Ibovespa fechou em queda de 0,33%, em 108.360 pontos. (Germano Lüders/Exame)
Tais Laporta
Publicado em 6 de novembro de 2019 às 18h25.
Última atualização em 6 de novembro de 2019 às 21h01.
Era para ser mais um dia de recordes na Bolsa, mas terminou em decepção. Desprezado por estrangeiros, o megaleilão do pré-sal frustrou o investidor que esperava uma arrecadação maior, deixando a Petrobras quase sozinha na disputa. O Ibovespa foi penalizado e fechou em queda de 0,33%, em 108.360 pontos, ao passo que as ações da estatal sofreram forte oscilação. Não houve consenso entre os analistas sobre como o resultado afeta o futuro da companhia.
Após arrematar os blocos de Búzios e Itapu, a Petrobras reverteu os ganhos na Bolsa em poucos minutos. Chegou a cair mais de 4% e até teve os negócios suspensos por volta das 13h, mas em seguida ficou instável pelo resto do dia. Os papéis fecharam em direções opostas: as ordinárias (PETR3) em baixa de 0,43%, em 32,41 reais, e as preferenciais (PETR4) em alta de 0,20%, em 29,71 reais.
A companhia entrou com 90% de participação junto dos consórcios chineses Cnooc e Cnodc pela área de Búzios, onde já operava, e levou sozinha o bloco de Itapu. Os dois custaram 70 bilhões de reais valor que deve ser pago ao Tesouro até 26 de junho de 2020. Além do bônus de assinatura, a estatal vai compartilhar parte do lucro com a União.
Para o estrategista-chefe da Eleven Financial, Adeodato Netto, o mercado “reagiu com o estômago” ao ser surpreendido com a baixa competição, mas não levou em conta os aspectos positivos da aquisição para a Petrobras. “Ela tende a capturar benefícios futuros ao adquirir áreas que já estavam no ‘core’ de seus negócios”, diz.
Analistas apontaram que a Petrobras enfrentava um dilema difícil neste leilão: por um lado, se via na obrigação de demarcar território e conquistar áreas estratégicas para exploração futura. Por outro, existe a preocupação de que o tamanho de sua participação na disputa possa comprometer a trajetória de seu endividamento.
O ponto de atenção ficou no fato de que, para comprar as duas áreas, a estatal pode deixar de pagar dívidas e não conseguir atingir a meta financeira do ano que vem. Também havia expectativas de que a disputa poderia ajudar a Petrobras a pagar suas dívidas, caso houvesse outras petroleiras vencedoras. Isso porque elas teriam que indenizar a estatal pelos investimentos antecipados.
A equipe de research da XP calculou que, excluindo o reembolso de R$ 34,1 bilhões do governo como parte da revisão do contrato original da cessão onerosa, a Petrobras deve fazer um desembolso líquido de R$ 29 bilhões no leilão, implicando um aumento da alavancagem para 2,22 vezes sua dívida líquida sobre o Ebitda (lucro antes de impostos, juros, depreciação e amortização), ante o nível de 1,96 vezes no terceiro trimestre.
Com isso, a XP acredita que a Petrobras terá poucos ganhos com a compensação do atraso da produção. “Na nossa visão, isso deve levar a um desapontamento das expectativas do mercado quanto à possível redução do endividamento da companhia com a entrada de tais recursos”, escreveu a equipe em relatório.
A falta de interesse dos estrangeiros na disputa contribuiu para que o dólar fechasse em alta de 2,22% nesta sessão, a maior em sete meses, para 4,0818 reais. O economista-chefe da Necton, André Perfeito, escreveu que, sem entrar no mérito da Petrobras, o leilão deixou muito a desejar neste quesito. “O fato de áreas não terem tido nenhuma proposta deixou um gosto amargo entre os investidores isso sem contar que não houve ágio algum sobre as propostas mínimas obrigatórias”.
O sócio-fundador da Nord Research, Bruce Barbosa, avalia que o baixo interesse dos estrangeiros no leilão pode indicar que eles não estão dispostos a correr risco em mercados emergentes no momento. Para ele, seria menos pior que se o motivo fosse o preço elevado dos blocos. “O fato de não virem para a economia real é negativo porque teremos várias privatizações pela frente”, diz.
Netto, da Eleven, defende no entanto que os 70 bilhões de reais arrecadados não representam uma quantia desprezível. Já se esperava que dois campos ficariam para 2020. A surpresa mesmo foi com o menor interesse internacional, mas no geral o resultado foi positivo”, diz.
A questão surgiu em 2010, quando o governo concedeu à Petrobras o direito de produzir 5 bilhões de barris em áreas do pré-sal, uma camada rochosa localizada nas profundezas do oceano.
Contudo, novas explorações da região deram conta de que a área possuía até o triplo do volume a ser explorado, um excedente que passou a ser chamado de cessão onerosa.
Como a Petrobras só tinha acesso aos 5 bilhões iniciais, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) decidiu realizar um leilão para que mais empresas pudessem ter direito a explorar o pré-sal – incluindo a própria estatal, que até o momento está quase sozinha na missão.