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8 pontos sobre o acordo de paz entre as Farc e a Colômbia

A América Latina vive um momento histórico nesta semana com a assinatura do pacto que coloca fim ao conflito mais antigo da região

Soldado da Colômbia: guerra contra as Farc deixou mais de 220 mil mortos e 5 milhões de deslocados em 50 anos (Getty Images)

Soldado da Colômbia: guerra contra as Farc deixou mais de 220 mil mortos e 5 milhões de deslocados em 50 anos (Getty Images)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 28 de setembro de 2016 às 06h00.

Última atualização em 14 de novembro de 2016 às 11h09.

São Paulo – A América Latina viveu um momento histórico nesta segunda-feira, quando foi assinado em Cartagena (Colômbia) o acordo de paz entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Esse acordo coloca fim a 52 anos de conflito que é considerado o mais antigo em toda a região.

Durante o evento, o líder máximo da guerrilha, Rodrigo Londoño (cujo nome de guerra é Timoshenko), pediu perdão às famílias das vítimas dessa longa guerra ao lado do presidente Juan Manuel Santos. Estima-se que mais de 220 mil pessoas tenham morrido nas últimas cinco décadas em decorrência da guerra e que ele tenha gerado 5 milhões de deslocados.

O documento é resultado de quatro anos de intensas negociações em Havana (Cuba) e a legitimidade desse processo, no entanto, ainda depende da sua aprovação do povo da Colômbia, que se manifestará sua concordância ou não quanto ao teor das negociações em um plebiscito no próximo dia 2 de outubro.

O pacto entre governo e guerrilheiros tem como base o cessar-fogo imediato, além de um cronograma para o desarmamento dos guerrilheiros e sua reinserção na vida civil. Veja abaixo alguns pontos essenciais sobre esse histórico acordo de paz.

Reforma Agrária

As Farc surgiram como um movimento de orientação comunista nos idos de 1964 e tinha como uma das premissas de sua luta a questão agrária. Evidentemente, durante as negociações, as reformas no campo tiveram um papel fundamental para sedimentar o acordo de paz. E em 2013, surgia o primeiro comprometimento por parte do governo.

A reforma agrária proposta pelo acordo de paz prevê a criação de um fundo para que abrangerá terras do Estado e também aquelas que foram compradas ilegalmente ou que sediaram atividades criminosas. Trabalhadores rurais que donos de terras não regularizadas terão suas propriedades formalizadas.

O governo se comprometeu com a criação de programas de desenvolvimento, que incluem melhorar o acesso à saúde e à educação nas zonas rurais, além de ações de fomento econômico. Um dos pontos mais interessantes é que as famílias deslocadas de suas terras em razão dos conflitos poderão voltar a trabalhar em suas propriedades.

Cessar-fogo e desarmamento

Outro ponto fundamental do acordo de paz foi o cessar-fogo imediato entre os guerrilheiros e a Força Nacional. Essa etapa se iniciou em 29 de agosto e, até o momento, não há notícias de violações de nenhuma das partes. O desarmamento dos militantes também é uma exigência.

Os guerrilheiros permanecerão por seis meses em 22 zonas específicas e, durante esse período, entregarão à uma missão especial da ONU todas as suas armas. Essa fase deve durar 180 dias e foi dividida em três fases.

As armas recolhidas serão armazenadas pela entidade, que é a responsável por retirá-las dessas zonas. A expectativa é que elas virem monumentos pela paz a serem instalados na Colômbia, em Cuba e também em Nova York, na sede da organização.

O processo de entrega e monitoramento do cessar-fogo serão fiscalizados por um mecanismo tripartite, composto por autoridades públicas da Colômbia, observadores internacionais e também por membros das Farc.

Reinserção dos guerrilheiros na vida civil

Assim que o desarmamento for concluído, os guerrilheiros terão o apoio do governo para se reinserir na vida civil do país.
O grupo pode ainda virar um partido ou movimento político apto a participar das eleições parlamentares que acontecem em 2018 e 2020, com as mesmas condições dos outros candidatos. Terão acesso a 5 cadeiras no Senado e 5 na Câmara, caso não as conquistem por meio dos votos.

Tráfico de drogas

Uma das partes mais sensíveis desse acordo repousa sobre a ligação das Farc com narcotraficantes. O grupo se compromete a renunciar todo e qualquer vínculo com organizações criminosas envolvidas com drogas ilícitas e deixaram de financiar suas atividades por meio do tráfico.

Aqui, novamente, a reformas no campo tem um papel fundamental. Os trabalhadores rurais envolvidos no cultivo de plantas de coca, por exemplo, não serão alvo de qualquer investigação criminal e terão o apoio do governo na transformação da sua atividade de ilegal para legal.

O governo também terá que reforçar o combate ao crime organizado e implementar novas medidas anticorrupção e na justiça criminal. Consumidores de drogas ilícitas não serão criminalizados e receberão ajuda para se reabilitar.

Justiça para as vítimas

O acordo prevê ainda mecanismos de reparação das vítimas. Será estabelecida uma Comissão da Verdade que terá como objetivo trazer à tona tudo o que aconteceu durante as cinco décadas de conflitos armados. Aqui, não haverá julgamentos ou sanções.

Entre as medidas de reparação estão o reconhecimento da responsabilidade pelos atos, a restituição das terras aos trabalhadores que tiveram de abandoná-las, o retorno seguro dos deslocados às suas propriedades.

Um Tribunal da Paz irá investigar todos os crimes dos guerrilheiros. Aqueles que forem julgados culpados, terão as penas convertidas em trabalho voluntário, como na construção de obras de infraestrutura ou contribuir com a busca por desaparecidos. Agora, os acusados que se negarem a contar a verdade sobre sua participação podem passar até 20 anos na prisão.

Críticas

Embora tenha sido celebrado por líderes globais, com respaldo da ONU, o acordo de paz firmado entre as Farc e o governo também foi alvo de críticas, por parte dos ex-presidentes Alvaro Uribe e Andrés Pestana, inclusive.

Uribe é crítico especialmente da parte do acordo que dá anistia aos guerrilheiros pelos crimes cometidos, prevendo punições de caráter mais leve. “Por que se dá imunidade ao maior cartel de cocaína do mundo, as Farc, que é o grande fornecedor dos carteis mexicanos? ”, questionou o ex-presidente durante um protesto contra o pacto.

Em um editorial publicado sobre o tema no último domingo, o jornal britânico The Guardian viu com bons olhos a celebração do acordo. Lembrando se tratar de um pacto que trará mudanças estruturais e fundamentais para a Colômbia, o jornal questionou se haverá maturidade por parte do alto escalão do poder em construir essa nova ordem social. “É certo celebrar o conquistado na última semana. É errado presumir que um acordo nacional inevitável surgirá de forma duradoura, bem-sucedida e pacífica”

Como o povo da Colômbia está reagindo?

Embora o acordo seja criticado por algumas figuras políticas importantes do país e também entre familiares das vítimas que desejam ver os guerrilheiros presos, o povo da Colômbia vem dando sinais de que votará a favor da ratificação do pacto.

Em uma pesquisa realizada no início de setembro, 72% dos votantes pretendem votar pelo endossamento do acordo, enquanto 28% se manifestaram na direção da rejeição. Para ser aprovado, são necessários os votos favoráveis de no mínimo 13% do total de eleitores do país.

Paz, finalmente?

Não, não necessariamente. É importante lembrar que as Farc são um dos grupos guerrilheiros em atividade no país, não o único. É o maior, é verdade, mas o governo ainda há de resolver uma situação similar com o Exército de Libertação Nacional (ELN).

Criado em 1964, mesmo ano das Farc, o ELN já sinalizou estar disposto a negociar nos mesmos termos que a guerrilha de Timoshenko, mas ainda não há nada concreto apontando para essa direção.

Para o Instituto Igarapé, organização independente de pesquisa em segurança, justiça e desenvolvimento, o panorama da Colômbia, embora encorajador, é complexo. Em um posicionamento enviado a EXAME.com, a entidade lembrou que além do ELN, grupos paramilitares e organizações criminosas vão seguir como como ameaças à paz na Colômbia.

A expectativa, explica a entidade, é que o cenário pós-conflito no país possa ser de um aumento na violência, justamente pela ascensão de novos grupos armados ansiosos para ocupar o lugar que as Farc um dia ocuparam.

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