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Crises na América do Sul devem ficar fora da cúpula do Brics

Diferenças políticas levaram o governo Bolsonaro a organizar cúpula enxuta em Brasília, voltada à cooperação pragmática

Líderes dos Brics: russos trataram a crise boliviana como um "golpe de Estado bem orquestrado" (Mikhail Klimentyev\TASS/Getty Images)

Líderes dos Brics: russos trataram a crise boliviana como um "golpe de Estado bem orquestrado" (Mikhail Klimentyev\TASS/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 13 de novembro de 2019 às 10h50.

Última atualização em 13 de novembro de 2019 às 10h50.

Brasília — A discordância entre o Brasil e os demais países do Brics sobre as crises na Bolívia e na Venezuela deve impedir um posicionamento comum sobre os conflitos políticos durante a reunião da 11ª cúpula dos países emergentes, cujos líderes se reúnem nesta quarta-feira, 13, e quinta-feira, 14, em Brasília.

Os casos devem ficar restritos aos encontros bilaterais. Os presidentes da China, Xi Jinping; da Rússia, Vladimir Putin; da África do Sul, Cyril Ramaphosa; e o premiê da Índia, Narendra Modi, desembarcam no Brasil com o continente sul-americano em convulsão social.

O Brasil é o único do Brics a trabalhar contra Nicolás Maduro e a reconhecer Juan Guaidó como o presidente legítimo da Venezuela. Também foi o único país a interpretar como processo democrático a queda de Evo Morales na Bolívia. "O governo brasileiro rejeita inteiramente a tese de que estaria havendo um 'golpe'", disse na terça-feira, 12, o Itamaraty, em nota.

A posição diplomática brasileira se choca com as recentes declarações de Rússia e China - Índia e África do Sul não se pronunciaram. Nos últimos dois anos, Xi Jinping e Putin assinaram novos acordos estratégicos com Evo para construção de uma usina nuclear nos Andes, com dinheiro russo, e venda aos chineses de quinoa, café e até carne boliviana.

Os russos trataram a derrubada de Evo como um "golpe de Estado bem orquestrado", destacaram a "violência da oposição" e, em recado ao Brasil, pediram uma abordagem responsável dos países influentes, incluindo os vizinhos. Assessores do Kremlin querem tratar do caso em agenda bilateral com o presidente Jair Bolsonaro, paralela ao encontro do Brics. Em tom mais ameno, os chineses evitaram tomar lado e pediram aos envolvidos na disputa uma "solução pacífica nos limites constitucionais" que "restaure a estabilidade social".

Fontes da diplomacia brasileira envolvidas nos preparativos afirmam que os conflitos não devem surgir nas sessões da cúpula - são dois encontros conjuntos dos cinco chefes de Estado e de governo, na qual cada um faz um discurso aos demais. Até a tarde de ontem, quando as conversas de três dias se encaminhavam para o fim, não havia menção a esses países.

O mais provável é que a instabilidade política regional também escape à Declaração de Brasília, o documento oficial do Brics, negociado com as delegações. É comum que conflitos regionais constem no texto, mas, para isso, deve haver convergência de posições entre os cinco líderes, o que inexiste no caso da Bolívia e da Venezuela.

Interesses

As diferenças políticas levaram o governo Jair Bolsonaro a organizar uma cúpula enxuta, fechada à participação de países latino-americanos como convidados e voltada à cooperação pragmática, em áreas como economia digital, saúde, ciência e combate à corrupção. Há, porém, uma demanda de países como China e Rússia para fortalecer a integração política e a confiança mútua no bloco.

Isso pode levar os conflitos boliviano e venezuelano a serem tratados isoladamente, em reuniões bilaterais que os líderes costumam promover à margem do Brics. A Rússia já anunciou a intenção de conversar sobre o caso com Bolsonaro, em reunião no Palácio do Planalto. E Bolsonaro se comprometeu a tentar pedir apoio para Guaidó em todas as oportunidades de contato.

As mudanças políticas e tensões sociais intensificaram-se nas últimas semanas: protestos de rua derrubaram o governo Evo na Bolívia e emparedaram os presidentes Sebastián Piñera, no Chile, e Lenín Moreno, no Equador.

Houve ainda reviravolta eleitoral na Argentina, com a eleição do kirchnerista Alberto Fernández, o abandono do acordo de paz pela guerrilha na Colômbia de Iván Duque, a ameaça de impeachment de Mario Abdo Benítez, no Paraguai, e o fechamento do Congresso por Martín Vizcarra, no Peru.

Além disso, na semana da cúpula, a crise mais grave do continente, na Venezuela, deve ter novos capítulos, com o oposicionista Juan Guaidó convocando levantes populares contra Nicolás Maduro para o sábado, com intenção de tirar o chavista do poder com apoio das Forças Armadas e polícias, inspirado na agitação que levou à renúncia de Evo.

O cenário poderia compelir o Brics a abordar a realidade continental na Declaração de Brasília - o documento, tradicionalmente, dedica alguns parágrafos a externar posições sobre conflitos ao redor do mundo e exortar os envolvidos a uma saída pacífica e negociada, em nome da "paz e da estabilidade". Mas interesses políticos e econômicos conflitantes dificilmente permitirão uma manifestação mais firme e tendem a impedir até menção aos casos boliviano, venezuelano e chileno.

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