Governo do Sudão reconhece apenas 46 mortos após repressão
De acordo com o comitê de médicos próximo aos manifestantes, 108 pessoas morreram e mais de 500 ficaram feridas
AFP
Publicado em 6 de junho de 2019 às 11h26.
Última atualização em 6 de junho de 2019 às 11h30.
A repressão ao movimento de protesto esta semana no Sudão "não deixou mais do que 46 mortos", afirmou nesta quinta-feira o governo em seu primeiro balanço oficial, rebatendo os números divulgados por um comitê próximo aos opositores.
O ministério da Saúde "desmente que o número de mortes nos recentes eventos tenha alcançado 100 e afirma que não supera 46", anunciou a agência oficial Suna.
De acordo com o comitê de médicos próximo aos manifestantes, 108 pessoas morreram e mais de 500 ficaram feridas desde segunda-feira, dia em que as autoridades dispersaram com violência um acampamento da oposição em Cartum.
Esta operação, "um massacre" cometido por "milícias" do Conselho militar segundo este grupo de profissionais, foi denunciado pela ONU, pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha, entre outros. E, segundo a mesma fonte, o balanço desta repressão pode ainda aumentar.
Entre os mortos, 40 foram encontrados nas águas do rio Nilo, assegurou o comitê, que se apoia no testemunho de médicos no local.
Nesta quinta-feira, as principais artérias da capital estavam abertas, com uma presença importante das Forças de Apoio Rápido (RSF), paramilitares que trabalham para os serviços de segurança.
As RSF são acusadas de serem os principais autores da repressão sangrenta.
Como nos dias anteriores, vários voos com destino a Cartum foram cancelados na quarta-feira à noite.
O Sudão é cenário desde dezembro de uma inédita revolta popular, que provocou a destituição pelo exército do ex-presidente Omar al-Bashir em 11 de abril.
Mas a mobilização prosseguiu, com os manifestantes acampando em frente ao quartel-general do exército para exigir a entrega do poder aos civis.
A dispersão brutal deste acampamento provocou uma onda de consternação entre os manifestantes.
E, apesar da repressão e do medo, os líderes do movimento continuam determinados em seguir adiante.
"A revolução continua e o nosso povo sairá vitorioso, apesar do terrorismo e da violência das milícias", declarou a Associação de Profissionais Sudaneses (SPA), importante ator do movimento.
A associação convocou uma "greve por tempo indefinido e a desobediência civil", mas advertiu contra os apelos à violência.
"Nosso compromisso com o pacifismo é mais forte e mais eficaz nesta situação particular", assegurou a SPA.
A arma "pacífica" privilegiada pela contestação é o bloqueio das estradas. Os manifestantes instalaram barricadas por toda a capital feitas com tijolos, pedras, pneus, etc.
Para os manifestantes, a identidade dos autores da repressão é clara: as "milícias" do Conselho militar, em particular as RSF.
Nas ruas de Cartum, os habitantes exibem olhares de medo na passagens desses homens, muitas vezes jovens, em uniforme bege impecável e fortemente armados.
Oriundas das ex-milícias árabes Janjaweed em Darfur, palco de uma longa guerra civil, as RSF foram implantadas em massa no país, especialmente nas ruas de Cartum.
O chefe das RSF, vice-presidente do Conselho militar e ex-líder da Janjawid, o temido Mohamad Hamdan Daglo, apelidado de "Hemeidti", assegurou que estava ao lado dos "revolucionários". Mas ele também prometeu não "permitir o caos", particularmente em referência às barricadas.
Em comunicado, o Conselho militar defendeu as RSF contra "a campanha organizada nas redes sociais para espalhar mentiras e fabricar acusações".
O Facebook e o Twitter foram e continuam sendo ferramentas essenciais na contestação. Nos últimos dias, os internautas compartilharam muitos vídeos mostrando homens das RSF espancando civis desarmados. A internet móvel foi cortada desde segunda-feira.