Cartografia: um misto de ciência, ofício e arte que gira em torno de um problema geométrico (Stocktreck Images/Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 27 de agosto de 2017 às 06h00.
Última atualização em 27 de agosto de 2017 às 06h00.
Astrônomo, poeta, matemático e teórico da música. Eratóstenes de Cirene, nascido em 276 a.C., era bom em muitas coisas, mas não foi um gênio em nenhuma.
Seu eterno segundo lugar acadêmico lhe rendeu o apelido de “Beta”, a segunda letra do alfabeto grego.
Na Antiguidade, porém, isso não era um problema. Se você não era o melhor em uma área de estudo, bastava inventar a sua – no caso de Eratóstenes, ele criou a geografia.
O helênico foi o primeiro a calcular o raio e a circunferência da Terra, comparando o ângulo em que a luz do Sol incidia em poços de duas cidades distantes alguns quilômetros entre si (Alexandria e Aswan, ambas no atual Egito). Ele errou, mas passou perto: 46,1 mil km, contra os 40 mil km da circunferência real.
O primeiro geógrafo não parou por aí. Depois, criou um sistema de paralelos e meridianos e desenhou um dos primeiros mapas-múndi, que continha apenas Europa, o norte da África, o Oriente Médio e a Índia.
Sobre as massas de terra, traçou as fronteiras de impérios e pontuou 400 marcos geográficos, da Islândia ao Sri Lanka.
Era o início da cartografia, um misto de ciência, ofício e arte que gira em torno de um problema geométrico apontado pelo matemático alemão Carl Friedrich Gauss no século 19: é impossível representar uma bola em uma folha de papel sem distorções – o melhor que um cartógrafo pode fazer é escolher que aspecto dos continentes seu mapa irá preservar: área, ângulos ou distâncias, um sempre em detrimento do outro.
Entenda abaixo como cada tipo de mapa lida com esse problema. E por que a Groenlândia sempre parece muito maior do que realmente é.
1. Cilíndrica
O globo é “enrolado” em um cilindro imaginário e gera um mapa retangular. Se as linhas forem divergentes, como raios de Sol, basta fazer ajustes e você chegará à projeção de Mercator (abaixo).
Se elas forem paralelas, você chegará mais perto de uma projeção de Gall-Peters (a segunda).
Por ser feita com um cone imaginário, a superfície do mapa toca o planeta entre alguns paralelos de referência. Já foi muito popular para a aviação, e é a melhor projeção para zonas temperadas, como EUA ou Europa.
Projeções planas, em que a superfície do mapa encosta em um só ponto do globo, são as mais antigas. Traçar uma linha reta a partir do centro do mapa leva você sem erros ao destino.
Para mostrar como cada projeção deforma os continentes, o cartógrafo francês Nicolas Tissot propôs, em 1859, desenhar círculos que se distorcem no mesmo grau que as massas de terra
Autor: Gerardus Mercator, 1569
Marco inicial: Publicada para ser usada por navegantes. A versão original tinha 5 mil palavras para explicar como usar o mapa.
Tipo: Cilíndrica
Aplicações: Orientação por bússola, cartas náuticas
Preserva: Ângulos (Uma linha que, no globo, cruza todos os meridianos no mesmo ângulo, no mapa, aparece como uma linha reta.)
Positivo: A projeção do belga Mercator foi essencial para as Grandes Navegações: nela, se você traçar uma linha reta no mapa em um determinado ângulo, você pode seguir exatamente o mesmo ângulo na bússola quando estiver em alto-mar — um truque útil quando não havia GPS.
Negativo: Preservar os ângulos gera um problema: conforme o mapa se aproxima dos polos, você precisa inflar o tamanho dos continentes para compensar a curvatura da Terra. Isso deixa a Groenlândia 14 vezes maior do que é, quase do tamanho da África — o que não afeta a vida de um capitão de navio, mas tem consequências bizarras na maneira como um estudante de 10 anos vê o mundo.
Autor: Rev. James Gall, 1885
Marco inicial: Criada por Gall em 1885, e popularizada por Arno Peters nos anos 1970.
Tipo: Cilíndrica
Preserva: Área
Aplicações: Educação, ativismo e estatística
Positivo: Nos anos 1970, o geógrafo Arno Peters argumentou que a projeção de Mercator era eurocêntrica: aumentava a Europa em relação à América do Sul e África, confirmando a desigualdade histórica. Para resolver, recorreu a uma projeção de quase um século antes, que mantém a área da Europa tão pequena quanto é.
Negativo: Para manter a área dos continentes correta em regiões próximas aos polos, é preciso sacrificar ângulos, contornos e distâncias. O resultado é a aparência “espremida” — que passa tão longe da realidade quanto a de Mercator, só que sem a vantagem de ajudar com cartas náuticas.
Idealizadores: Gregos e egípcios, Antiguidade
Marco inicial: Usada por astrônomos desde a Grécia Antiga, era conhecida por Ptolomeu e Hiparco.
Tipo: Plana
Preserva: Ângulos
Aplicações: Órgãos públicos, Forças Armadas
Positivo: A estereográfica é ideal para representar os polos – em que todos os meridianos convergem no centro do mapa. As distâncias entre o centro e qualquer ponto da projeção correspondem à realidade.
Negativo: Países distantes do centro se tornam progressivamente maiores e mais distorcidos – por isso, essa projeção raramente é usada para mostrar o hemisfério oposto ao polo que está no centro (no caso, o Polo Norte).
Autor: Johann Heinrich Lambert, 1772
Marco inicial: Uma das sete projeções do alemão em Notas e Observações sobre a Disposição da Terra e do Céu.
Tipo: Cônica
Preserva: Ângulos
Aplicações: Cartas aeronáuticas
Positivo: Uma linha reta desenhada na superfície do mapa corresponde ao caminho mais curto entre os dois pontos de uma esfera – no caso, nosso planeta. Isso a torna ideal para calcular a trajetória de um avião.
Negativo: Como na estereográfica, áreas muito distantes do centro da projeção sofrem distorções que inutilizam o mapa. Do ponto de vista matemático, a Antártida é projetada no infinito.
Autor: Buckminster Fuller, 1943
Marco inicial: Apresentou sua projeção na revista Life
Tipo: Icosaedro
Preserva: Nada
Aplicações: Visualização de dados
Positivo: Mostra os pontos de conexão entre os continentes, não define Norte e Sul e não aumenta ou diminui nenhuma massa da Terra – é um dos mapas mais democráticos. Além disso, pode ser dobrado em três dimensões, na forma de um icosaedro (polígono de 20 lados).
Negativo: Cada um dos 20 triângulos segue um padrão levemente diferente de paralelos e meridianos, o que impossibilita seu uso em situações técnicas, que exigem números precisos. Na cartografia, não existe almoço grátis.
Autor: Arthur Robinson, 1963
Marco inicial: Encomendada pela editora Rand McNally e adotada como padrão pela National Geographic Society em 1988.
Tipo: Pseudocilíndrica
Preserva: Nada
Aplicações: Educação, atlas e mapas de uso geral
Positivo: Uma projeção de laterais arredondadas, que lembra mais a Terra em si e mantém as distorções dentro de limites razoáveis. Apaziguou a “briga” entre Mercator e Gall-Peters e acabou virando uma espécie de padrão em livros didáticos e artigos científicos.
Negativo: Do ponto de vista matemático, por causa de sua boa aparência, ela não preserva nenhum aspecto do globo terrestre – o que impede tanto a navegação como comparações de área. Mesmo assim, é melhor que a Mercator para áreas e que a Gall-Peters para formas.
I. Van der Grinten Antes da adoção da Robinson, essa era a projeção padrão da NGS. Mantém muitas das distorções da Mercator.
II. Winkel Tripel Virou o padrão da NGS em 1998. É mais fiel às áreas dos continentes que a Robinson, sua antecessora, mas não ficou tão popular.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Superinteressante.