Corrida por vacina na China acende alerta sobre mercado paralelo
Mesmo com vacinas aprovadas apenas para públicos e situações específicos, mercado negro chinês já oferece o imunizante àqueles que podem pagar
Fabiane Stefano
Publicado em 26 de novembro de 2020 às 16h11.
Com farmacêuticas como AstraZeneca e Pfizer perto da linha de chegada para suas vacinas contra o coronavírus, países se preparam para o desafio de implementá-las, e a inevitável escassez de suprimentos gera preocupações sobre distribuição injusta e até mesmo o surgimento de mercados ilegais. Um lugar onde a entrega da vacina já é testada na prática é a China, que permitiu o uso emergencial de vacinas desenvolvidas por empresas locais desde meados do ano.
Embora esse programa seja tecnicamente reservado para profissionais da linha de frente na China, como equipes médicas que tratam de pacientes da Covid e funcionários de portos, a Bloomberg conversou com quase uma dúzia de pessoas que infringiram as regras, ou conhecem pessoas que o fizeram, para conseguir vacinas chinesas ainda não comprovadas. Essas pessoas pediram para não serem identificadas, ou apenas revelaram os primeiros nomes, para que pudessem falar livremente sobre suas experiências, que apontam para uma prática prevalente de contatos de trabalho e autoridades para cortar a fila.
Antes de uma viagem planejada aos Estados Unidos, Cheng queria ser vacinado contra a Covid-19. Para isso, pediu a um amigo que trabalhava em uma empresa de logística de cadeia de frio, no sudeste China, para fingir que Cheng também era funcionário, o que lhe permitiu acesso a uma das vacinas experimentais do país.
Ao contrário dos pioneiros ocidentais, as fabricantes chinesas ainda não divulgaram dados ao público sobre a eficácia de suas vacinas nos testes de fase III, o que torna difícil saber o nível de sucesso. Ainda assim, as pessoas buscam essas vacinas, principalmente as que viajam para fora da China, onde o coronavírus foi praticamente eliminado.
Cheng, um empresário de Pequim, agora planeja voar para a província de Guangdong e pagar até US$ 91 para tomar duas doses do que ele acredita ser uma vacina produzida por uma unidade da Sinopharm, a desenvolvedora chinesa financiada pelo governo entre as líderes nacorridaglobal de vacinas contra a Covid-19.
“Você apenas transfere o dinheiro para ele via Alipay, mas ele não dará detalhes porque, aparentemente, é o mercado paralelo”, disse Cheng, em referência à plataforma de pagamentos digitais amplamente usada na China. Cheng pediu para ser identificado apenas pelo sobrenome por medo de represálias.
Propinas
“Existem oportunidades significativas para a vacina ser desviada para os que possuem conexões”, disseRachel Cooper, diretora da iniciativa de saúde da Transparência Internacional em Londres. “Antes da pandemia, os cidadãos costumavam usar conexões pessoais ou pagar propinas para ter acesso aos serviços de saúde”, disse, citando uma pesquisa do grupo anticorrupção segundo a qualuma em cada cinco pessoasna Ásia pediu favores para conseguir tratamento.
Apesar de as vacinas não terem recebido aprovação regulatória final, centenas de milhares de pessoas na China foram vacinadas sob o programa de uso emergencial. Isso aumentou a preocupação entre cientistas sobre potenciais riscos à segurança.
A China National Biotec Group (CNBG), o braço da Sinopharm que desenvolve duas vacinas contra a Covid líderes na corrida, disse apenas que seus testes em humanos no estágio final - com mais de 50 mil pessoas em países da Argentina ao Egito - têm avançado sem problemas e que não recebeu nenhum relato de eventos adversos graves em participantes.
Na quarta-feira, a Xinhua Finance informou que a empresa pediuautorizaçãopara uso público de suas vacinas, citando o vice-gerente geral da Sinopharm, Shi Shengyi. Se aprovado, isso significaria que a CNBG será a primeira desenvolvedora fora da Rússia com acesso ao mercado geral. Farmacêuticas ocidentais como Pfizer e AstraZeneca estão apenas no estágio de pedir autorização emergencial.
A CNBG também assinou acordos de fornecimento com vários países, incluindo Malásia, Indonésia, Paquistão e Emirados Árabes Unidos, de acordo com reportagens compiladas pela Bloomberg.