Guerra Israel-Hamas: Lula moderou postura em relação à Palestina, avalia pesquisador
David Magalhães aponta que presidente fez defesa mais enfática dos direitos humanos dos palestinos em seus primeiros mandatos
Repórter de macroeconomia
Publicado em 9 de outubro de 2023 às 17h20.
Última atualização em 10 de outubro de 2023 às 15h25.
O governo Lula tem adotado uma postura mais neutra no conflito entre Israel e Palestina, avalia David Magalhães, professor de relações internacionais na Faap e na PUC-SP.
Ele aponta que as notas do Itamaraty e postagens do presidente Lula sobre o ocorrido não citaram a ocupação de áreas na Palestina por forças e assentamentos de Israel, algo muito comentado pelo governo brasileiro durante os primeiros mandatos de Lula (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2016).
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"Me parece que houve um certo cuidado em evitar lembrar a situação de ocupação da Palestina. Isso mostra um tom mais balanceado e cauteloso do que o PT usava no passado, especialmente no governo Dilma", diz o pesquisador, que também coordena o Observatório da Extrema-Direita.
Em nota no domingo, 8, o Itamaraty condenou os ataques a Israel e reiterou o "compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas". O governo brasileiro também defendeu que "a mera gestão do conflito não constitui alternativa viável para o encaminhamento da questão israelo-palestina, sendo urgente a retomada das negociações de paz".
Entre 2003 e 2016, os governos de Lula e Dilma fizeram vários gestos em defesa dos palestinos. Os dois presidentes mantiveram a defesa da posição histórica brasileira, da existência de dois Estados, mas passaram a enfatizar a importância dos direitos dos palestinos.
Em 2010, por exemplo, Lula visitou Israel e Palestina. Durante a viagem, ele foi ao túmulo de Yasser Arafat, líder histórico dos palestinos, mas não fez um gesto similar aos israelenses, como ir à sepultura de algum líder histórico do país, o que gerou críticas em Israel.
Cinco anos depois, em 2014, houve outro atrito. O governo Dilma fez críticas fortes a Israel durante uma ofensiva em Gaza. Na época, Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da Presidência, acusou Israel de cometer genocídio contra os palestinos e o Itamaraty chamou o embaixador brasileiro em Tel Aviv para consultas. Na linguagem diplomática, uma convocação assim serve para mostrar incômodo com as ações de outro país. Os gestos irritaram o governo israelense e um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel chamou o Brasil de "anão diplomático".
Magalhães pondera, no entanto, que a defesa dos palestinos por parte do Brasil pode recuperar força se a resposta de Israel aos ataques for muito dura, como manter a população palestina em Gaza sem água e comida por períodos prolongados.
O pesquisador avalia, ainda, que a cautela da diplomacia brasileira pode ter a ver com problemas de posicionamento do país durante a Guerra da Ucrânia. Lula teve atritos públicos com o presidente ucraniano Volodimir Zelensky e foi criticado por dizer que a Ucrânia queria continuar o conflito. O país foi invadido pela Rússia em fevereiro de 2022.
Posição histórica do Brasil sobre Israel
A postura do Brasil vem desde a própria criação de Israel como um Estado, em 1948. Um diplomata brasileiro, Oswaldo Aranha, chefiou as negociações na ONU para o estabelecimento do país. A resolução da época previa também a criação de um Estado palestino, que nunca saiu do papel.
O posicionamento neutro se manteve por décadas, mesmo durante a ditadura militar, com algumas leves alterações para um lado ou outro. O governo de Fernando Collor (1990-92), por exemplo, adotou postura levemente mais a favor de Israel, enquanto FHC (1994-2002) retomou a neutralidade.
A mudança de mais peso veio em 2019. Durante seu governo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), buscou aproximar o Brasil de Israel, tanto na campanha eleitoral quanto como presidente. O premiê israelense, Benjamim Netanyahu, veio visitá-lo no Brasil antes da posse e depois o recebeu em Jerusalém.
No cargo, Bolsonaro defendeu mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, um movimento que passaria a mensagem que o país considera a cidade como capital de Israel. Jerusalém é palco de disputa entre Israel e Palestina, e a mudança da embaixada para lá irritaria os palestinos. O governo Bolsonaro acabou desistindo da ideia.
Ao defender Israel, Bolsonaro buscava atender a uma demanda de parte dos evangélicos, que consideram a existência de Israel como uma pré-condição para a volta de Jesus Cristo. A postura era também uma forma de mostrar um alinhamento fiel aos Estados Unidos, na época sob comando de Donald Trump, também forte defensor dos israelenses.