Luisa Ortega: "a Venezuela é o corredor da morte do Direito" (Ueslei Marcelino/Reuters)
Reuters
Publicado em 23 de agosto de 2017 às 14h40.
Brasília - A procuradora-geral destituída da Venezuela, Luisa Ortega, acusou nesta quarta-feira o ex-vice-presidente venezuelano Disdalo Cabello, aliado do atual presidente daquele país Nicolás Maduro, de ter recebido 100 milhões de dólares da Odebrecht por meio de uma empresa espanhola que tem como proprietários formais dois primos dele, Jorge Alfredo Cabello e Jerson Jesús Campos Cabello.
De passagem por Brasília, onde participou como visitante de um encontro de chefes do Ministérios Públicos do Mercosul, Luisa Ortega disse que vai entregar a autoridades da Espanha e de outros países informações referentes a esquemas de corrupção da empreiteira brasileira e também de outras negociatas na Venezuela, que envolvem pessoas ligadas ou próximas do alto escalão do governo Maduro.
A ex-procuradora disse que também detém documentos sobre irregularidades no processo de distribuição de alimentos da Venezuela que envolveriam Maduro. Ela disse que o presidente venezuelano é o dono oculto de uma empresa sediada no México responsável por esses repasses de alimentos.
"A comunidade internacional tem que investigar esses casos", defendeu. Ela anunciou que vai encaminhar a autoridades dos Estados Unidos, do México, da Espanha e do Brasil documentos referentes a investigações da Odebrecht e de outras irregularidades envolvendo Maduro e pessoas próximas ao regime comandado por ele.
Luisa Ortega disse ter sido deposta sumariamente pela Assembleia Constituinte da Venezuela após começar a investigar esses casos de corrupção. Ela acusou o recém-eleito órgão legislativo de se tornar uma "inquisição" com poderes para perseguir e punir qualquer pessoa que seja tida como adversário político do atual regime.
A ex-procuradora-geral disse que não há Estado democrático na Venezuela e exortou os colegas da região a repudiarem ações arbitrárias como a que ocorre em sua terra natal, sob o risco de a prática se espraiar pelo continente.
"A Venezuela é o corredor da morte do Direito", criticou. Ela disse ter sido destituída do cargo em um processo que durou 32 segundos pela Assembleia Constituinte --ela foi afastada no início do mês-- e preferiu abandonar o país em direção à Colômbia por conta própria diante de ameaças à sua integridade física.
Luisa foi uma aliada próxima do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, mas rompeu com o sucessor dele e passou a denunciar o governo de Maduro diante dos protestos de rua que já mataram mais de 100 pessoas este ano em meio à profunda crise política e econômica.
A ex-procuradora --que iria se reunir nesta quarta com o chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira-- ainda não decidiu onde vai ficar. Ela já tem uma oferta de asilo formal feito pela Colômbia. Apesar de toda a crise na Venezuela, ela se disse contra uma eventual intervenção militar para debelar a situação.
Durante a reunião, chefes dos Ministérios Públicos de países do Mercosul saíram em defesa da atuação de Luisa Ortega.
Responsável por convidá-la a participar do encontro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criticou a interferência no Ministério Público da Venezuela ao dizer que, atualmente, é uma instituição "subjugada a um verdadeiro poder político ditatorial".
"Assistimos a um estupro institucional no Ministério Público venezuelano", afirmou Janot, que cobrou os colegas que permaneçam alertas diante do estado de exceção naquele país.
Para o chefe do Ministério Público paraguaio, Javier Díaz Verón, Luisa Ortega tornou-se símbolo da perseguição ao trabalho dos ministérios públicos de cada um dos países do bloco. "Cremos que é uma bofetada na democracia e no estado democrático de direito", disse.
O colega uruguaio, Jorge Díaz Almeida, defendeu que o Ministério Público não aceite pressões sobre o seu trabalho.
Uma das críticas feitas durante o encontro é o entrave entre autoridades dos governos brasileiro e argentino para a troca de informações entre o MP dos dois países a respeito de investigações deflagradas a partir das delações de executivos da Odebrecht.
Para a chefe do MP argentino, Alejandra Gils Carbó, isso constitui uma barreira para se investigar "graves delitos".