Francisco: papa já afirmou que reza para que não haja cisma, mas que "não tem medo". (Remo Casilli/Reuters)
AFP
Publicado em 9 de outubro de 2019 às 15h19.
Muitos prelados da América do Sul estão abertos à ideia de ordenar homens casados na Amazônia, diante da falta de padres naquele imenso território isolado, mas a opção, debatida em um sínodo de bispos daquela região no Vaticano, ameaça provocar uma divisão na Igreja.
A questão explosiva dos "viri probati" - padres casados com idade avançada e comportamento católico irrepreensível - tem sido insistentemente abordada desde o início dos debates da assembleia especial episcopal dedicada aos problemas da Amazônia.
Dos 184 prelados do sínodo, 113 são da região amazônica, principalmente do Brasil (30%).
O bispo Erwin Kräutler, um missionário austríaco que é bispo emérito do Xingu no Brasil, estima que dois terços dos bispos da região sejam a favor dos "viri probati".
"Não há outra possibilidade. Os povos indígenas pedem isso claramente", disse o bispo à imprensa nesta quarta-feira.
"A primeira coisa que me perguntam nas aldeias indígenas é 'onde está sua esposa?'. Explico a eles que não sou casado, e eles sentem um pouco de pena de mim!", contou.
A Eucaristia, ou comunhão, sacramento essencial na doutrina cristã, é prerrogativa de um padre celibatário.
Kräutler julga que a Eucaristia seja, porém, mais importante do que o celibato dos padres, imposto apenas a partir do século XI. "Uma ideia dividida" na sala do sínodo, segundo uma testemunha dos debates.
"O ecossistema eclesiástico não é mais capaz de despertar e apoiar vocações sacerdotais e religiosas suficientes. Existe uma espécie de desmatamento da cultura católica", descreveu um bispo de língua espanhola, segundo esta testemunha.
O cardeal brasileiro Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e relator do sínodo, considera que "é necessário definir novos caminhos para o futuro" em resposta às demandas dos povos indígenas.
Na Amazônia, a Igreja Católica está preocupada com o aumento vertiginoso da presença de igrejas evangélicas pentecostais, que contam com pastores casados.
Mesmo que o debate não se concentre realmente no fim do celibato dos padres, os tradicionalistas católicos estão, no entanto, irados diante do fantasma de uma possível exceção regional.
O mal-estar se dá, em especial, porque uma parte progressista da Igreja alemã também vem defendendo a possibilidade de padres casados.
O cardeal americano Raymond Burke - um dos opositores declarados do papa - anunciou em meados de setembro "uma cruzada de 40 dias de oração e jejum" contra o documento do sínodo, salpicado de "erros teológicos e heresias". Ele pede especificamente ao papa para não abolir o celibato.
Os bispos da Amazônia vão discutir até o final do mês um texto de sugestões para Francisco, que escreverá sua própria exortação.
Em setembro, no avião que o levou de volta para casa depois de uma viagem à África, ao ser questionado sobre seus inimigos mais virulentos, o papa disse: "Rezo para que não haja cisma, mas não tenho medo".
É uma mensagem clara para os prelados rebeldes presentes até mesmo na Cúria (governo do Vaticano) e que julgam que o papa argentino fala muito das desigualdades sociais e dos excluídos, em detrimento da moralidade sexual.
Em uma missa matinal celebrada na terça-feira em sua residência de Santa Marta, o papa criticou fortemente os cristãos que denunciam, com frequência, a "heresia" e dizem "não, não, essas mudanças não são cristãs".
Esses crentes "preferem a ideologia à fé", "preferem julgar tudo, mas a partir da pequenez de seu coração", lamentou.
O pontífice defende uma Igreja centrada nas realidades humanas, em linha com os bispos da Amazônia, que pedem, por exemplo, uma adaptação de suas formações.
"É necessário que a formação teológica não seja realizada em seminários que muitas vezes se assemelham a hotéis de quatro, ou cinco estrelas", abordou um bispo brasileiro, durante os debates.
Além disso, muitos seminaristas não têm a base necessária e não completam uma formação muito árdua.