Inflação, pobreza, dívida e poucos dólares: os desafios do próximo presidente da Argentina
Favorito nas pesquisas, o ultraliberal Javier Milei, propõe diretamente dolarizar a economia
Agência de notícias
Publicado em 16 de outubro de 2023 às 16h24.
Os argentinos elegerão seu presidente em 22 de outubro, atormentados por uma inflação de quase 140%, com os nervos à flor da pele com uma crise cambial e as contas públicas exauridas por falta de divisas, uma bomba que o governo que assumirá em 10 de dezembro tentará desarmar.
A situação demandará um ajuste cuja dimensão começará a ser definida no domingo nas urnas, concordaram analistas consultados pela AFP.
O favorito nas pesquisas, o ultraliberal Javier Milei, propõe diretamente dolarizar a economia; a conservadora Patricia Bullrich, diminuir o Estado e liberar o mercado de câmbio; enquanto o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, faz campanha prometendo impulsionar as exportações e o desenvolvimento com inclusão social. Todos falam de ordem fiscal.
Abaixo, os cinco desafios econômicos que enfrentarão.
Inflação descomunal
"Dá calafrios fazer as compras, do carrinho (de supermercado) passei para a sacola e agora com uma mão sobra", disse à AFP Lidia Pernilli, uma aposentada de 73 anos que acaba de comprar duas bananas por 1.000 pesos o quilo, 1 dólar no câmbio paralelo que quase triplica a cotação oficial.
A inflação, de 12,7% em setembro e 138% ao ano, é uma das mais altas do mundo. Saltou para os dois dígitos em agosto, quando o governo desvalorizou o peso em 20%.
Praticamente, não há crédito no país. Em outubro, o Banco Central elevou as taxas de juros para depósitos de 118% para 133% ao ano, para desestimular a fuga para o dólar.
Desequilíbrio cambial
Após décadas de alta inflação, os argentinos desconfiam do peso. Os controles cambiais estão em vigor desde 2019, resultando em uma série de restrições.
O dólar blue, ou paralelo, pulou de 850 pesos para 1.050 na semana passada. No final de julho, sua cotação estava pela metade. A diferença com o dólar oficial, em 365 pesos, é um abismo. "O dólar pode seguir subindo porque não há âncora política", apontou Elizabeth Bacigalupo, economista-chefe da consultoria Abeceb.
O mercado "pensa que Bullrich ou Massa podem impor um plano de estabilização, mas o que Milei propõe é perturbador e há medo", acrescentou.
Lorenzo Sigaut Gravina, economista e diretor da consultoria Equilibra, indicou também que "a economia não cresce" e avaliou que, em 2022, a atividade diminuirá 2%.
Sem reservas
Este ano, a Argentina sofreu com uma seca histórica que atingiu o campo, o principal setor exportador. Deixou de receber por isso cerca de US$ 20 bilhões (cerca de 3 pontos do PIB).
Esse golpe levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a relaxar as metas do programa creditício de US$ 44 bilhões (quase R$ 161 bilhões à época) que a Argentina realizou em 2018.
Para cumprir com seus compromissos, o país recorreu a um empréstimo do Catar, aos yuanes de um swap (troca de moedas) com a China e a um empréstimo do CAF.
As reservas totais do Banco Central rondam os US$ 25 bilhões (quase R$ 127 bilhões). "Mas as líquidas são negativas em 5 bilhões de dólares (quase R$ 26 bilhões) e segue queimando os últimos cartuchos para sustentar a taxa de câmbio, porque Massa ainda tem chances de ganhar", avaliou Bacigalupo.
O Banco Central absorve a forte emissão monetária para financiar o déficit fiscal, com títulos de curto prazo a taxas muito altas.
"Será necessário um plano de estabilização e quem o aplicar deverá ter poder político, porque as medidas irão gerar mais inflação até que os dólares da safra entrem em abril", advertiu Sigaut Gravina.
Fragilidade social
O maior desafio será equilibrar as contas sem que aconteça grandes protestos, em um país cuja taxa de pobreza está em 40,1%, enquanto a de indigência é de 9,3%.
Milhares de pessoas recebem subsídios nas tarifas de água, gás, eletricidade e transporte, além de auxílios econômicos.
"Esses subsídios deverão ser reduzidos. Haverá um custo social elevado e tensões políticas", disse Bacigalupo.
Milei prometeu dolarizar a economia e eliminar o Banco Central como caminho para acabar com a inflação.
Segundo Lorenzo Sigaut, "é impossível porque não há dólares e iria requerer uma maxidesvalorização ou financiamento externo".
Para Bacigalupo, "são necessários valores tão exorbitantes por dólar - cerca de 4.000 pesos por cédula - para dolarizar, que seria socialmente inviável".
Energia e nova safra, uma esperança
A Bolsa de Cereais de Buenos Aires projetou que a safra de soja aumentará em 138% na colheita 2023-24 depois da forte da seca, e a de milho 61%, em um contexto agroexportador de bonança.
O próximo governo economizará divisas em importação de energia, graças ao funcionamento do novo gasoduto da reserva de Vaca Muerta.
"Se aproveitarmos isso, pode aportar mais de US$ 10 bilhões (quase R$ 51 bilhões) por ano e somado à reversão da seca, a explotação de lítio e energia renováveis, chegarão dólares cruciais para as transformações da estabilização", opinou Bacigalupo.