A guerra em Israel mostra como terminou a sonhadora era das mídias sociais
As redes sociais colaboraram para a Primavera Árabe há uma década. Agora, em meio ao conflito no Oriente Médio, o impacto e a relevância delas não são mais os mesmos. O que aconteceu?
Bloomberg Businessweek
Publicado em 16 de outubro de 2023 às 17h06.
Última atualização em 16 de outubro de 2023 às 17h40.
Há pouco mais de uma década, um conflito no Oriente Médio mostrou o poder das redes sociais para manter o público global informado sobre crises em tempo real.
A forma como as pessoas utilizaram o Facebook e o Twitter durante as revoltas conhecidas como Primavera Árabe levou a uma onda de otimismo sobre o importante papel que esses serviços poderiam desempenhar no compartilhamento de informação, na organização de comunidades e até na difusão da democracia.
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Por seu lado, empresas tecnológicas apoiaram-se nesse propósito, mesmo quando se tornou óbvio que as suas plataformas poderiam ser manipuladas de formas que as minavam.
Agora, outro conflito no Oriente Médio está mostrando que a indústria das redes sociais já não tem essa visão nobre como parte de sua missão fundamental.
O que as pessoas encontraram sobre a guerra nas redes sociais
Nas horas que se seguiram ao ataque em grande escala do Hamas contra Israel no fim de semana, as pessoas que recorreram ao X, como é agora conhecido o Twitter, foram inundadas com relatórios enganosos ou irrelevantes colocando em evidência as consequências do afrouxamento das regras de moderação de conteúdo por parte de Elon Musk.
Contas com marca de checagem azul compartilhavam imagens de conflitos passados, fazendo-se passar por novas por razões comerciais ou políticas. Algumas postagens mostravam supostas imagens militares originadas de videogames.
Sob Musk, o X tornou mais difícil para os usuários avaliarem as informações que encontram em seus feeds, disponibilizando a verificação da conta apenas por meio de uma assinatura paga.
Mais recentemente, ele oculta os links do X e apenas mostra aos usuários uma imagem da página de destino, sem o cabeçalho de visualização.
Enquanto isso, a Meta tem deliberadamente limitado a proeminência de notícias e eventos atuais em serviços como Facebook, Instagram e Threads.
Ser uma importante fonte de notícias causou à Meta significativos problemas regulatórios e de reputação desde as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, e ela parece determinada a parar de desempenhar esse papel.
Chegou mesmo a remover fontes de notícias em alguns países, em resposta a regulamentos que exigiriam que compartilhasse seus lucros com os meios de comunicação social.
As mudanças são um problema real para as pessoas que passaram anos confiando nessas plataformas de mídia social até entenderem o que está acontecendo no mundo.
“É um pouco perturbador”, diz Katie Harbath, ex-executiva de política eleitoral do Facebook. “As pessoas sabiam que podiam ir ao Twitter para isso ou ao Facebook para aquilo. Agora as pessoas não sabem para onde ir.”
Como as empresas lidavam com notícias em tempo real
As plataformas nunca foram fontes ideais para o consumo de notícias em tempo real, diz Daniel Kreiss, professor de comunicação política na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill.
Executivos em tecnologia foram chamados ao Congresso várias vezes desde 2016 para explicar a propagação da desinformação durante as eleições, e as redes sociais têm desempenhado um papel na violência comunitária em vários países.
Mas durante anos as empresas pelo menos aceitaram que os usuários as procurassem em busca de atualizações em tempos de crise e trabalharam para incorporar isso em seus produtos.
A abordagem deles mudou desde que a Rússia invadiu a Ucrânia no início do ano passado, de acordo com Kreiss, e está causando grandes repercussões nos usuários. “O panorama da informação é fundamentalmente diferente”, diz ele.
Ainda em 2019, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, estava lançando uma seção de notícias no aplicativo do Facebook, completa com incentivos monetários para editores.
Em 2021, tanto o Twitter como o Facebook perceberam que as pessoas eram tão dependentes das plataformas que o conteúdo relacionado às eleições presidenciais dos EUA precisava de rótulos com links para informações contextuais.
Geralmente, as empresas agiam como se seus aplicativos fossem úteis durante eventos públicos importantes. No Facebook, por exemplo, você pode marcar a si mesmo como “seguro” durante uma tragédia.
A Meta passou por “um período de vários anos em que se tratava muito mais da praça global da cidade e do aspecto local e comunitário das mídias sociais”, diz Matt Navarra, consultor de mídias sociais. “Acho que não estamos mais nesse período.”
Qual é a estratégia atual das plataformas
Em um esforço para competir com o TikTok, os mecanismos de recomendação do Facebook e do Instagram estão agora priorizando vídeos divertidos e mostrando às pessoas mais conteúdo de contas que elas talvez não sigam.
Um dos benefícios de pagar pelo serviço premium do X é que os algoritmos da empresa darão um impulso às suas postagens em relação ao conteúdo postado por usuários que não estão pagando.
As empresas de redes sociais estão ansiosas por reduzir os caros investimentos que fizeram na tentativa de lidar com as complicações da gestão de redes globais de informação em tempo real.
Depois de criar grandes divisões de moderação de conteúdo, onde humanos revisariam muitas postagens, elas estão confiando mais em sistemas que empregam inteligência artificial.
A Meta começou a automatizar mais a moderação de conteúdo e a aplicação dos padrões da comunidade durante a pandemia e eliminou alguns trabalhos focados em questões de política e segurança.
Musk dispensou a maior parte dos funcionários de confiança e segurança da X, mas desde o início da guerra em Israel, a empresa tem tentado sinalizar que ainda leva o assunto a sério.
Em 9 de outubro, a CEO, Linda Yaccarino, desistiu de aparecer na conferência WSJ Tech Live. “Com o desenrolar da crise global, Linda e sua equipe precisam permanecer totalmente focados na segurança da plataforma X”, afirmou a empresa em comunicado.
No mesmo dia, também publicou que, embora tenha tomado medidas em “milhares” dos 50 milhões de posts relacionados a Israel e o Hamas desde os ataques, sugeriu que as pessoas que não querem ver “meios de comunicação sensíveis” deveriam mudar suas configurações de conteúdo.
A X não respondeu a um pedido de comentário. A Meta não fez nenhuma declaração, mas observou que pessoas que falam hebraico e árabe moderam a plataforma em caso de conteúdo violador.
“Passamos das mídias sociais para as mídias algorítmicas”, explica Kreiss. “Não se trata tanto do que as pessoas estão dizendo, mas sim de entretenimento, totalmente divorciado do que está acontecendo agora.”
Ele apontou para uma ilustração em primeira mão da ineficácia das mídias sociais em uma crise recente, quando a universidade onde ele leciona ficou fechada por horas porque um homem armado estava à solta.
No passado, muitas pessoas nessa situação teriam recebido atualizações navegando pelas redes sociais. Agora, Kreiss diz que os alunos dependiam de textos em grupo e da comunicação individual. “Se você não sabe quem seguir para receber as últimas notícias, não saberá como encontrá-las”, diz ele.
O momento expõe a tensão entre a forma como as redes sociais desejam que as pessoas utilizem seus serviços e a realidade, segundo Harbath, antigo executivo do Facebook.
Pedir aos usuários que desaprendam o hábito de confiar nas redes sociais levará tempo e pode nem funcionar.
“Por mais que as plataformas tentem fugir da política e das notícias, elas não conseguem se esconder”, diz ela. “Quando momentos como esse acontecem, as pessoas ainda vão querer notícias e informações e vão postar sobre isso.” — Com Davey Alba e Daniel Zuidijk
Tradução de Anna Maria Dalle Luche.