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Após a vitória de Milei, Argentina acompanha ansiosamente a taxa de câmbio

Moeda americana passa pos instabilidade pós-eleições, diante de promessas radicais do ultraliberal

Javier Milei: presidente eleito da Argentina (JUAN MABROMATA/AFP/Getty Images)

Javier Milei: presidente eleito da Argentina (JUAN MABROMATA/AFP/Getty Images)

Estadão Conteúdo
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Agência de notícias

Publicado em 25 de novembro de 2023 às 08h50.

Última atualização em 25 de novembro de 2023 às 08h51.

Assim que Leandro Francisco Diana acordou na terça-feira, 21, ele pegou seu celular, como muitos argentinos no primeiro dia útil após a vitória eleitoral do presidente eleito, Javier Milei.

"Abri os olhos, peguei meu celular e olhei a cotação do dólar para ver como o país tinha acordado", diz Diana, de 26 anos, que tem uma loja de ferramentas com seu pai em Villa Crespo, um bairro de classe média em Buenos Aires.

A taxa de câmbio do peso em relação ao dólar americano se tornou um barômetro muito observado da saúde econômica do país, e é prioridade para milhões de argentinos que lidam com uma inflação de três dígitos. Sabendo que uma nova desvalorização do peso irá aumentar o preço dos bens de consumo, eles observam ansiosamente os sinais do que a vitória de Milei no domingo, 19, significa para o valor da moeda, que despencou em relação ao dólar no último ano.

Diana, que adora viajar e visitou Miami no mês passado, conta que temia encontrar em seu celular notícias de uma grande corrida à moeda no momento em que a Argentina sai de um fim de semana prolongado. A grande desvalorização não aconteceu; o valor do dólar no mercado paralelo, conhecido popularmente no país como "dólar azul", aumentou cerca de 13%. Ele ficou aliviado.

A inflação está atingindo uma taxa anual de mais de 140%. A incerteza em relação aos preços disparou no período da campanha eleitoral, e muitos argentinos estocaram mercadorias e fizeram fila nos postos de gasolina para tentar evitar os aumentos de preços após as eleições. Na manhã de terça-feira, a imprensa local noticiou que os atacadistas estavam aumentando drasticamente os preços.

Os preços também sofrem pressão de uma moeda mais fraca, que encarece as importações. Milei, um ‘outsider’ e populista de direita, também acusou o Banco Central de imprimir dinheiro de forma imprudente para financiar os gastos públicos. A inflação é uma das principais razões para os eleitores terem votado em Milei, que prometeu medidas drásticas para conter os aumentos de preços, incluindo cortes profundos nos gastos públicos e dolarização da economia.

Inflação entranhada

Na manhã seguinte à sua vitória, Milei disse à Rádio Mitre que a inflação está tão entranhada que ele poderia levar até metade do mandato de quatro anos para resolver o problema.

Um programa já existente do governo obriga as grandes redes de supermercados a manterem os preços de certos produtos básicos cerca de um terço abaixo de seu valor de mercado, para minimizar o impacto da inflação sobre os consumidores. Ainda assim, os aumentos de preços são comuns.

Na segunda-feira, 20, que foi feriado nacional, muitos clientes de um desses mercados estocaram alimentos não perecíveis - atum, água, macarrão - temendo um aumento pós-eleitoral, segundo o gerente da loja, Javier, que se recusou a informar seu sobrenome por não ter autorização para falar ao público. Na manhã seguinte o supermercado aumentou um pouco os preços de produtos básicos, incluindo leite, queijo e macarrão.

Milei, que se autodenomina anarcocapitalista, diz que pretende eliminar o Banco Central, e defende a substituição da moeda local pelo dólar para controlar a inflação. Ele associou sua campanha a essa ideia tão intimamente, que seus apoiadores nos comícios carregavam notas gigantes de 100 dólares com seu rosto estampado.

O governo dificultou cada vez mais o acesso à moeda estrangeira, e com isso o mercado paralelo deslanchou. Embora o preço definido pelo Banco Central para o dólar seja de 356 pesos, o valor no principal mercado de câmbio, o "dólar azul", já é quase o triplo.

Para obter essa cotação, os turistas, em especial, se dirigem ao calçadão da rua Florida, em Buenos Aires, onde cambistas clandestinos murmurando "Câmbio" podem ser ouvidos a cada poucos passos. Funcionários da fiscalização da receita também estão espalhados pela rua, mas sua presença não serve de muito impedimento.

Giselle, uma doleira ilegal, diz "Câmbio" em vários idiomas para atrair os potenciais clientes. Ela votou em Milei e diz ter esperança de que seu plano de dolarização funcione, mesmo que isso a deixe sem emprego. Ela se vê trabalhando na área de saúde talvez administrando pacientes em um hospital.

Ela encheu seu freezer de carne antes dos recentes aumentos de preço, planejando que dure pelo menos até as festas de fim de ano.

"Não está exatamente cheio, mas tem bastante coisa lá", conta. Ela se recusou a informar seu sobrenome porque negociar moeda estrangeira clandestinamente é ilegal. Ela conta que ganha uma comissão de 20% a cada cliente que consegue encontrar. "Atualmente, não vale a pena ter um emprego aqui na Argentina, porque pagam muito pouco."

Entre as suas primeiras declarações como presidente eleito, Milei sinalizou que se concentrará inicialmente em corrigir as inúmeras distorções que assolam a economia argentina, diz Maria Castiglioni, diretora da consultoria econômica C&T Asesores Económicos.

Milei já disse que pretende implementar uma grande desregulamentação e eliminar as restrições à compra de moeda estrangeira, que dificultam o comércio exterior e levaram à proliferação das taxas de câmbio, além de extinguir os controles de preços. Ele também diz que pretende colocar em ordem o balanço do Banco Central, aumentar as reservas de dólares, que estão praticamente esgotadas, e então extingui-lo.

É essencial que o novo governo crie confiança para minimizar o impacto inflacionário de todas as medidas corretivas que precisarão ser abordadas e implementadas no curto prazo", diz Castiglioni.

'O aumento com certeza virá'

Mesmo sem uma forte desvalorização na terça-feira, os argentinos estão aguardando para ver o que acontecerá com o peso.

Alexi Hoyos, gerente de um açougue em um bairro de classe média de Buenos Aires, diz que as pessoas já estocaram carne e agora estão se contendo em meio à incerteza.

Ele compartilha sua própria previsão: "O aumento com certeza virá".

Diana, o proprietário da loja de ferramentas, também espera um aumento -pelo menos até que a Argentina consiga acabar com as taxas de câmbio paralelas e o Banco Central acumule reservas. Mas ele tem esperança de que as coisas vão melhorar.

"Ouvindo o rádio e entrando na internet, não está aquela loucura de dólar, dólar, dólar", diz. "Se você não vê isso, é um indicador de tranquilidade."

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