Estados Unidos estão criando provocações para a China em Taiwan, diz ex-embaixador brasileiro
Para o diplomata Marcos Caramuru, ex-Embaixador do Brasil na China, existe um risco de conflito armado, mas ele é remoto
Carlo Cauti
Publicado em 2 de agosto de 2022 às 20h40.
Última atualização em 3 de agosto de 2022 às 10h03.
A visita da presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, em Taiwan nesta terça-feira, 2, desencadeou a maior crise diplomática entre Estados Unidos e China desse século.
O governo de Pequim iniciou exercícios militares nas regiões próximas da ilha, considerada uma "província rebelde".
Por outro lado, Pelosi salientou que sua visita em Taiwan é uma forma de "reafirmar a democracia na ilha".
Segundo o diplomata Marcos Caramuru, ex-Embaixador do Brasil na China e conselheiro internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), a visita de Pelosi é uma "provocação desnecessária" contra a China, e poderia ter consequências graves para o Brasil e para o mundo.
Em entrevista à EXAME, Caramuru salientou como os "chineses têm uma paciência infinita", e vão conseguir lidar com essa crise.
Confira os melhores trechos da entrevista com o embaixador Caramuru à EXAME
Embaixador, o que o Sr. acha dessa crise que está surgindo na área?
Acho que os Estados Unidos estão criando provocações para a China, para que Pequim faça um passo errado. Mas a China tem uma paciência infinita, e acredito que não vão reagir de forma inconsulta. Eles podem demonstrar que não estão satisfeitos, podem realizar sobrevoos militares, uma qualquer demonstração, mas vão evitar o confronto, mesmo se percebem que os EUA estão com a iniciativa.
Essa crise chega após um ano e meio de relações cada vez mais tensas entre Washington e Pequim, desde o primeiro encontro entre os ministros das relações exteriores na Alasca, em 2021.
Essa posição provocatória americana tem sido a tônica desde o início governo de Joe Biden. Donald Trump focava nas questões econômicas. Podia ser execrável nos tons, mas negociava por debaixo dos panos. E conseguiu negociar, por exemplo, a abertura do mercado financeiro para bancos americanos, que agora não têm mais a necessidade de estipular joint ventures com bancos chineses para operar no país. Mas Biden decidiu focar nas questões políticas, e isso está acirrando os tons. Provavelmente pelo fato que os americanos precisam de produtos de baixo custo chineses nesse momento, para tentar conter a inflação elevada.
Mas a visita de Pelosi foi apoiada seja pelos Democratas que pelos Republicanos no Congresso americano. Não há uma percepção bipartidária que a China representa um perigo para os EUA?
Pode até haver essa percepção. Mas essa visita quer chegar onde? Essa provocação foi realizara para obter o que? Para chegar em um conflito armado? Os riscos são muito grandes. Claro que o Biden não pode impedir essa visita, por questões politicas internas americanas, e tentou chegar em um consenso para agradar os republicanos.
Pelosi é do mesmo partido do Biden, eles tem uma conversa permanente, ela certamente não iria se não houvesse uma politica deliberada por parte da Casa Branca há algum tempo com o objetivo de criar provocações para a China.
Agora, tudo isso é incompatível com os vínculos econômicos que existem entre China e EUA. Seria muito mais razoável criar algum tipo de entendimento. O problema que os americanos não aceitam. Seja os políticos que a própria população americana não quer aceitar perder a hegemonia mundial que tem no mundo. Atualmente, o único ponto de consenso na política e na sociedade americana é a contenção da China.
E Taiwan nessa situação? Não teria sido melhor evitar essa visita por parte do governo local?
O atual governo em Taiwan nesse momento é mais favorável para um maior entrosamento com os EUA. Isso nem sempre acontece. As vezes os governos locais são mais favoráveis a um maior diálogo com a China. Mas o atual partido no poder tem uma postura mais direta em direção a China, não necessariamente para a independência, e nessas condições o diálogo com Washington fica mais fácil.
Mas só os americanos tem a ganhar com isso. O que o resto do mundo tem a ganhar com isso? Nada. Os países da Ásia podem ter um maior interesse em conter a China, mas esse interesse para uma certa contenção da China não é o mesmo interesse em criar situações limites. Submeter o mundo a uma política que interessa apenas os EUA é algo muito complicado.
O que o Brasil está arriscando com essa crise?
O Brasil não tem nenhum interesse que haja um desentendimento entre as duas maiores economias do mundo. Não é só isso. Estamos chegando em uma situação onde o País terá que assumir lados, mesmo do ponto de vista puramente politico. E isso é algo cheio de inconvenientes.
O interesse brasileiro é que Washington e Pequim consigam criar algum tipo de diálogo. Obama tinha conseguido construir um diálogo econômico e político com o então líder chinês Hu Jintao, e a esperança era que Biden fizesse o mesmo.
Quando acabou o governo Trump todo o mundo pensou que o esse diálogo ia acontecer. Mas Biden não somente não retomou o diálogo, como decidiu socar em temas político. A aliança QUAD, por exemplo, nas várias menções nos discursos à Taiwan, os americanos resolveram enfatizar os temas políticos.
O Sr. acha que chegaremos a um conflito armado?
Acho que pouco provável, mas ninguém sabe. Fazer uma guerra para que? Para que os EUA salvem Taiwan? Um dos últimos bastiões da Guerra Fria? Os chineses também não têm interesse em criar um conflito.
A economia americana não está em seu melhor momento: inflação alta, juros altos, perspectivas ruins para o ano que vem, recessão. Do ponto de vista econômico os EUA tem muito a perder com um conflito com a China. Eles não querem também. Mas estão atuando no limite.
E também, fazer uma guerra contra um país que detêm um trilhão de dólares de títulos do Tesouro americano, em termos econômicos, seria um absurdo.
Por exemplo, durante a Guerra Fria, os EUA não tinham nenhuma relação com a União Soviética do ponto de vista econômico, cultural, etc... E mesmo assim negociaram o desarmamento. Com a China eles têm uma relação econômica profundíssima e multifacetada. As forças que teriam restrições e perdas com uma atitude mais pesada americana seriam muitas. Não sei se o ganho político interno seria da mesma proporção.
A China já deixou claro que vai querer retomar Taiwan até 2049, ano do centenário da fundação da República Popular. Isso mesmo usando a força armada. O Sr. acha isso possível?
Os chineses apostam sempre em um futuro distante, sempre em um futuro remoto. O que vai acontecer em 2049? Ninguém sabe. Quem estará presidiando a China em 2049? Quem serão os líderes?
Eu frequentei prefeitos, subprefeitos, a futura geração de políticos chineses, que em 2049 estarão na liderança da China. Eles têm outra cabeça. Aprenderam inglês quando crianças, tem outras referencias ideais. Mas é muito difícil pensar o que vai acontecer em 1949.