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Cristina Kirchner tenta a redenção pelas urnas

Envolvida em escândalos, a ex-presidente argentina quer chegar ao Senado este ano e voltar à Casa Rosada em 2019

Kirchner: a ex-presidente é candidata ao Senado, e mantém uma fiel base de apoiadores (Getty Images/Getty Images)

Kirchner: a ex-presidente é candidata ao Senado, e mantém uma fiel base de apoiadores (Getty Images/Getty Images)

CA

Camila Almeida

Publicado em 17 de julho de 2017 às 21h15.

Última atualização em 17 de julho de 2017 às 21h35.

Buenos Aires - Apenas um ano e meio depois de deixar a presidência da Argentina, Cristina Kirchner está de volta aos palanques. Na tarde de sexta-feira, num teatro na província de Mar del Plata, La Reina Cristina declarou aberta a temporada de campanha — em ato transmitido ao vivo pela televisão.

Semanas antes, ela havia discursado para dezenas de milhares de pessoas num estádio em Buenos Aires. Em outubro, os argentinos vão escolher os novos legisladores do país, e Cristina agora é candidata a senadora, com grandes chances de ser eleita.

Ainda faltam mais de três meses para as eleições, mas pelos muros portenhos já se veem cartazes anunciando os indicados para a disputa. Os aliados de Macri dominam a propaganda, mas Cristina continua forte entre sua base fiel.

Uma fileira de 12 cartazes estampados em frente à histórica Estação do Retiro carrega os seguintes dizeres, ao lado de uma foto da líder da Central de Trabalhadores da Argentina: “para nosotros, es ella”.

Depois de oito anos comandando o país – seguidos de outros oito anos ocupando a posição de primeira-dama, durante os mandatos de seu marido Nestor Kirchner – ela faz uma campanha que passa longe do alarde com que anunciava os atos na Casa Rosada. Os escândalos de corrupção relacionados ao seu governo não param de surgir.

Ela é investigada em alguns processos, como por enriquecimento ilícito em sociedade com o filho. O caso envolve uma empresa de negócios imobiliários da família em Los Sauces, que estaria no centro de um esquema de lavagem de dinheiro.

Nesta segunda-feira 17, o contador da família, Víctor Manzanares, foi preso por tentar obstruir as investigações. Cristina também é ré em duas ações: uma por suspeita de fraude na venda de contratos futuros de dólar pelo Banco Central, e outra por associação ilícita em esquema de corrupção que favoreceu empresários na disputa por concessões de obras públicas.

O ex-presidente Lula, para ficar numa comparação brasileira, é réu em quatro processos e foi condenado em outro.

Tanto lá como cá, os eleitores fiéis se mantém ao lado dos ex-presidentes mesmo com o avanço das denúncias. Lula tem a preferência de 30% dos eleitores brasileiros, e, se a Justiça permitir, será candidato à presidência ano que vem.

Cristina, que também conseguiu se manter popular e está à caça de um cargo com foro privilegiado, decidiu não esperar as eleições presidenciais, em 2019.

O que explica?

Um dos redutos kirchneristas é a sede do movimento político La Cámpora, na rua Defensa, no boêmio bairro de San Telmo. Em frente à entrada, onde cartazes de apoio à ex-presidente foram colados na vidraça, uma bandeira com a imagem de seu rosto balança com os ventos de inverno. Os militantes respondem com muito pouca paciência sobre a intenção de Cristina Kirchner de retornar à política. “Ela já está de volta”, afirma Riki Aurelli, de 45 anos.

Aurelli é dono da loja de camisetas La Pochoklera (ou “A Pipoqueira”) na mesma rua de paralelepípedos, desde 1985. Mas foi quando decidiu se tornar ativista – em 2008, quando a crise internacional atingiu em cheio a Argentina e abalou a confiança no governo. Hoje, vende várias camisetas com mensagens de apoio à ex-presidente e a outros representantes do peronismo, linha ideológica baseada nas políticas do militar Domingo Perón, também ex-presidente do país. O vaivém de clientes em busca de camisetas, para Aurelli, é um sinal de que o Kirchnerismo vive.

Mas Cristina enfrenta um ceticismo muito maior que em seus melhores dias – em 2011, tinha mais de 60% de popularidade. Hoje, boa parte da população entende que as políticas de Cristina Kirchner eram insustentáveis financeiramente. “Todas as nossas contas eram subsidiadas pelo governo: água, luz, gás. Pagávamos uma quantia quase simbólica, era irreal”, afirma Isabel Vargas, comerciante no tradicional centro comercial e turístico do Caminito.

Quase todos os lojistas estão precisando caprichar nas promoções para atrair clientes – cada vez mais escassos e disputados. Em plena crise econômica e com o fim dos subsídios aos serviços essenciais, os ganhos no comércio já não pagam as contas. Água, gás e luz aumentaram mais de 300% desde o ano passado.

A ampla distribuição de cargos públicos – muitos deles fantasmas – com o objetivo de reverter parte do dinheiro pago em salários de volta para o partido hoje é um assunto nacional. “Muitos desses funcionários nem precisavam trabalhar, são os chamados ‘nhoques’, que só aparecem para receber salário”, afirma o eletricista Leandro Giammello, entrevistado no intervalo de um serviço no bairro La Boca. O nome faz referência ao costume argentino de comer o prato italiano no dia 29 de todo mês, o mesmo dia do pagamento – a etiqueta manda deixar o dinheiro debaixo do prato quando se termina de comer. Giammello, porém, afirma que votaria em Cristina mesmo assim, por ver que a vida piorou com Macri, e que a corrupção continua.

Logo que Macri assumiu, mais de 20.000 servidores foram demitidos, dos 450.000 que hoje são contratados pelo governo. De acordo com o Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento (Cippec), a taxa de proporção do funcionalismo público na Argentina em relação ao total de empregados no país é de 18% – abaixo da de países como França, com 22%, e Estados Unidos, com 20%, mas é superior à média da América Latina, que é de 12%. Na Era Kirchner, entre 2001 e 2014, o número de servidores públicos cresceu 70%, passando de 2,3 milhões a 3,9 milhões de trabalhadores. O governo justificava a alta com a necessidade de equiparar os índices argentinos aos de outros países, alegando que o sistema tinha deficiência de mão-de-obra.

As demissões em massa e os cortes nos subsídios são apenas alguns dos pontos que fazem o governo de Mauricio Macri ser cada vez mais contestado, numa ciranda que pode levar Kirchner de volta ao Senado e, em 2019, à presidência. A popularidade de Macri, que era de 64% quando tomou posse no início de 2016, caiu para 48% em junho deste ano. A separação entra a vida de político e de empresário, por exemplo, é um alvo frequente de críticas. Em fevereiro, o presidente declarou perdoada uma dívida de mais de 70 bilhões de pesos argentinos que a empresa de sua família, Correo Argentino, tinha com o governo desde a década de 1990.

Um primo de Macri, Angelo Calcaterra, venceu uma licitação para construir um gasoduto em Córdoba, com o consórcio encabeçado pela empresa Iecsa, da família do presidente. Macri ainda foi citado na investigação jornalística Panamá Papers, como sendo proprietário de contas em paraísos fiscais.

Macri foi alvo de críticas também por ter endividado o país pelos próximos 100 anos, ao ter emitido, em junho, 2,75 bilhões de dólares em títulos a pagar nesse prazo, o mais longo da história do país, com taxa de juros de 8% ao ano. Os argentinos comuns, isso vai ficando cada dia mais claro, não morrem de amores pelo populismo barato de Cristina, mas estão se cansando da ineficácia do liberalismo de Macri. É entre os dois extremos que eles terão que decidir no dia 22 de outubro, quando vão às urnas. Cristina é candidata ao Senado pela província de Buenos Aires e aparece entre os três candidatos eleitos em todas as pesquisas. Seria o primeiro passo de o que ela tem certeza ser uma volta triunfal à Casa Rosada (embora nunca tenha confirmado isso oficialmente). Falta, claro, combinar com as urnas.

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