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Crise se aprofunda no Haiti e EUA anuncia retirada de diplomatas do país

Desde o final de fevereiro, grupos armados têm atacado delegacias, prisões e aeroportos, em tentativas de acuar o primeiro-ministro, Ariel Henry

Haiti: entenda crise no país (RICHARD PIERRIN/AFP/Getty Images)

Haiti: entenda crise no país (RICHARD PIERRIN/AFP/Getty Images)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 10 de março de 2024 às 12h52.

Em meio à espiral de violência desencadeada por gangues armadas no Haiti, os Estados Unidos anunciaram neste domingo a retirada de alguns funcionários de sua embaixada e o reforço na sua segurança. Em Porto Príncipe, capital, hospitais sob ataque, escassez de alimentos e infraestrutura bloqueada levam a cidade à uma situação humanitária cada vez mais precária, e o dia anterior foi marcado por novos confrontos entre a polícia e as gangues criminosas.

Porta-vozes militares dos EUA disseram neste domingo que uma "operação foi conduzida para aumentar a segurança na Embaixada dos EUA em Porto Príncipe, permitir a continuidade das operações" na missão diplomática e "a saída de pessoal não essencial". Na declaração, o Comando Sul do Departamento de Defesa americano acrescentou que "o transporte aéreo de pessoal de e para a embaixada é compatível com nossa prática padrão de aumento de segurança".

Em uma publicação no X (antigo Twitter), a embaixada americana disse que "o aumento da violência de gangues nas proximidades da embaixada dos EUA e do aeroporto levou o Departamento de Estado a tomar providências para permitir a saída de pessoal adicional" do complexo diplomático.

Diante do surto de violência, a Comunidade do Caribe (Caricom) convocou representantes dos Estados Unidos, da França, do Canadá e da ONU para uma reunião na Jamaica na segunda-feira.

'Duas entidades poderosas'

Desde o último dia 29, gangues criminosas da capital atacaram indiscriminadamente tudo o que cheira a Estado em Porto Príncipe, com atenção especial para as delegacias da Polícia Nacional — pelo menos nove atacadas —, sua academia de cadetes, as prisões, de onde fugiram mais de 3,5 mil prisioneiros, o estádio nacional Sylvio Cator e o aeroporto internacional, que fechou e ainda não reabriu.

Na noite de sexta-feira, um grupo de membros de gangues atirou nos portões do Palácio Nacional e tentou incendiar a sede do Ministério do Interior, onde os policiais conseguiram conter o tumulto. Segundo o coordenador geral do sindicato da política haitiana (Synapoha) à AFP, vários criminosos foram mortos.

O governo decretou estado de emergência no departamento oeste, que inclui Porto Príncipe, bem como um toque de recolher noturno. Fontes políticas familiarizadas com a situação dizem que há dois motivos principais para o ataque:

Primeiro, o anúncio do primeiro-ministro Ariel Henry, que lidera o país desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021, de que convocará eleições em agosto de 2025, data que muitos consideraram distante. De acordo com os últimos relatórios, Henry, que viajou para o Quênia na semana passada, está em Porto Rico, onde aguarda uma solução para a crise.

Uma fonte familiarizada com a situação política na capital diz que grupos criminosos estão atacando o aeroporto justamente por causa o premier. Eles não querem que as companhias aéreas retomem as operações para impedir o retorno do premier e, assim, precipitar sua renúncia.

— O governo de Henry é um governo de transição e, geralmente, governos como esse duram dois anos aqui — explica o economista e sociólogo haitiano Joseph Harold Pierre, por telefone, de Cap-Haïtien, ao El País. — Ao anunciar eleições para agosto de 2025, com atrasos e assim por diante, Henry ficaria no poder por cinco anos. Uma boa parte da classe política ficou frustrada com esse anúncio. Acho que haverá mudanças profundas no governo, mudanças de ministros, pelo menos. Tenho certeza de que há negociações em andamento, mas de forma discreta.

O segundo motivo é a visita do próprio premier ao Quênia, que se comprometeu a enviar mil agentes, para negociar uma missão de apoio policial sob a tutela da ONU. Há meses, as Nações Unidas estão tentando finalizar o envio de uma missão de apoio policial ao país, que, com uma população de 11 milhões, tem menos de 10 mil policiais.

Outras nações, como a Espanha, também ofereceram apoio humano e material, tudo sob a proteção financeira dos Estados Unidos, que prometeram um investimento logístico de US$ 200 milhões. As gangues criminosas, que dominam grande parte da capital, não gostaram e deixaram isso claro.

Nascidas no calor de disputas políticas, sua dinâmica mudou nos últimos anos. Durante as duas primeiras décadas do século, os grupos funcionaram como grupos de choque a serviço das elites, em uma lógica política sempre ligada a ciclos eleitorais. Mas o Haiti não realiza eleições desde 2016 e as gangues começaram a buscar recursos em outros lugares. Desde então, a extorsão e o sequestro se tornaram suas principais atividades.

— Atualmente, há duas entidades que detêm o poder no Haiti: as gangues e a comunidade internacional. Qualquer grupo político que queira o poder e não obtenha legitimidade aos olhos dessas duas entidades não conseguirá fazer nada — observou o sociólogo haitiano Joseph Harold Pierre, por telefone, ao jornal espanhol.

Nesse sentido, o ex-policial Jimmy Cherizier, conhecido como Barbecue, que se tornou o porta-voz de uma federação das gangues criminosas mais poderosas da capital, foi muito claro: se Henry não sair, diz ele, haverá uma "guerra civil que levará ao genocídio".

Fome, insegurança e deslocamentos

Diante da violência, dezenas de moradores tomaram um escritório da administração pública em Porto Príncipe no sábado, na esperança de encontrar refúgio no local, de acordo com um correspondente da AFP. Vídeos de extrema crueldade que circulam nas redes sociais mostram grupos de jovens armados — o poder de fato na cidade — maltratam os cadáveres de policiais assassinados ou perseguem com drones os poucos agentes que tentam conter o ataque, nunca tão violento como agora.

— Não conseguimos dormir desde a noite passada. Fugimos, eu com minhas coisas na cabeça, sem saber para onde ir — disse Filienne Setoute, que saiu de casa, à agência de notícias francesa.

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De acordo com a OIM, 362 mil pessoas, mais da metade das quais são crianças, estão atualmente desabrigadas no Haiti, um número que aumentou 15% desde o início do ano. A ONG Mercy Corps também alertou sobre os riscos para o abastecimento de alimentos no país mais pobre das Américas.

— Os habitantes da capital estão vivendo em confinamento, não têm para onde ir — alertou Philippe Branchat, chefe da Organização Internacional para as Migrações (OIM), no sábado, descrevendo uma "cidade sitiada". — As pessoas que fogem não conseguem entrar em contato com familiares ou amigos no resto do país para encontrar refúgio. A capital está cercada por gangues armadas e perigosas.

(Com El País e AFP)

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