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Brics mostram preocupação com a paz mundial, mas ignoram América Latina

A Declaração de Brasília, mensagem formal negociada entre os cinco líderes do bloco, não citou a crise nos países latinos

Brics: grupo não fez referência a protestos e crises na América Latina (Alan Santos/Flickr)

Brics: grupo não fez referência a protestos e crises na América Latina (Alan Santos/Flickr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 14 de novembro de 2019 às 21h18.

Brasília — Os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não chegaram a um consenso e ignoraram o tema das agitações políticas e sociais na América Latina, após a 11ª reunião de cúpula. A Declaração de Brasília, mensagem formal negociada entre os cinco líderes do bloco e suas delegações diplomáticas, contém um capítulo de "conjunturas regionais", onde teria sido possível incluir a questão. O posicionamento comum sobre os conflitos políticos foi antecipado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Apesar de esforços do governo Jair Bolsonaro para sensibilizar Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), aproveitando a presença deles no continente, há divergência aberta entre a política externa brasileira e as demais no caso da Venezuela. Já em relação à Bolívia, Rússia e China seguem caminhos diferentes dos demais integrantes do Brics.

"Reafirmamos nosso compromisso com os esforços coletivos para a solução pacífica de controvérsias por meios políticos e diplomáticos e reconhecemos o papel do Conselho de Segurança da ONU como principal responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais", afirmaram os países na Declaração.

São dedicados parágrafos inteiros para tratar dos conflitos no Oriente Médio, Ásia e África, entre eles, no Iêmen, Golfo, Afeganistão, Península Coreana, Síria, Líbia e Sudão. Em geral, os países do Brics apoiam esforços de ajuda humanitária e rechaçam intervenções militares.

O Brics trata, como de costume, da questão entre Israel e Palestina e opina que a solução é a constituição de dois Estados. Os cinco países pedem esforços diplomáticos "novos e criativos". Com aval do Brasil, foram retirados os trechos que mencionavam, na declaração do ano passado, o apoio à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina e o que travava o status de Jerusalém - cidade disputada por israelenses e palestinos - como última das questões a ser negociada entre os dois lados. Bolsonaro chegou a prometer a transferência da embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém, num sinal de alinhamento com Israel e Estados Unidos, mas recuou em meio a receio de retaliações dos países árabes.

Assim como apareceu no discurso dos líderes, o combate ao terrorismo é um destaque da declaração, que também expressa "preocupação com o sofrimento de comunidades e minorias vulneráveis étnicas e religiosas". Por pressão de parlamentares e igrejas evangélicas, a política externa brasileira adotou como bandeira no governo Bolsonaro a defesa da liberdade religiosa e da não perseguição a cristãos em países onde são minoria.

Soberania nacional e a Amazônia

O bloco também se posicionou de forma inédita em defesa do princípio da soberania nacional. Além de uma menção conceitual ao tema, vinculada ao "respeito mútuo e igualdade", os Brics afirmaram a necessidade de os países respeitarem a soberania nos esforços internacionais para preservação ambiental, tema caro ao Brasil por causa das recentes queimadas na Amazônia.

Embora tenha sido um dos motivos para o Brics abordar o assunto, os incêndios florestais na Amazônia brasileira não foram expressamente citados no texto. As queimadas desgastaram a imagem do governo Bolsonaro e provocaram um debate, proposto pela França de Emmauel Macron, sobre definir um status internacional da Amazônia. Bolsonaro reagiu acusando o francês de ingerência externa.

País anfitrião da cúpula, o Brasil levou o assunto às rodadas finais de negociação do texto, que duraram cinco dias, e obteve aval dos demais. A China já havia defendido a posição brasileira. A Índia, do primeiro-ministro Narendra Modi, havia proposto o debate sobre "desafios e oportunidades" para o exercício da soberania nacional atualmente. A Rússia enfrenta incêndios ambientais semelhantes na Sibéria. E a África do Sul, problemas para proteger seus parques nacionais de savana.

"Expressamos nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável em suas três dimensões - econômica, social e ambiental - de maneira equilibrada e integrada. Todos os nossos cidadãos, em todas as partes de nossos respectivos territórios, incluindo áreas remotas, merecem desfrutar plenamente dos benefícios do desenvolvimento sustentável. A cooperação internacional neste campo, como em todos os outros, deve respeitar a soberania nacional e os regulamentos e disposições legais e institucionais nacionais, bem como práticas e procedimentos", diz trecho da declaração comum.

No documento de Brasília, o princípio da soberania é associado à construção de um mundo "pacífico, estável e próspero". Nas últimas duas declarações conjuntas, em Joanesburgo-2018 e em Xiamen-2017, a palavra soberania aparecia apenas quando os líderes tratavam de conflitos armados no Oriente Médio.

Ainda no tópico ambiental, os líderes reafirmaram compromisso com a implementação do Acordo de Paris, do qual os Estados Unidos saíram. Bolsonaro já fez ressalvas ao esforço comum sobre mudanças climáticas e havia ameaçado abandonar o acordo antes de tomar posse como presidente da República.

O Brics ressaltou que as responsabilidades no acordo de Paris devem ser adequadas às respectivas capacidades dos países e cobrou uma ampliação no financiamento e ajuda tecnológica por parte de nações desenvolvidas. Pediu ainda mais doações ao Fundo Verde para o Clima, que banca ações de mitigação de impactos ambientais.

O bloco também disse apoiar a realização e trabalhar por resultados equilibrados na Conferência Mundial do Clima, a COP-25, transferida do Chile para a Espanha por causa de protestos de rua que tomaram o país sul-americano, emparedaram o governo Sebastián Piñera nos últimos meses e ameaçaram o encontro. Em esforços de cooperação, os países focam agora em melhorar a qualidade de vida nas cidades e na limpeza de rios e mares.

Economia

O documento reproduziu o "comprometimento" das cinco economias emergentes com o sistema multilateral para resolução de conflitos internacionais e destacou o papel central da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) diante de uma denúncia que os líderes fizeram, em discursos, de aumento do protecionismo.

"É essencial que todos os membros da OMC evitem medidas unilaterais e protecionistas, que são contrárias ao espírito e às regras da OMC", anotaram.

Os países do Brics reforçaram, por exemplo, a importância da "base científica" nas negociações, uma resposta ao descontentamento com barreiras sanitárias impostas sem comprovação técnica contra produtos agrícolas.

Os países do bloco falaram na necessidade de reformar urgentemente e de forma "equilibrada" o sistema multilateral - incluídos a ONU e seu Conselho de Segurança, a OMC e o Fundo Monetário Internacional (FMI), onde dizem estar sub-representados. O Brics pressiona mais uma vez para que o órgão de apelação seja recomposto, com nomeação dos membros com urgência, para evitar uma paralisia em dezembro. Eles pedem uma revisão das cotas do FMI "com seriedade e em um curto espaço de tempo".

"Desde nossa última reunião, o crescimento econômico global enfraqueceu e os riscos negativos aumentaram. As tensões comerciais e a incerteza política afetaram a confiança, o comércio, os investimentos e o crescimento. Nesse contexto, lembramos a importância de mercados abertos, de um ambiente de negócios e comércio justo, imparcial e não-discriminatório, de reformas estruturais, de concorrência efetiva e justa, promovendo o investimento e a inovação, além de financiamento para infraestrutura e desenvolvimento. Ressaltamos a necessidade de maior participação dos países em desenvolvimento nas cadeias globais de valor. Continuaremos a cooperar no G20 e a promover os interesses dos mercados emergentes (EMEs) e dos países em desenvolvimento", justificaram.

Terrorismo

Em matéria de segurança, a principal preocupação da cúpula foi o avanço do terrorismo e do uso associado de tecnologias de informação e comunicação para cometer crimes. Os países querem trocar experiências no combate a crimes transnacionais, corrupção e meios de recuperação de ativos.

"Condenamos o terrorismo em todas as suas formas e manifestações, que não devem ser associadas a qualquer religião, nacionalidade ou civilização, e reconhecemos os atos terroristas como criminosos e injustificáveis, independentemente de suas motivações, em qualquer momento, em qualquer lugar e por quem quer que os tenha cometido", disseram.

Eles ressaltaram a importância da proibição de armas biológicas e químicas e manifestaram "séria preocupação com a possibilidade de uma corrida armamentista no espaço exterior".

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