso avalia que, embora tenha apoio militar forte, Maduro tem perdido apoio de aliados e da população mais pobre nos últimos anos. O país vive uma crise econômica profunda, que levou mais de 7 milhões de venezuelanos a deixarem o país.Ela aponta que os protestos que tomaram as ruas do país após o pleito de 28 de julho começaram em bairros pobres da capital Caracas, local historicamente com muitos apoiadores tanto do chavismo como do madurismo venezuelano.
“Ao olhar para a última declaração pública de Hugo Chávez, quando ele pede apoio para Nicolás Maduro, é possível perceber que, das pessoas que estavam ao redor dele na época, muitas hoje estão fora do país ou abertamente na oposição”, diz Pedroso.
Benjamin Gedan, diretor de América Latina no centro de estudos Wilson Center, em Washington, avalia que uma revolta popular massiva poderia levar as forças armadas a reconsiderar sua posição. "No entanto, a prisão de mais de 2.000 pessoas contrárias ao governo depois da eleição pode desencorajar protestos amplos", diz
Gedan avalia que o fim do autoritarismo na Venezuela poderia ocorrer como foi feito no Chile, com a saída de Pinochet após negociações entre governo e oposição que permitiram a realização de um plebiscito. "Qualquer mudança política na Venezuela provavelmente vai acontecer devagar e por negociações, que envolvem compromissos desagradáveis", diz.
"Compreensivelmente, a oposição da Venezuela é impaciente e está tomando vantagem da atenção internacional para aumentar a pressão global e mobilizar ação doméstica. Mas o regime parece firme no controle, por enquanto", avalia.
Nos últimos meses, a pressão sob Maduro cresceu também internacionalmente, esfera em que ele perdeu apoio. O presidente Lula, por exemplo, que foi aliado de Chávez e chegou a receber Maduro no Brasil com pompa e circunstância, cobrou a liberação dos dados de votação e não irá à posse. "A conjuntura mudou e hoje Maduro tem menos guarida internacional do que no passado. Mas o fator essencial, como ocorreu na Síria, é a atuação interna, dos próprios venezuelanos", aponta Leandro Consentino, professor de ciência politica do Insper.
Pedroso, da Unifesp, aponta que Maduro ainda se mantém no poder por causa do apoio de outras lideranças políticas. Para ela, o núcleo forte do governo é formado atualmente por seis pessoas. Além de Maduro, integram o grupoDelcy Rodríguez, vice-presidente, Diosdado Cabello, ministro do Interior e da Justiça, Vladimir Padriño, ministro da Defesa, Elvis Amoroso, presidente do CNE, Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional e a primeira-dama Cilia Flores.
O que pensa a oposição
Gedan, do Wilson Center, avalia que a oposição venezuelana está mais unida neste momento do que em outros anos. Houve eleições em que os partidos rivais do governo simplesmente não lançaram candidatos, por considerarem -- não sem alguma razão-- que os pleitos teriam resultados manipulados.
Ao olhar para os personagens no centro dessa atual disputa de poder, María Corina é descrita como alguém mais radical quando comparada a outras figuras, como Leopoldo López e Henrique Capriles, que disputaram a Presidência em anos anteriores.
A ex-deputada defende o fim do funcionalismo público e a desnacionalização do petróleo, hoje atrelado à estatal PDVSA, entre outras medidas. Em entrevista coletiva nesta semana, ela declarou que pretende abrir a Venezuela ao capital estrangeiro, para atrair investimentos, e reduzir em muito o papel do Estado se González chegar ao poder.
“Tem outra parte da oposição, que é quem saiu de dentro do chavismo. Um deles é o Enrique Marques, preso esta semana. Ele foi presidente do CNE e disse que a fraude não aconteceria na urna, mas sim na divulgação”, diz Pedroso, da Unifeso. “Ele tem uma visão de que é possível conciliar uma abertura econômica com políticas de bem-estar social."