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Caçadores de Sucata

Como a indústria do aço - o produto mais reciclado do mundo - cada vez mais transforma o reaproveitamento do material em parte de sua estratégia

O diretor Bergamini em usina de sucata da Gerdau: 70% do aço fabricado é de material reaproveitado (.)

O diretor Bergamini em usina de sucata da Gerdau: 70% do aço fabricado é de material reaproveitado (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Até pouco tempo atrás, boa parte da atenção dos principais executivos do grupo Gerdau, um colosso com faturamento de 34 bilhões de reais em 2007, estava concentrada em fazer novas aquisições mundo afora. Apenas em 2007, o grupo entrou em quatro países - México, Venezuela, República Dominicana e Índia - e fez a maior compra de sua história ao arrematar a americana Chaparral Steel por mais de 4 bilhões de dólares.

 

Agora, essa expansão internacional levou o grupo a encarar outra tarefa tão importante quanto fazer compras certeiras: exportar para suas novas operações o jeito Gerdau de fazer negócios. Um dos exemplos mais recentes disso aconteceu no início de outubro, quando a empresa levou para a Colômbia, país em que estreou com a compra da Diaco, em 2004, seu programa de capacitação de sucateiros. Trata-se de uma réplica de um programa que a Gerdau mantém no Brasil e em outros dois países - Chile e Uruguai. O projeto consiste em organizar cooperativas em parceria com o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), entidade mantida por 25 grandes companhias brasileiras - e que também vai ajudar a siderúrgica na Colômbia. No Brasil, pelo trabalho de coleta, os catadores recebem, em média, 500 reais por mês e fazem o trabalho em lugares como escolas, casas, condomínios e empresas. "A idéia é difundir programas como esse em todos os países nos quais atuamos", diz André Johannpeter, presidente da Gerdau.

No caso da Gerdau, a formação de redes de cooperados em diversos países não se resume a uma atitude para diminuir o impacto ambiental ou ampliar a própria atuação social - mas representa parte fundamental do negócio. Quase 70% do aço do grupo gaúcho é fabricado com sucata, o equivalente a mais de 18 milhões de toneladas de carros e eletrodomésticos velhos, resíduos de construção civil, latas e outros produtos de aço usados por ano. A Gerdau utiliza a sucata como matéria-prima em 42 de suas 45 usinas espalhadas por 14 países. Isso faz da siderúrgica a maior recicladora de sucata de ferro da América Latina e uma das maiores do mundo. O principal ganho está no consumo de energia - bem inferior ao necessário para produzir aço com minério de ferro (a Gerdau não divulga a economia). “É uma cadeia em que todos ganham”, diz Heitor Bergamini, diretor de suprimentos metálicos da Gerdau Aços Longos Brasil e responsável pelo programa de coleta de sucatas no país. Segundo o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), a produção à base de sucata exige apenas um quarto da energia necessária para fabricar o aço que utiliza o minério de ferro como matéria-prima. Por esse cálculo, o reaproveitamento de materiais resulta numa economia para todo o país de 112 000 gigawatts por ano, o equivalente ao consumo anual do estado de São Paulo.


Novos fornecedores

A Gerdau não é exatamente uma novata no aproveitamento de lixo. A empresa absorve sucata desde o início de sua entrada na siderurgia, nos anos 40, com a Siderúrgica Riograndense, localizada em Porto Alegre. Os programas de reciclagem estruturados com o apoio de cooperativas, porém, só começaram em 2006. A idéia era aumentar a oferta do material que a empresa já obtinha de ferros-velhos - que ainda representam a principal fonte de sucata para a empresa. Mas as cooperativas, formadas por uma rede de coleta e processamento como a que a Gerdau está levando para a Colômbia, têm ganhado espaço. Hoje, a rede da empresa possui 13 cooperativas, que reúnem 580 coletadores pelo país, em cidades nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Ceará, Pernambuco e São Paulo. Neste ano, oito novos cooperados juntaram-se à empresa. A Gerdau mantém cerca de dez funcionários para descobrir novas cooperativas e ajudar a equipe do Cempre a manter o relacionamento com cada uma delas. A siderúrgica já investiu 300 000 reais na compra de ferramentas, maquinário, uniformes e equipamentos de proteção para o pessoal das cooperativas. Todo o material coletado é enviado a uma das sete usinas de processamento de sucata que a empresa tem em São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina.

Nos últimos anos, o surgimento espontâneo de cooperativas organizadas ampliou esse tipo de coleta para a Gerdau. Curiosamente, uma dessas novas fontes está na concorrente CSN, do empresário Benjamin Steinbruch. Em 2001, a Metalic Nordeste, fabricante de latas de aço do grupo CSN, lançou o programa Reciclaço, que tem o objetivo de recolher embalagens vazias. Desde então, mais de 100 000 toneladas de latas foram coletadas. Como a CSN não tem usinas na região, ela revende o material para a unidade da Gerdau em Pernambuco. "O custo para transportar essa sucata do Nordeste para o Sudeste, onde temos usinas, é muito alto", diz Márcio Guimarães Lins, assessor de projetos especiais e controle de desempenho da CSN.


Para suprir a própria demanda de sucata, a CSN compra de outras empresas de reciclagem localizadas no Sudeste. A siderúrgica utiliza cerca de 180 000 toneladas anuais de sucata - o equivalente a cerca de 18% de sua produção. A partir de 2010, quando deve entrar em operação sua nova unidade de fabricação de aços longos no Rio de Janeiro, haverá um aumento bastante significativo no consumo de sucata pela empresa - que deve quintuplicar, para 600 000 toneladas anuais. "Os ganhos com energia compensam o esforço e, para isso, pensamos em ampliar o alcance do modelo de coleta do Reciclaço para outras regiões", diz Lins.

Apesar dos planos das siderúrgicas, o Brasil tem uma restrição ao aumento da reciclagem: a disponibilidade de sucata. Em países desenvolvidos, os ciclos acelerados de consumo e descarte de produtos permitem índices maiores de reciclagem. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o consumo per capita é superior a 420 quilos de aço por ano, 60% da produção é feita com sucata. No Brasil, segundo dados do IBS, o consumo está em torno de 130 quilos por habitante por ano. Por isso, apenas 24% dos 33,7 milhões de toneladas de aço produzidos no país no ano passado foram fabricados à base de sucata. “Exportamos quase metade do aço que produzimos e ele vira sucata em outro lugar”, diz Maria Cristina Yuan, superintendente do IBS.

Na busca por uma produção mais eficiente, alguns fabricantes encontraram uma maneira de aproveitar os resíduos gerados pelo próprio processo produtivo. A operação brasileira da ArcelorMittal, maior grupo siderúrgico do mundo, montou um modelo para transformar em dinheiro 3,7 milhões de toneladas de resíduos gerados anualmente por sua produção. Só neste ano, a siderúrgica deve superar 100 milhões de dólares em receita com sua gestão de resíduos industriais, que geram mais de 30 co-produtos, como o cimento. Todos foram desenvolvidos pela unidade da empresa em Tubarão, no Espírito Santo, em parceria com mais de uma dezena de universidades de todo o país, com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o IBS e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit). Entre as criações da usina de Tubarão, destacam-se dois novos materiais: a acerita e o revisol, usados na pavimentação rodoviária em substituição à brita, com custo 15% inferior. Hoje, a usina brasileira serve de exemplo para outras da ArcelorMittal na busca por uma gestão adequada dos resíduos. “Descobrimos mais aplicações para os resíduos que qualquer outra operação do grupo no mundo”, diz Paulo Lana, gerente de vendas da ArcelorMittal Tubarão.

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