A vida em Juba, capital do Sudão do Sul: investigação da União Africana revelou os horrores vividos pela população desde que a guerra civil estourou em dezembro de 2013 (Paula Bronstein/Getty Images)
Gabriela Ruic
Publicado em 28 de outubro de 2015 às 14h42.
São Paulo – Um explosivo relatório divulgado nesta semana pela União Africana (UA), organização regional que integra 52 países, trouxe à tona os horrores vividos pela população do Sudão do Sul desde o início da guerra civil em dezembro de 2013. Foram evidenciados casos de estupros, mutilações e até canibalismo forçado.
A comissão responsável pela investigação, e que é liderada pelo ex-presidente nigeriano Olugesun Obasanjo, informou ter encontrado provas razoáveis de que tanto as tropas do governo quanto os rebeldes tenham cometido crimes e violações de direitos humanos.
Foram documentados atos de “crueldade extrema” que envolvem a violência sexual e até casos nos quais pessoas foram forçadas a consumir o sangue e comer a carne queimada de membros de seu grupo étnico. As alegações, explica o documento, foram compiladas a partir de relatos de testemunhas desses crimes em Juba, capital do país.
A maioria das atrocidades, continuou o documento, foram cometidas contra a população civil que não estava envolvida nas hostilidades. “Locais religiosos e hospitais foram atacados, a ajuda humanitária foi bloqueada, cidades queimadas e saqueadas e há testemunhos que mostram o recrutamento militar de crianças com menos de 15 anos”.
E mais: a investigação constatou que a violência no país, que já dura quase dois anos, se originou de uma confusão na guarda presidencial e não de uma tentativa de golpe, conforme denunciado pelo governo de Salva Kiir na época.
O Sudão do Sul conquistou a sua independência do Sudão em 2011, após anos de uma violenta guerra. Um governo interino foi instaurado em seguida e que contou com Salva Kiir na presidência e Riak Mashar, seu antigo rival político, como vice.
A tensão entre os dois, revela o relatório, atingiu novos níveis quando em julho daquele ano Kiir dispensou seu vice e vários ministros. Como resposta, Mashar anunciou que disputaria a presidência do país nas eleições de 2015.
Em dezembro, a violência estourou entre soldados da guarda presidencial e a instabilidade tomou conta do país desde então. O conflito político logo foi permeado por tensões étnicas, uma vez que os dois maiores grupos do Sudão do Sul, os Dinka e os Nuar, se posicionaram de lados opostos. Enquanto os Dinka apoiam Kiir, os Nuar lutam com Mashar.
Neste ano, as eleições que deveriam ter acontecido em março foram empurradas para 2018 e o mandato de Kiir foi estendido. Meses depois, em agosto, Kiir e Mashar assinaram um frágil cessar fogo pressionados por parceiros comerciais e pela ONU. O acordo apaziguou os ânimos, mas não sufocou por completo os confrontos entre governo e rebeldes.
Desde então, estima-se que esse conflito tenha deixado mais de 50.000 mortos e deslocado internamente 2,2 milhões de pessoas. O Sudão do Sul é hoje o país do mundo que enfrenta a mais grave crise de fome, crise essa que afetou 4 milhões de pessoas, um terço da sua população.