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Ex-ditador argentino admite assassinatos pela primeira vez

Videla, de 86 anos, fez esta confissão no livro ''Disposición Final'', do jornalista argentino Ceferino Reato

Em livro, o ex-ditador cifrou a quantidade de assassinados durante os ''anos de chumbo'' (Wikimedia Commons)

Em livro, o ex-ditador cifrou a quantidade de assassinados durante os ''anos de chumbo'' (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 13 de abril de 2012 às 21h21.

Buenos Aires - O ex-ditador Jorge Videla admitiu pela primeira vez que o regime militar que governou a sangue e fogo na Argentina, de 1976 a 1983, assassinou ''7.000 ou 8.000 pessoas'', o ''preço que havia que ser pago'' para ''ganhar a guerra'' contra a subversão''.

Videla, de 86 anos, fez esta confissão no livro ''Disposición Final'', do jornalista argentino Ceferino Reato, que em entrevista à Agência Efe nesta sexta-feira se disse ''impactado'' pela forma com a qual o ex-ditador relatou os horrores cometidos durante a ''guerra suja''.

''Me surpreendeu como Videla me dizia as coisas. Sempre o vi muito articulado, muito preciso em suas lembranças, usando uma linguagem descarnada e sem metáforas. Parecia um analista de fatos cometidos por outra pessoa'', destacou.

No livro, o ex-ditador cifrou a quantidade de assassinados durante os ''anos de chumbo'', e assegurou que o regime militar fez os restos mortais das vítimas sumirem ''para não provocar protestos dentro e fora do país''.

''Não havia outra solução. Na cúpula militar estávamos de acordo que era o preço que havia que ser pago para ganhar a guerra contra a subversão, e precisávamos que não fosse evidente para que a sociedade não se desse conta''.

As confissões do primeiro dos quatro presidentes que da última ditadura argentina foram o resultado de nove longas entrevistas que Reato, diretor da revista econômica ''Fortuna'', fez entre outubro de 2011 e março de 2012 com Videla na penitenciária federal de Campo de Maio, nos arredores de Buenos Aires.

''Essas entrevistas e outras estavam destinadas a outro livro, mas quando me dei conta do que ele tinha me dito, mudei minha decisão e comuniquei a Videla que ele era o entrevistado principal de ''Disposição Final'''', lembrou o jornalista.


''Eu o vi muito bem fisicamente e não senti nada quando o entrevistei, só a necessidade de cumprir meu trabalho jornalístico'', afirmou, antes de ressaltar a ''predisposição'' que Videla e outros líderes da ditadura tiveram ao serem entrevistados por jornalistas.

Segundo Reato, uma confissão do ex-general trouxe à sua memória ''Conspiração'', filme para TV que conta como os nazistas encararam a Segunda Guerra Mundial sem determinar previamente o que iriam fazer com seus inimigos, os judeus.

''Videla contou-me o mesmo ao dizer que a Junta Militar deu o golpe de Estado sem saber o que faria com as pessoas que queria eliminar, e que fazê-las desaparecer foi a solução'', declarou.

No livro, Jorge Videla faz uma descrição pormenorizada dos métodos usados pela ditadura para sequestrar e assassinar opositores, justifica o uso da tortura e destaca a influência da chamada ''Doutrina Francesa'' na luta contra as guerrilhas.

O ex-ditado explica que o país foi dividido em ''cinco regiões'' antes do golpe de Estado de 24 de março de 1976, e que o chefe de cada um desses territórios tinha ordenado meses antes a confecção de listas de pessoas que deveriam ser detidas após a derrocada da então presidente constitucional, Isabelita Perón.


Nesse sentido, sustenta que esses nomes foram apresentados pelos espiões das Forças Armadas mas também por empresários, executivos, sindicalistas, funcionários públicos nacionais e provinciais, professores e dirigentes políticos e estudantis.

Videla detalha ainda que não existem listas ''com o destino final dos desaparecidos'', cerca de 30 mil segundo organizações humanitárias, e diz que a sorte das vítimas era decidida semanalmente pelo chefe de cada região.

Ele fala, além disso, sobre o roubo de bebês, filhos de desaparecidos, cometido pela ditadura, causa que o coloca atualmente no banco dos réus, e diz que ''do ponto de vista estritamente militar, o golpe de Estado foi um erro''.

''Nosso objetivo (em 1976) era disciplinar uma sociedade anarquizada. Com relação ao peronismo, sair de uma visão populista; com relação à economia, ir em direção a uma de mercado, liberal. Queríamos disciplinar também o sindicalismo e o capitalismo predatório'', acrescenta. 

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