De Trump à Coreia do Norte: 3 riscos à globalização no mundo
"Nesse cenário, o mais provável é que Kim Jong-un seja o líder mais sensato" em comparação com Trump, avaliou sociólogo no EXAME Fórum
Karin Salomão
Publicado em 4 de setembro de 2017 às 19h37.
Última atualização em 6 de dezembro de 2018 às 12h38.
São Paulo — O Brexit, saída do Reino Unido da União Europeia, e a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos com um discurso ultranacionalista, não são eventos isolados.
Segundo Demétrio Magnoli, sociólogo, os dois casos fazem parte de uma tendência contrária à globalização e favorável ao nacionalismo e protecionismo.
Esses movimentos têm bases profundas e apoio da classe média dos países desenvolvidos. Foram eles que mais perderam renda com a globalização, avalia ele, e os mais favoráveis a políticas de fechamento comercial.
Magnoli e Mário Mesquita, economista-chefe do banco Itaú, falaram sobre os principais riscos e consequências dessa tendência no EXAME Fórum 2017 , que aconteceu hoje, 4, em São Paulo.
Alemanha e França
Não bastasse a saída do Reino Unido do bloco econômico e político, há também uma disputa entre as duas maiores potências do bloco: a França e a Alemanha. "O principal problema da União Europeia não se chama Grécia e nem Espanha. Se chama França", afirmou Magnoli.
De acordo com o sociólogo, um dos principais desafios do bloco é reequilibrar as balanças comerciais das duas potências. Se, por um lado, a França importa e gasta muito mais do que produz, com déficit na balança comercial, na Alemanha ocorre o oposto. O país de Angela Merkel é muito competitivo e importa pouco, acumulando recursos e poupança.
Na análise de Magnoli, esses dois países formam o núcleo da União Europeia. A desigualdade entre eles ameaça a coesão do bloco e a globalização.
Coreia do Norte e Estados Unidos
A escalada de provocações entre Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte, elevou a tensão mundial em torno de uma crise nuclear.
Para Magnoli, o maior problema é uma sequência de erros de cálculo. De acordo com ele, os dois líderes estão adotando a Estratégia do Louco, da Teoria de Jogos. Essa teoria foi criada pelo economista americano Thomas Schelling, que recebeu o Prêmio Nobel em 2005. Pela teoria, a mera ameaça pode ser uma arma. Ainda que seja loucura, convencer o adversário de que é possível apertar o botão da guerra nuclear pode ser efetivo para fazê-lo recuar.
No caso de Trump e Kim, os dois líderes estão adotando a mesma estratégia. As ameaças do norte-americano, no entanto, são vazias, de acordo com o sociólogo. "Trump traça linhas vermelhas como uma criança que brinca com giz. Ele disse que a Coreia do Norte não teria armas nucleares e, depois, disse que não teria armas de longa distância. Essas duas coisas já aconteceram", disse ele.
"Nesse cenário, o mais provável é que Kim Jong-un seja o líder mais sensato", avaliou com certa ironia.
Trump e suas promessas
O presidente norte-americano se elegeu com promessas nacionalistas radicais e audaciosas – algumas delas claramente contrárias à globalização. No entanto, Trump não conseguiu levar adiante nenhuma dessas propostas mais radicais.
"Ele não colocou a primeira pedra no muro do México, não sustituiu o Obamacare, não fez a reforma tributária", disse Magnoli. Isso é bom para o resto do mundo, mas ruim para o seu eleitorado, que acreditava nessas propostas.
Esse impasse eleva sua impopularidade. "Agora, o grande risco Trump é que ele resolva cumprir alguma das promessas porque está cercado pela impopularidade", disse.
Para Mário Mesquita, há também uma ameaça de superaquecimento da economia americana. Caso o presidente decida aprovar estímulos fiscais num momento equivocado, o Banco Central norte-americano seria obrigado a aumentar as taxas de juros. Isso poderia ter um efeito dominó na economia de outros países.
A previsão para este ano é de um crescimento mundial de 3,6%, que "não é espetacular, mas bastante sólido", disse o economista.
E o Brasil?
De acordo com os palestrantes, não há risco de fortes movimentos antiglobalização no país. O principal motivo é que o Brasil nunca entrou, ativamente, no movimento de globalização.
"O Brasil teve uma incipiente abertura comercial nos anos 1990, mas desde então manteve a economia muito fechada", afirmou Mesquita.
Dessa forma, a disputa entre globalização e nacionalização não será um grande tema para as próximas eleições presidenciais, ao contrário do que aconteceu nas últimas votações em países desenvolvidos.
Veja a entrevista de Demétrio Magnoli ao site EXAME: