Shiraike Jigoku , ou "lagoa fervente": o termo “evaporados” está ligado a uma ideia de que os vapores dos banhos públicos, os onsen, são propícios ao desaparecimento (ohn S Lander/LightRocket/Getty Images)
Janaína Ribeiro
Publicado em 24 de setembro de 2020 às 15h08.
Última atualização em 24 de setembro de 2020 às 19h29.
A cultura no Japão é repleta de rituais. Não é novidade que a sociedade japonesa preza pela honra e que o fracasso mata de "vergonha". Em um país tão desenvolvido econômica e tecnologicamente, dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) emitem um sinal de alerta: é o quinto lugar no mundo com a maior taxa de suicídio ao ano, segundo levantamento. Pelo menos 800.000 pessoas tiram a própria vida no mundo — uma pessoa a cada 4 segundos —; um número superior a óbitos por câncer de mama, malária, homicídio e até guerra. Segundo a OMS, "um grave problema de saúde pública".
O fato de a sociedade japonesa achar mais honrado se suicidar a ter de conviver com algum tipo de vergonha ou embaraço considerado "fracasso", seja por um casamento ou sociedade desfeita, pela falência, dívidas, uma promessa não cumprida, o desemprego, e até por não ter entrado em uma universidade, reforçam o ranking em comparação a outros países.
Porém, existe uma categoria entre o vivo e o suicida. Denominada johatsu, ou os "evaporados", milhares de cidadãos japoneses buscam ajuda de empresas clandestinas para desaparecer do mapa e deixar suas identidades para trás. Estes, saem de circulação para buscar refúgio no anonimato.
O governo japonês não disponibiliza números oficiais sobre os johatsu, porém, estima-se que entre 100.000 a 185.000 japoneses recorram ao método anualmente. Essa fuga é de certa forma muito fácil no país, já que as leis de privacidade japonesa dão aos cidadãos liberdade para manter seus dados em segredo. Apenas em casos onde houve crime é que a polícia do país investiga os movimentos. Pessoas desaparecidas podem sacar dinheiro em caixas eletrônicos e não serem descobertas, assim como membros da família não podem acessar vídeos de câmeras de segurança, para tentar descobrir o paradeiro ou o dia e a hora em que seu ente fugiu. Aos familiares fica a dúvida se foi um caso voluntário ou não, assim como o sentimento de abandono.
Para suprir a demanda, existem empresas semiclandestinas para facilitar a evaporação para locais que concentram especificamente os evaporados. Para sinalizar a natureza secreta para quem decide se tornar um johatsu, a operação é chamada de "mudança noturna". Essas empresas retiram a pessoa de sua vida de forma discreta sem deixar rastros e ainda oferecem hospedagem em locais remotos e distantes.
Segundo matéria da BBC, Sho Hatori é um dos empresários no ramo. Com uma empresa fundada na década de 1990, o motivo de se dedicar ao negócio é ajudar pessoas a ter uma segunda chance e começar uma segunda vida. Segundo o sociólogo Hiroki Nakamori, um estudioso do fenômeno, o termo começou a ser usado na década de 1960 para descrever pessoas que decidiram desaparecer. Com taxas baixas de divórcio no país na época e até os dias de hoje, ainda sim o tema é um tabu. Algumas pessoas preferem abandonar seus companheiros do que passar pelo processo de separação formal. Outras, fogem de relacionamentos abusivos, e enxergam no sumiço a única porta de saída.
Muitas das empresas que cuidam da evaporação sem deixar rastros são formadas pelos próprios johatsus, que estão sumidos há décadas.
O termo “evaporados” está ligado a uma ideia de que os vapores dos banhos públicos, os onsen, são propícios ao desaparecimento. Neles, a pessoa se banha antes da submersão nas piscinas fumegantes. Segundo a literatura japonesa do século 17, são locais para purificação física e filosófica.