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Acordo de Paris completa 2 anos em cenário político desafiador

Questões climáticas emperram em mudanças no jogo político internacional. O Brasil é um dos países criticados pela falta de ação

MACRON: presidente francês durante evento paralelo ao "One Planet Summit&", na segunda-feira (Philippe Wojazer/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 16 de dezembro de 2017 às 10h01.

Última atualização em 16 de dezembro de 2017 às 10h01.

Há dois anos, 195 países assinaram juntos o Acordo de Paris, com um único objetivo comum: impedir o superaquecimento do planeta. A responsabilidade climática que cada um assumiria, e em que prazo, virou conversa para depois, mas todos sabiam que precisariam pensar em estratégias para desenvolver suas economias de forma mais sustentável, com menos emissão de gases poluentes. Passados dois anos desde o primeiro aperto de mãos, nem todos os países continuam engajados na causa: 171 ratificaram o acordo, e um deles já desistiu. Desde junho, os Estados Unidos decidiram não cooperar mais com a agenda do clima, negando o aquecimento global e colocando uma nuvem de incerteza sobre o futuro do acordo.

O presidente francês Emmanuel Macron decidiu assumir o protagonismo da questão, para impedir que o acordo morra – com interesses políticos, é claro. Recém eleito e tentando se impor como uma importante liderança mundial, Macron percebeu nas discussões climáticas uma oportunidade. Em tom de provocação, Macron parodiou o slogan da campanha do americano Donald Trump e adotou o lema Make Our Planet Great Again, demonstrando que a America não será o umbigo do planeta inteiro.

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“Macron provoca Trump porque sabe que a decisão do presidente americano foi altamente criticada e porque ele deseja ser o novo rosto do movimento progressista no mundo, posto antes ocupado por Barack Obama”, afirma Mark Nylas, jornalista especialista em mudanças climáticas e membro visitante da Aliança para a Ciência, da Universidade de Cornell, em Nova York. Claro que a antipatia global a Trump ajuda os países a se articularem em torno de uma nova liderança, mas é inegável que a falta de empenho dos Estados Unidos na questão climática provocou uma insegurança generalizada e um medo de que o país alcance um crescimento desproporcional aos que estão trabalhando para minimizar os danos ao planeta.

Clima de desânimo

Os compromissos assumidos, que já não eram tão ambiciosos quanto deveriam, parecem mais frágeis. O objetivo do Acordo de Paris é manter o aumento da temperatura média abaixo de 2°C até o fim do século. Para isso, foi acordado que é preciso contribuir com investimentos em desenvolvimento sustentável a partir de 2020 e comunicar os resultados e contribuições do Acordo em até 2030. Os países desenvolvidos se comprometeram a investir 100 bilhões de dólares por ano em países em desenvolvimento, contribuindo para a criação de mais medidas que reduzissem as mudanças climáticas, a chamada Cooperação Sul-Sul.

Além disso, todos os países que ratificaram o acordo precisam criar suas próprias metas, conhecidas como Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC, na sigla em inglês). Até agora, 165 já apresentaram oficialmente as metas que se comprometeram a atingir. Especialistas criticam os esforços – considerados comedidos – e afirmam que seria preciso fazer muito mais para conseguir impedir que o planeta esquentasse além da conta. Por hora, o acordo tem se mostrado mais uma moeda de troca política e econômica do que um plano de ação de fato engajado com a agenda climática.

Alguns fatos já mostram como o nível de comprometimento com o Acordo de Paris anda capenga. Em novembro deste ano, a conferência do clima COP-23, realizada em Bonn, na Alemanha, após a desistência americana, foi marcada por troca de acusações, pelas potências econômicas afirmando que não conseguiriam reduzir as emissões de gás carbônico antes do tempo previsto e pelo clamor dos países em desenvolvimento por mais participação dos países desenvolvidos no financiamento de ações para a economia sustentável. Até a chanceler anfitriã, Angela Merkel, afirmou que o país, que já foi referência em energias renováveis, não conseguiria fechar o número necessário de usinas termelétricas a carvão para reduzir em 40% as emissões de gases do efeito estufa até 2020.

A dificuldade em estabelecer que países assinem acordos climáticos e já tomem medidas para reduzir a emissão de CO2 é um desafio muito grande, porque nenhuma medida é compulsória. Tanto o Acordo de Paris quanto todas as demais resoluções da ONU são voluntárias, e esperam que os países estabeleçam medida por conta própria. Segundo Mariana Cirne, professora de Direito Ambiental do UniCEUB, os acordos internacionais não possuem caráter jurídico, e portanto não podem “punir” os países que não cumprirem com as metas. “Acordos climáticos possuem um caráter mais político do que jurídico, que não ultrapassam a soberania dos países”, explica. Segundo ela, somente os acordos bilaterais podem ser enfraquecidos quando um país não cumpre metas internacionais. “O mundo caminha para a perspectiva de desenvolvimento sustentável. Então quando um país não cumpre ou não participa de um acordo, ele passa por uma ‘vergonha’ diplomática que pode ter efeitos econômicos e políticos”.

Alianças do otimismo

Mas isso não quer dizer que o desmantelo seja geral. Durante o encontro One Planet Summit, realizado noinício de dezembro na França, o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, afirmou não vai mais financiar a exploração de petróleo e gás natural, a partir de 2019. Além do Banco, o fundo soberano da Noruega, o maior fundo de investimentos do mundo, também afirmou que não irá mais investir em exploração de combustíveis fósseis, porque quer diversificar seus investimentos e depender menos de um produto com preços tão vulneráveis.

Alguns países também apresentaram metas próprias bastante ambiciosas. AIlha de Fiji, por exemplo, se comprometeu a ter uma matriz energética 100% baseada em energia renovável até 2030.Outra ilha, Vanuatu, se comprometeu a ter 65% de sua matriz energética provinda de energia renovável até 2020, e 100% até 2030.

Ao assumir o cargo de presidente, neste ano, Donald Trump afirmou que o Acordo não trazia benefícios para o país – mas boa parte dos empresários, políticos e ambientalistas do país se mantêm firmes, por acreditarem nas vantagens que uma agenda de desenvolvimento sustentável pode trazer. Durante a COP-23, foi lançada a campanha #WeAreStillIn, e 127 milhões pessoas participaram. E o caminho alternativo ao escolhido tem se mostrado bastante lucrativo. Este ano, o relatório National Solar Jobs Census, da ONG The Solar Foundation, indicou que o setor de energia solar nos Estados unidos empregou, em 2016, duas vezes mais pessoas do que a indústria do carvão. Além disso, o relatório afirmou que o setor de energia solar cresce exponencialmente desde 2010.

Porta-vozes do desenvolvimento sustentável

Trump não conseguiu entender as vantagens do desenvolvimento sustentável, mas dois países asiáticos já abraçaram esse mercado. Preocupada com os altos índices de poluição do ar nas principais cidades do país – em que quase 2,3 milhões de indianos morrem por problemas respiratórios, todos os anos, segundo estimativa do Greenpeace -, a Índia tem estabelecido uma política sustentável que já mostra efeitos em sua economia. O país possui 15% da sua matriz energética baseada em energia solar, e pretende aumentar em cinco vezes a capacidade gerada por energias renováveis até 2027. Assim, o país diminuiria de 66% para 43% sua dependência em carvão vegetal. Também está nos planos comercializar somente carros elétricos até 2030. Com a ajuda de subsídios do governo federal, o país já deu início ao ambicioso projeto, e empregou milhares de pessoas no setor.

A China também assumiu o discurso sustentável, e passou a realizar medidas para reduzir drasticamente a emissão de gases do efeito estufa, além de se tornar referência na produção sustentável. No ano em que foi assinado o Acordo de Paris, o governo chinês afirmou que reduziria as emissões de CO2 em até 65% e que aumentaria o uso de combustíveis não-fósseis em 20% até 2030. No mesmo ano, o país se tornou o maior investidor em fontes de energia renováveis. De acordo com o relatório Global Trends in Renewable Energy Investment 2016, a China investiu, naquele mesmo ano, 95,7 bilhões de dólares, quase três vezes mais do que o fundo europeu destinado a fonte renovável. Neste ano, o país afirmou que vai investir mais de 150 bilhões de reais em energia solar.

As rápidas e efetivas mudanças fizeram da China o país o porta-voz do desenvolvimento sustentável, posto que desagradou Trump. Segundo ele, a China só conseguiu realizar tais medidas porque ainda é tratada como um país em desenvolvimento, e não ter que cumprir com tantos compromissos como os países desenvolvidos. Para Carlos Rittl, diretor do Observatório do Clima, o argumento é incoerente e já está sendo superado pelo próprio mercado. “Os Estados Unidos não vão conseguir ressuscitar a produção do carvão no país porque as energias renováveis se tornaram mais competitivas, e não porque houve uma interferência internacional na economia americana”, explica.

Brasil na contramão

Em meio a tantas discussões e acordos, o Brasil não sabe onde se colocar. Para o Acordo de Paris, o Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, além de aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, e alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030.

O Brasil era considerado uma referência nas propostas ambientais (especialmente depois de sediar a Rio +20, em 2012, e pelo exemplo na redução do desmatamento na Amazônia), mas recentes decisões políticas acenderam um sinal de alerta. Somente neste ano, o governo federal tentou extinguir, através de um decreto, a Reserva Nacional de Cobre e Associados, a Renca, na floresta Amazônica. A região, rica em minérios, era uma reserva que não podia ser explorada por empresas privadas. Por pressão de ambientalistas e da população, o presidente Michel Temer voltou atrás e cancelou o decreto.

A comunidade internacional também presta atenção nos passos do Brasil. O governo da Noruega anunciou, no mês passado, que vai diminuir em 60% o valor do financiamento ambiental concedido ao Brasil para o Fundo Amazônia. O fundo foi criado em 2008, com o objetivo de monitorar e evitar o desmatamento na região da floresta. De acordo com o ministro do Meio Ambiente norueguês, Vidar Helgesen, o Brasil não está cumprindo o acordo de conter o desmatamento, e por isso o financiamento será reduzido drasticamente. A decisão, porém, não foi repentina. Em junho deste ano, o governo norueguês já tinha alertado o Brasil de que, se o desmatamento voltasse a crescer, os investimentos seriam cortados. Em 2016, o país pagou 42 bilhões de dólares ao Brasil, 60% menos do que no período entre 2009 e 2015.

No início de dezembro, uma Medida Provisória aprovada pelo Senado e Congresso nacional também abriu espaço para críticas de ambientalistas. A MP 795/2017 isenta as empresas estrangeiras que explorarem o pré-sal do país, pelos próximos 20 anos. A medida é uma tentativa de atrair e acelerar o processo de exploração do combustível fóssil, em uma região rica em petróleo. A exploração e o corte na taxação das empresas demonstra que o país está focado em explorar uma matriz que é considerada bastante poluente, mas as ações não estão vindo acompanhadas por políticas incisivas para desenvolver também energia limpa.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia, 69% dos investimentos, entre 2014 e 2023 serão direcionados para a exploração do petróleo e do gás natural, o que equivale a 879 bilhões de reais. No mesmo período, o governo federal investiu somente um bilhão de reais em biodiesel, o que representa somente 0,1% dos investimentos totais. Para André Nahur, coordenador do programa de Mudanças Climáticas da ONG WWF, o Brasil está dando as costas para a importância dos acordos internacionais. “Corremos o risco de, no futuro, perder mais dinheiro do que ganhamos”, diz.

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