Emmanuel Macron: presidente francês concorre à reeleição em 10 de abril (Chesnot/Getty Images)
Carla Aranha
Publicado em 12 de março de 2022 às 06h00.
Durante um ano e meio, até 2019, os sábados em Paris seguiram um roteiro parecido. Pela manhã, milhares de jovens e trabalhadores se encontravam nas estações de metrô para seguir para o centro da cidade. Vestidos com coletes amarelos, que se tornaria um símbolo do movimento, lotavam a região da avenida Champs-Élisées e do Palácio do Eliseu para protestar contra o governo do presidente Emannuel Macron – os franceses não engoliam o aumento do imposto sobre o combustível e a reforma da previdência, que acabou não passsando. Em 2019, no auge das manifestações, 200 mil pessoas foram às ruas em um único final de semana, em várias cidades do país. Com a pandemia – e a guerra na Ucrânia --, tudo mudou.
Hoje, o chefe do executivo francês, eleito pela primeira vez em 2017, é o franco favorito para a corrida presidencial, marcada para o mês que vem. Será uma campanha curta – Macron confirmou sua candidatura no último dia 3, às vésperas do prazo final. Com 27% das intenções de voto, diante de 15% de sua principal oponente, Marine Le Pene, da extrema-direita, Macron concorre à reeleição, marcada para 10 de abril alçado à condição de (quase) estadista, no papel de mediador do conflito da Ucrânia e coordenador dos esforços para combater a covid-19.
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Segundo seus aliados, o presidente teria estado ocupado demais para se dedicar à campanha eleitoral. Macron, no entanto, conseguiu reservar um tempinho para escrever uma carta à nação anunciando sua candidatura. “Nos últimos cinco anos, enfrentamos várias provações juntos. Terrorismo, a pandemia, a guerra na Europa: poucas vezes a França teve que lidar com tantas crises ao mesmo tempo”, escreveu. “Sou o candidato que irá responder aos desafios do século”.
Na visão de diversos analistas, é praticamente uma batalha ganha. “É uma vitória quase garantida para Macron, já que não há um desejo de remover um presidente em exercício no meio de uma guerra no continente”, diz Mujtaba Rahman, diretor para a Europa da Eurasia, uma das maiores consultorias de risco político do mundo.
Uma pesquisa realizada no início do mês pelo instituto Harris mostra que para 58% dos franceses Macron está à altura do desafio de lidar com a guerra -- 65% dos eleitores consideram que o conflito na Ucrânia deverá influenciar sua decisão de voto. Os rivais do presidente não desfrutam do mesmo grau de confiança no que se refere à capacidade de manejar as consequências de um conflito em solo europeu.
Com 14% das intenções de voto, Eric Zammour, da direita, vinha batendo na tecla da imigração e do combate ao terrorismo há meses em debates eleitorais na TV dos quais Macron não participou, com um discurso contra os refugiados. Em janeiro, ele chegou a ser condenado por racismo por ter dito em uma entrevista a um canal de televisão que crianças filhas de imigrantes são “ladras” e “assassinas”. A justiça francesa imputou uma multa de 10 mil euros a Zammour pelo discurso racista – os advogados do candidato recorreram da sentença.
Le Pen, por sua vez, nunca escondeu sua simpatia por Vladimir Putin. Ela chegou a receber um financiamento de 12,2 milhões de dólares de um obscuro banco russo, que acabou fechando as portas, durante a campanha eleitoral de 2017. Em um tom mais moderado, Jean-Luc Mélenchon, o candidato da esquerda, com 12,5% das intenções de voto, expressou preocupação com o avanço da Otan sobre o leste europeu e a tentativa de admitir a Ucrânia como novo membro da aliança militar. Hoje, em um ambiente de conflito armado e crise humanitária, suas palavras passaram a ser vistas quase como uma defesa de Putin.
Se no front externo há desafios de sobra para qualquer que seja o candidato eleito, no campo doméstico as pelejas não deverão ser menores. A crise do petróleo, com o preço do barril batendo a casa dos 129 dólares, as dificuldades logísticas causadas pela guerra e o risco de recessão na Europa, deverão complicar a vida dos líderes do continente. Macron já vem preparando o terreno, com subsídios da ordem de 15 bilhões de euros para o setor de energia e combustível.
Com uma taxa de inflação de 3,6% em fevereiro, diante de 2,9% em janeiro, o país deverá conviver com uma alta de preços, como boa parte do restante do mundo. A agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) alertou nesta sexta, dia 11, que a inflação dos alimentos pode chegar a 20% neste ano como resultado da guerra, já que há incertezas sobre os embarques da Rússia, um dos maiores produtores mundiais de trigo e outros cereais, e da Ucrânia.
As previsões para o crescimento do PIB não são muito melhores. Os bancos centrais já começam a rever suas projeções para o desempenho da economia neste ano. A consultoria Eurasia prevê uma queda generalizada no PIB mundial de pelo menos um ponto percentual. “Na Europa, deverá ser ainda pior, pois o continente depende do gás russo e outras matérias-primas”, diz Robert Kahn, diretor de macroeconomia global. “Em um contexto como esse, mudanças políticas são menos prováveis”.