Exame Logo

O lado imobiliário do Carrefour: como varejista fatura com terrenos das lojas

Carrefour Property tem 47 imóveis no pipeline para transformar em empreendimentos imobiliários; empresa é a terceira maior em área de shoppings do país

Liliane Dutra, CEO do Carrefour Property: grupo usa apenas 15% do potencial de seus terrenos (Carrefour Property/Divulgação)
Beatriz Quesada

Repórter de Invest

Publicado em 5 de setembro de 2024 às 13h49.

Última atualização em 5 de setembro de 2024 às 16h21.

Quando o grupo francês Carrefour chegou ao Brasil em 1975, o conceito de hipermercado ainda não existia no país. A primeira unidade de grandes proporções que combinou mercado e itens de lojas de departamento, como eletrodomésticos, roupas e bazar, foi inaugurada na Marginal Pinheiros, na Zona Sul em São Paulo (SP), local afastado do centro histórico da cidade.

Quase 50 anos depois, o terreno de 65 mil metros quadrados fica em uma das principais áreas de expansão imobiliária da capital paulista – e o Carrefour vê espaço para participar ativamente dessa transformação. Na unidade da marginal, o hipermercado dará origem a um complexo multiuso que mescla apartamentos residenciais, salas comerciais e área de varejo. Batizado de Paseo Alto das Nações, o complexo conta com um centro comercial de 20 mil metros quadrados – considerando os 15 mil m² já existentes do hipermercado e outros 5 mil m² adicionais, entregues no final de 2022.

Veja também

A área de estacionamento, por sua vez, dará origem a três outras torres: uma corporativa, uma residencial e uma mista, que serão completamente entregues até 2026 e serão erguidas pelas construtoras parceiras WTorres e EzTec. A torre corporativa, por sinal, terá 219 metros de altura e será a maior de São Paulo, superando o Platina 220, na Zona Leste. O projeto deve contar ainda com uma área verde de 32 mil m², aberta ao público.

O projeto representa o primeiro passo da estratégia do Carrefour em rentabilizar seu portfólio de 530 imóveis espalhados pelo Brasil. A ideia é utilizar o potencial do terreno para construir empreendimentos ao redor das lojas da marca – as opções vão de grandes complexos multiuso a empreendimentos puramente residenciais ou comerciais. Além dos retornos com os empreendimentos, o aumento do fluxo de pessoas ao redor das lojas deve impulsionar o retorno das próprias operações do varejo.

A estimativa do Carrefour Property é que a rede utiliza, em média, apenas 15% do potencial de seus ativos imobiliários, o que abriria, em tese, 85% de potencial de exploração desse portfólio. Porém, nem todos os terrenos têm o potencial do antigo Carrefour Pinheiros, a opção mais óbvia do portfólio. Entre as demais propriedades, a ideia é começar pelos imóveis nas grandes capitais: a empresa mapeou 47 oportunidades que devem entrar na esteira da transformação imobiliária.

Conforme os negócios forem saindo do papel, será possível destravar valor para o grupo e mostrar o imobiliário do negócio, que tem grande potencial para além do varejo. “O terreno entra no balanço a valor histórico então, na verdade, é como se não valesse nada. Ele passa a valer quando tem negócio, quando é desenvolvido. Quanto mais negócios, maior o potencial”, conta Liliane Dutra, CEO do Carrefour Property, braço imobiliário do grupo.

A empresa não estima qual o tamanho que a frente pode ter nos números do grupo varejista, ressaltando que é preciso avaliar as condições de mercado. “Mas bons terrenos a gente tem.”

Como funciona na prática

O potencial não escapa aos olhos dos incorporadores, que buscam ativamente o Carrefour Property para propor negócio. “Eu brinco que nosso banco de terrenos tem placa. Onde tem uma placa do Carrefour, Atacadão ou Sam’s Club é um local que podemos incorporar”, diz Dutra.

A CEO defende que o time interno do Carrefour está pronto para fazer as contas com “chapéu de incorporador”. A empresa estima qual o preço máximo que um produto em determinado terreno pode absorver, com projeções como quantidade de metros de área privativa e número de torres. A partir daí entra um estudo de qual seria a vocação ideal do produto e qual construtora se encaixa mais na demanda. Ocorre então uma espécie de leilão entre as empresas que procuram ativamente o Carrefour e aquelas para as quais a companhia sugeriu a proposta. Ganha quem oferecer o melhor negócio.

Na parceria, o Property entra como permutante terrenista: fica com uma porcentagem financeira ou física do futuro empreendimento. No Paseo das Nações, por exemplo, o Carrefour ficou com o hipermercado, shopping, estacionamento e porcentagem de lajes na torre corporativa ainda a ser construída. O empreendimento tem valor geral de vendas (VGV) estimado em R$ 3 bilhões.

As conversas sobre o complexo começaram em 2013 e culminaram com as primeiras entregas 10 anos depois. De lá para cá o grupo entendeu que a frente era uma opção interessante de negócio – até mesmo como um diferencial aos concorrentes, que preferiram uma abordagem asset light em que não são donos dos terrenos de suas lojas. O segmento ganhou reforço com a chegada de Dutra como CEO; a executiva tem ampla experiência no setor de desenvolvimento, especialmente de shoppings, com passagens por Multiplan, BRMalls Brookfield e Ancar Ivanhoe.

Dutra pretende acelerar a transformação dos terrenos da rede. Este ano foram anunciados dois novos projetos residenciais, um na cidade de São Paulo e outra no Rio de Janeiro que devem, juntos, somar 10 torres e 1,3 mil unidades. O VGV dos empreendimentos é de R$ 600 milhões.

“A maioria dos projetos que estamos estudando são residenciais econômicos de interesse social – mas teremos de tudo, até altíssimo luxo”, explica a CEO. “Vamos conseguir oferecer moradia bem localizada já com um fundo de comércio que costuma contar com uma infraestrutura de luz, água encanada, transporte.”

Galerias: a aplicação do modelo francês no Brasil

Se no Brasil o Carrefour é uma empresa patrimonialista com grandes terrenos à sua disposição, na França o cenário é diferente. Com terrenos mais escassos, o modelo francês inclui galerias ao redor de seus hipermercados – um mini shopping com serviços complementares ao redor das lojas.

O modelo vem sendo aplicado no Brasil desde os anos 1970, e antes da chegada de Dutra, a administração desses espaços era a principal vocação do Carrefour Property. “As galerias começaram com serviço de sapateiro, chaveiro. Com o passar do tempo, o metro quadrado ficou mais caro em shopping center e a rua enfrentava questões de segurança. As galerias foram virando, então, uma opção para outras atividades, como alimentação”, explica a CEO.

O portfólio cresceu e colocou o Carrefour Property entre as três maiores empresas de shoppings em área bruta locável (ABL): são 370 mil metros quadrados. As 270 galerias da empresa contam com 4 mil contratos com lojistas. Duas das maiores galerias do portfólio são shoppings de pequeno porte: o Pamplona, no Jardim Paulista, e o Butantã, no bairro de mesmo nome.

O foco agora é a ressignificação das galerias na esteira da conversão das lojas. “Quando você transforma um hipermercado em um Atacadão, muda a âncora da galeria. Buscamos, por exemplo, a Leroy Merlin, o Obramax [para serem galeristas]”, explica.

Entre galerias e empreendimentos, Dutra reforça que o Carrefour irá manter o viés patrimonialista. “É um diferencial porque quanto mais se densifica, melhor fica a operação do varejo e do atacarejo.”

Conheça os 5 prédios com m² mais caro da Faria Lima

Acompanhe tudo sobre:Carrefour

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mercado imobiliário

Mais na Exame