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Eles votaram em Trump, e vão cobrar

Nelson D. Schwartz © 2016 New York Times News Service Indianápolis – Quando o Chicago Cubs ganhou o primeiro campeonato de basebol em 108 anos, Paul Roell já estava dormindo. E também não estava acordado para ver a vitória de Barack Obama, em 2008, nem no ano 2000, quando a margem de votos que separava […]

PAUL ROELL, FUNCIONÁRIO DA CARRIER: para ele, a eleição de Trump foi seu “campeonato mundial” / Whitten Sabbatini/The New York Times
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Da Redação

Publicado em 23 de novembro de 2016 às 09h07.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.

Nelson D. Schwartz
© 2016 New York Times News Service

Indianápolis – Quando o Chicago Cubs ganhou o primeiro campeonato de basebol em 108 anos, Paul Roell já estava dormindo. E também não estava acordado para ver a vitória de Barack Obama, em 2008, nem no ano 2000, quando a margem de votos que separava Bush e Al Gore na Flórida foi encolhendo até desaparecer.

Afinal, ele tem que entrar diariamente às cinco e meia na fábrica da Carrier em Indianápolis, onde trabalha há 17 anos e que em breve será fechada.

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Mas pouco antes das três da madrugada do dia após as eleições, quando as projeções indicavam que Donald Trump ganharia, Roell estava acordado. Sua esposa, Stephanie, também estava, e os dois comemoravam.

Na verdade, Roell não dormiu naquela noite e foi direto para a fábrica antes do nascer do sol, cansado, mas eufórico. “Eu não assisto esportes, mas esse foi meu Campeonato Mundial”, disse ele.

É esse nível de entusiasmo que os pesquisadores e a campanha de Hillary Clinton não perceberam, mesmo que já estivesse evidente em fevereiro, quando um vídeo viral mostrou trabalhadores da Carrier furiosos quando ficaram sabendo que seus empregos iriam para o exterior.

A decisão da Carrier de mudar a fábrica para Monterrey, no México, irá eliminar 1.400 postos de trabalho em 2019. Trump transformou a fábrica em “Prova A” de seu argumento contra as políticas comerciais tanto dos republicanos quanto dos democratas.

Ele citou a Carrier inúmeras vezes na campanha eleitoral, ameaçando ligar para seus executivos e dizer que cobraria tarifas de 35 por cento em qualquer fornalha ou ar condicionado que trouxessem do México. Em meio a aplausos, previu nos comícios que a Carrier ia lhe telefonar quando fosse presidente e dizer: “Senhor, decidimos ficar nos Estados Unidos”.

Agora seus eleitores esperam pela ação. “Se ele não aprovar essa tarifa, votarei diferente na próxima vez”, advertiu Nicole Hargrove, que trabalhou na Carrier durante 15 anos.

A Carrier não pretende mudar seus planos. Após a eleição, em um comunicado, a empresa disse: “Estamos fazendo todos os esforços para facilitar a transição para nossos colaboradores em Indiana”. A empresa disse que irá financiar programas de manutenção e educação para os empregados e fornecer ajuda financeira.

Roell pode ser um conservador, mas o discurso de Trump sobre a Carrier e os empregos também agradou aos moderados como Darrell Presley, um metalúrgico em Crawfordsville, Indiana, que votou em Obama em 2008. “Ele defendia a mudança e disse que iria tomar conta da classe média, mas não fez jus a essas expectativas. Sinto que o povo americano já aguentou o suficiente, e esta é a última chance”, disse Presley.

Como presidente, no entanto, Trump enfrentará um equilíbrio difícil. As guerras comerciais e tarifárias ameaçam prejudicar os trabalhadores dos EUA que fazem produtos exportados para o México ou para a China; além disso, poucos eleitores ficarão felizes de ter que pagar mais caro por produtos importados.

E, independentemente de quem seja o presidente, os fabricantes estão sentindo a pressão de investidores e empresas rivais para automatizar, substituindo trabalhadores por máquinas que não quebram, nem necessitam de pensões ou planos de saúde. Administradores de fundos hedge de Wall Street estão exigindo um aumento nos rendimentos da empresa detentora da Carrier, a United Technologies, mesmo que o crescimento continue lento em todo o mundo.

A fábrica da Carrier é muito rentável, mas a mudança para Monterrey, onde trabalhadores ganham em um dia o que os funcionários americanos ganham em uma hora, vai aumentar os lucros mais rapidamente.

Roell, que ganha cerca de 55.000 por ano com horas extras como líder da equipe que faz fornalhas, tem poucas ilusões sobre a distância que separa seu mundo do de Trump, ou sobre os ventos contrários que operários americanos enfrentam. “O pai dele era um milionário, ele é um bilionário. A mesada do seu filho Barron é provavelmente maior que meu salário”, disse Roell.

E ele também não subestima a ameaça aos 1.400 trabalhadores da fábrica, onde se acredita que as demissões irão começar em meados do ano que vem, até que seja fechada, em 2019. Roell foi promovido a líder de equipe em março.

O clima na fábrica está piorando. Os engenheiros norte-americanos viajam de Indianápolis a Monterrey para supervisionar a mudança da linha de produção da Carrier, dizem trabalhadores e sindicalistas; os mexicanos, por sua vez, vêm para os EUA avaliar as máquinas que irão usar do outro lado da fronteira.

“É desmoralizante quando você os vê tirando fotos. É como se você estivesse se divorciando, mas ainda está vivendo com sua esposa e o novo namorado dela vem visitar”, disse Roell.

Para os trabalhadores como Roell, de 36 anos, o problema não é a falta de postos de trabalho. É a falta de empregos que paguem um salário próximo a 23,83 dólares por hora, que é o que recebe na Carrier, ou mesmo um que garanta o suficiente para mantê-lo na classe média.

Quando vai para o trabalho, Roell passa por armazéns de gigantes como Walmart e Kohl com placas de “Temos Vagas” do lado de fora. O problema é que eles normalmente pagam de 13 a 15 dólares por hora.

“Acho que eu poderia trabalhar dois turnos integrais por dia”, brincou ele.

Desde 2010, o setor privado em Indiana criou cerca de 300.000 empregos, trazendo a taxa de desemprego de 10,9 por cento em janeiro de 2010 para 4,5 por cento hoje.

Mas quase todo esse crescimento ocorreu no setor de serviços e esses empregos não pagam tão bem quanto os da indústria. De acordo com o Escritório do Censo, um emprego típico do setor de serviço em Indiana pagou 39.338 dólares em 2015, em comparação com os 59.029 dólares de uma posição no setor de manufatura.

A diferença entra as gerações pode ser dura, prejudicando muitas famílias. No sindicato dos metalúrgicos, os membros normalmente começam ganhando 17 dólares por hora, segundo Chuck Jones, o presidente. Em comparação, sua neta de 21 anos, Haley Duncan está prestes a terminar a faculdade e conseguir um emprego na área da saúde que paga 14,50 dólares por hora.

Haley e seu irmão, Drake, pensaram em trabalhar na fábrica, mas Jones e os pais dos dois lhes disseram para continuar os estudos porque, mesmo que a fabrica pague mais, seu futuro não é garantido. A fábrica de rolamentos Rexnord em Indianápolis – onde Jones começou a trabalhar em 1969 e onde seu enteado trabalha agora – disse recentemente que poderia seguir a Carrier para o México e eliminar pelo menos 300 postos de trabalho.

Até Robin Maynard, líder de equipe da Carrier que apoiou Trump, reconhece que um telefonema da Casa Branca para a empresa não é o suficiente para salvar seu emprego. “Espero que ele possa fazer algo por nós, mas acho que a decisão não é do CEO. Está nas mãos dos acionistas”, disse Maynard.

Em uma época de planos e contas individuais de aposentadoria, esses acionistas são, em certo sentido, todos nós, mas para milhões de operários, nuances como essas não importam muito agora. Só a esperança que Trump consiga reverter o declínio da região, seu padrão de vida e até mesmo sua longevidade é um bálsamo emocional.

“Ele não gosta de negros, de hispânicos, de deficientes, não tem as qualidades necessárias para a presidência, mas meu marido e eu não ficamos revoltados ou chateados quando ele ganhou. Conheço negros que votaram nele, e quero lhe dar uma chance”, disse Jennifer Shanklin-Hawkins, que, como cerca de metade os trabalhadores da Carrier, é afro-americana.

Pelo menos metade dos trabalhadores na linha de montagem da Carrier são mulheres. E dezenas de imigrantes birmaneses vieram trabalhar na fábrica nos últimos anos, parte do influxo de quase 15 mil refugiados de Mianmar em Indianápolis desde 2001.

Em vez de preconceito, o que move esses eleitores é o ressentimento em relação aos americanos mais ricos e educados. E para eles, Hillary parecia tão parte da elite quanto Trump.

“Eu não tive coragem de votar nele, mas os dois candidatos são ruins”, disse Jennifer, que relutantemente votou na candidata democrata.

“Hillary não suou um dia na vida dela, a menos que tenha perdido um caso difícil como advogada. Queríamos levar os EUA para uma direção diferente. Espero que Trump faça o que prometeu”, disse Maynard.

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