A China quer dominar um novo mercado: o do ski
A China arquiteta crescimento exponencial do mercado de esportes de frio até as 2022, quando Pequim sediará as Olimpíadas de inverno
Da Redação
Publicado em 10 de março de 2018 às 10h13.
Última atualização em 12 de março de 2018 às 09h55.
Hong Kong – O inverno de 2017 foi intenso para o snowboardista chinês Wang Lei, de 40 anos, que é o astro do show de televisão “50 Peaks,” um dos mais promissores programas de aventura e viagem da CCTV, televisão estatal chinesa .
Por trás das manobras radicais enfeitadas pela fotografia cinematográfica das montanhas da China ocidental, há um plano maior: promover os suntuosos resorts de ski construídos nos últimos anos com total apoio do governo. Desde 2015, quando Beijing ganhou o direito de sediar os jogos Olímpicos de inverno 2022, o presidente Xi Jinping estabeleceu uma nova meta nacional: se tornar uma nação de esportes de frio, e formar 300 milhões de novos praticantes de ski.
Com esse plano, espera-se subir a posição chinesa no ranking de medalhas olímpicas para 2022, já que nos jogos de Pyeongchang, na Coreia do Sul, há poucas semanas, o país se classificou na décima-sexta posição, com apenas uma medalha de ouro.
O ambicioso objetivo tem amplificado o mercado de esportes de inverno no país em escala exponencial. O número de resorts de ski pulou de 568 em 2015 para 703 em 2017, de acordo com o China Ski Industry White Book 2017, estudo anual da indústria de ski chinesa. O tamanho da mudança impressiona mais quando se estende o período de análise. Por exemplo, no ano 2000 havia 50 resorts no país, e em 1996, havia apenas 11.
“Quando comecei a fazer snowboard, no final dos anos 90, não existia sequer um resort na China que oferecesse aluguel de equipamento,” diz Wang Lei, que é considerado o pai do snowboard na China e desde 2009 ocupa o cargo de embaixador do Dia Mundial do Snowboard na Ásia. “As condições para a prática de esportes de frio melhoraram absurdamente nas últimas duas décadas.”
A relação da China com os esportes de inverno é um caso raro. Os países que costumam receber as Olimpíadas de frio já de antemão contam com uma cultura nacional de ski e infraestrutura que responde à altura.
A China está implantando tanto a cultura como a infraestrutura para o ski em velocidade recorde. Embora não exista uma base de dados que revele ao público o volume total de investimentos nessa indústria no gigante asiático, é fácil concluir que o dinheiro que circula também tem dimensões robustas.
O maior resort de ski indoor do mundo, a Harbin Wanda City, que foi inaugurada no ano passado, custou ao grupo Wanda – conglomerado que atua no mercado imobiliário, cultural e financeiro – cerca de 6 bilhões de dólares. Até 2025, o país planeja recuperar a receita 1 trilhão de iuanes em relação ao que terá sido investido em infraestrutura, produção de equipamento e treinamento.
Uma nação de iniciantes
Dado os esforços financeiros e logísticos para viabilizar uma infraestrutura estratosférica para esportes de inverno, existe uma grande preocupação com a rentabilidade dos novos resorts. Principalmente porque a temporada de neve é restrita a quatro meses por ano. O maior desafio para os investidores nessa indústria é garantir que os complexos de lazer recebam visitantes ao longo do ano inteiro. A solução encontrada é recorrer ao aconselhamento de países com mais experiência no ramo.
Consultorias e fornecedores de tecnologia para o ski em países como Suíça, França e Áustria têm recebido forte procura dos chineses por serviços. “Contratamos especialistas europeus para ter certeza de que nossos resorts estarão cheios também no inverno,” diz Mark Meng, organizador da International Mountain Sports and Technology Expo, feira que traz provedores de tecnologia e expertise de fora para fechar negócios com donos de resorts chineses. “Estamos transformando nossas montanhas de ski em grandes complexos de entretenimento que atraem pessoas de todos os gostos.”
A diversificação de opções de lazer nos complexos de ski não excluem o fato de que o sucesso desses empreendimentos depende primariamente do interesse dos consumidores no esporte. Para criar a necessária legião de fãs que sustentará a atividade no país depois de 2022, o país está importando não só milhares de treinadores, mas também centros de treinamento ocidentais. A estratégia de Xi Jinping para transformar a China em uma nação de ski inclui um programa de inclusão de cursos de esportes frio no currículo de mais de 2 000 escolas até 2022, anunciou a Comissão Municipal de Educação de Beijing.
“Algumas das principais universidades do país também têm sido pressionadas a incluir esportes de frio no currículo acadêmico, e instituições suíças têm sido contratadas com frequência para oferecer suporte,” afirma Sonja Astfalck, conselheira sênior de economia na embaixada da Suíça em Beijing.
Por se tratar de uma indústria jovem na China, cerca de 80% dos praticantes de ski no país é iniciante. Um aspecto interessante desse público é que existe uma disposição para aprender o esporte na idade adulta, o que é raro em países de forte tradição de ski, onde a atividade é ensinada na primeira infância.
“O ski é um esporte caro e, na medida em que a classe média chinesa enriquece, as pessoas querem se exercitar e consumir esportes mais sofisticados,” diz Olivier Glauser, fundador da Shankai Sports, empresa chinesa com escritório em Genebra, que atua como plataforma para desenvolvimento de negócios e patrocínios em grandes eventos esportivos. O número de praticantes de ski na China tem crescido progressivamente. Em 2000, 30 pessoas esquiaram pelo menos uma vez, enquanto em 2015 o número ficou em 1250 e em 2017 chegou a 1730, segundo o China Ski Industry White Book 2017.
Contra a corrente
Menos de 1% da população chinesa pratica ski – 12 milhões de pessoas já o fizeram pelo menos uma vez na vida, segundo o 2017 International Report on Snow & Mountain Tourism, relatório que avalia o mercado global de esportes de inverno. No Japão, país de forte tradição no ski, há 11 milhões de praticantes.
“Isso significa que as Olimpíadas chinesas terão um impacto no mercado de ski jamais visto anteriormente,” afirma Laurent Vanat, autor do 2017 International Report on Snow & Mountain Tourism.
“Se apenas atingirmos 2% de praticantes na China, vamos dobrar o tamanho dessa população – mas o potencial é muito maior e os investidores internacionais estão voltando os olhos para a China,” disse Laurent Vanat, autor do International Report on Snow & Mountain Tourism.
No mundo todo, a indústria do ski enfrenta o desafio de gerar crescimento de longo prazo. Em geral, quem sustenta o mercado é a geração dos baby-boomers, que tem o maior número de praticantes. Esse dado preocupa. Ao passo que os baby-boomers deixam o esporte aos poucos, não há uma reposição justa por parte das novas gerações.
Enquanto estima-se que o mercado global tenha perdido cerca de 400 milhões de visitantes de áreas de ski, a China apresenta um mercado em franco crescimento. “A China é um lugar brilhante, enquanto o resto mundo está em declínio. Finalmente agora as pessoas levam o mercado chinês de ski mais a sério,” diz Olivier.
Se é inegável o potencial de crescimento dos esportes de frio na China, também não se pode discordar de que se não fosse o empurrão das Olimpíadas de inverno, essa indústria ainda não existiria no país. Se os investimentos serão resilientes ou não, só saberemos depois dos jogos.