Em 2016, Trump foi eleito mesmo com 2,9 milhões de votos a menos que Hillary Clinton (Montagem EXAME. (Foto Biden: Stefani Reynolds. Foto Trump: Bloomberg)/Exame)
Isabela Rovaroto
Publicado em 14 de outubro de 2020 às 14h03.
Última atualização em 14 de outubro de 2020 às 15h47.
Cinco, dez, 15 pontos de vantagem. Um olhar inicial sobre as pesquisas eleitorais americanas mostra uma liderança consistente do democrata Joe Biden sobre o republicano Donald Trump. Faltam só três semanas para as eleições — mas, ainda assim, nada está definido. A explicação está no peculiar modelo de votação americano, que foca nos 538 votos do colégio eleitoral, e não na votação popular.
Em 2016, Trump foi eleito mesmo com 2,9 milhões de votos a menos que Hillary Clinton. Neste ano, a tendência é de uma diferença ainda maior para os democratas — de até 9 milhões de votos. Ainda assim, Trump tem chance. Quão esquisita pode ficar a diferença entre a maioria popular e a decisão no colégio eleitoral?
A EXAME simulou o cenário mais extremo e detectou ser possível ser eleito presidente dos Estados Unidos com apenas 23% dos votos válidos. Ser eleito com a minoria popular é coisa rara na história. Só aconteceu quatro vezes: em 1876, 1888, e mais recentemente com George W. Bush e Trump. Sempre a favor dos republicanos. Isso acontece porque o partido Republicano tem mais prevalência em estados sobrerrepresentados no colégio eleitoral — estados com menor população e interioranos.
Isso acontece pela sobreposição de algumas regras eleitorais radicalmente diferentes das brasileiras: sistema federativo em colégio eleitoral, voto não obrigatório e a totalidade dos delegados de cada estado indo para o vencedor local.
Para ganhar uma eleição nos Estados Unidos o candidato precisa vencer a corrida eleitoral indireta, ou seja, conseguir 270 delegados, que representam os estados. Estados mais populosos acumulam mais delegados e têm mais peso. Porém, proporcionalmente, os estados menores possuem menos eleitores para cada delegado, fazendo com que sejam mais valiosos.
Como o sistema é bipartidário, há estados com perfil histórico republicano e estados com perfil democrata. A batalha das campanhas se dá nos estados pêndulo, que ora podem dar ganho a um ou outro partido. É neles que os candidatos gastam fortunas em publicidade e comícios.
O levantamento da EXAME, para chegar à improvável vitória com larga minoria, considerou que para ganhar com o menor número de votos possível era necessário que o candidato hipotético (um republicano, certamente) vencesse em todos os estados que são proporcionalmente mais representados.
Para atingir os 270 necessários com o menor número de eleitores possível seria preciso vencer em 40 estados, como os distantes Wyoming e Alaska. Esqueça Flórida, Nova York e Califórnia, esses estados conhecidos são superpopulosos, e cheios de eleitores democratas. Logo, é permitido perder nesses estados, e perder feio, sem medo. Por isso, nosso candidato não teria absolutamente nenhum voto neles — num extremo estatístico — e conquistaria vitórias apertadas em todos os estados em que saiu vitorioso.
Essa vitória com a mais estreita minoria possível é impraticável para ambos os partidos, já que o grupo de 40 estados possui alguns que historicamente dão vitória ao partido opositor. Entretanto, os Republicanos são os que conseguem, no mundo real, atingir alguma minoria, não tão estreita, e por isso conseguiram, poucas vezes, vencer as eleições com menos votos popular
Os Estados Unidos possuem 234.632.885 eleitores aptos em 2020. Para poder garantir uma vitória no estado basta que o candidato tenha a maioria dos votos, mas no nosso cálculo o estado será garantido com maioria absoluta, metade dos votos válidos mais um. Como todos os delegados vão para o vencedor, o adversário, mesmo tendo uma quantidade de votos razoável no estado que nosso candidato venceu, teria zero impacto na decisão final. Essa regra é o "vencedor leva tudo" do colégio eleitoral.
Entretanto, nos Estados Unidos o voto não é obrigatório e por isso os índices de absentismo são muito mais altos do que no Brasil. Em 2016 somente 59,22% dos eleitores foram às urnas votar para Presidente da República. Outra característica peculiar: lá o candidato não apenas precisa pedir voto, mas também engajar o seu eleitor a ir votar e, de preferência, desestimular o eleitorado do adversário a participar do pleito. Os partidos estão se aprimorando nessa última estratégia, e ela está no centro da controvérsia em torno da neutralidade do acesso ao processo eleitoral americano.
Aplicando a taxa de abstenção de cada estado em 2016 (ela pode mudar muito de uma eleição para outra) sobre os eleitores aptos de 2020, é possível estimar o tamanho da maioria absoluta necessária para garantir aquele estado. A EXAME optou por usar a maioria absoluta para não deixar o cenário ainda mais estranho do que parece.
Com isso, teoricamente, é possível vencer as eleições somando apenas 32.097.240 votos populares efetivos, e, assim, atingir os 270 delegados necessários para ocupar a Casa Branca. Ou seja: dá pra ser eleito com 23% dos votos efetivamente depositados em urnas (ou sendo escolhido por 14% dos americanos aptos a votar). Não chegaremos lá nem em 2020, claro. Mas Trump, se eleito, será certamente o vencedor menos popular da história americana.