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Quando o ícone vai embora

Michele Loureiro Há associações entre produtos e marcas que são inevitáveis. Como falar em Hering sem lembrar das camisetas básicas, na Lupo e suas meias, no Habib’s e as populares esfias, na Levi’s e suas tradicionais calças jeans? Pois uma separação anunciada ontem deixou os consumidores surpresos: o fim de uma década de parceria entre […]

MILK-SHAKE DO BOB`S.  (Bobs´s/Divulgação)

MILK-SHAKE DO BOB`S. (Bobs´s/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 14 de setembro de 2016 às 12h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.

Michele Loureiro

Há associações entre produtos e marcas que são inevitáveis. Como falar em Hering sem lembrar das camisetas básicas, na Lupo e suas meias, no Habib’s e as populares esfias, na Levi’s e suas tradicionais calças jeans? Pois uma separação anunciada ontem deixou os consumidores surpresos: o fim de uma década de parceria entre a rede de lanchonetes Bob’s e o Ovolmatine, bebida achocolatada gelada considerada um dos carros-chefes da marca. Para piorar, o produto foi parar nas mãos do maior concorrente, o Mc Donald’s, que começou a comercializar Ovomaltine nesta terça-feira 13. Nas páginas das duas redes no Facebook, mais de 140.000 pessoas falaram sobre a mudança e, no Twitter, o episódio ficou entre os dez assuntos mais comentados do dia.

Segundo Marcos Bedendo, professor de Branding da ESPM, a comoção dos consumidores com a notícia escancara um potencial problema para o Bob’s. “Eles tinham um produto icônico e deixaram isso escapar. Vão precisar correr atrás de novos atrativos”, diz. “Para piorar, perderam um destaque que conversava com um grupo de pessoas que não come necessariamente hambúrguer”, afirma.

O Bob’s se afirma que foi tudo planejado. Segundo Marcello Farrel, diretor geral do Bob’s, as negociações com a AB Brasil, braço da ABF, empresa britânica detentora da marca Ovomaltine, passaram a não ser mais vantajosas depois de uma década. “Tomamos essa decisão há cerca de um ano. Não valia mais a pena investir nessa parceria, uma vez que nossos milk-shakes já conquistaram uma independência. Já somos referência”, afirma.

A fórmula do produto, guardada a sete chaves desde 1959, continua a mesma. Agora, ele se chama simplesmente milk-shake crocante. “Estamos com estoque acima do normal e preparados para que nosso movimento aumente com toda essa repercussão”, afirma o Farrel. A rede já tem uma estratégia de marketing pronta para garantir que seu produto não seja deixado de lado. “São várias fases de comunicação e a primeira começa nas redes sociais”, diz. O Facebook do Bob`s traz a mensagem: “O milk-shake que você ama sempre vai estar no Bob’s, com os mesmos ingredientes e o sabor original”.

Se o Bob’s vai sair perdendo ou não, só o tempo vai dizer, mas a mudança escancara um desafio natural a qualquer companhia – cortar a dependência de um único ícone. “Isso comprova que é um risco muito alto para uma marca depender de apenas um produto. Questões comerciais, concorrências e até de evolução de perfil dos consumidores podem fazer com que a estratégia vá por água abaixo”, diz Eugênio Foganholo, diretor da Mixxer, consultoria especializada em bens de consumo e varejo.

Ter um ícone, obviamente, não é um problema – pelo contrário, é um golaço de marketing, que exige anos e anos de trabalho e costuma dar origem a produtos muito lucrativos. “Há produtos que definem um segmento de mercado, como Gilette, Bombril e Cotonete. Isso abala a concorrência”, diz Bebendo, da ESPM. Em contrapartida, essa dependência de um só produto atrapalha na expansão da marca por uma grande identificação do consumidor com o item. “Quem vai comprar um sabonete da Gillette? ”, questiona Bebendo.

A dificuldade de expandir 

É no apego ao produto, e na dificuldade de migrar para novas frente que está o perigo. Esse foi um dos principais desafios da Hering, por exemplo, que precisou ir além das camisetas brancas para se manter no acirrado mercado têxtil. Em 2007, a companhia saiu do básico, se reposicionou com uma coleção diversificada, com jeans e roupas de esportes, abriu lojas próprias, e viu as vendas turbinarem. O valor de mercado da companhia saltou mais de dez vezes em cinco anos, de cerca de 650 milhões em 2007 para 8 bilhões de reais em março de 2012.

O problema é que inovação não pode ser feita em ciclos – exige um ritmo constante. A Hering foi copiada pelas concorrentes e ainda não conseguiu acertar novos caminhos. Hoje, vale cerca de 2 bilhões de reais.

Um exemplo clássico do tamanho do desafio é a fabricante canadense de eletrônicos BlackBerry. No fim da última década, a empresa cujo produto principal levava o mesmo nome era motivo de inveja das concorrentes e revolucionou o mercado de smartphones. Porém, seu filho único não foi capaz de assegurar o trono e a empresa sucumbiu para Apple e Samsung.

No Bob’s, o fim da parceria com o Ovomaltine é só mais um percalço num cenário desafiador. A seu favor, a rede de fast-food ainda conta com a ‘receita mágica’ sem grife e com uma expansão constante. Neste ano, a companhia inaugurará mais 100 pontos de vendas, que se somarão as atuais 1.130 lojas.

“Temos um projeto-piloto onde as lojas têm terminais de atendimento com touch screen e os consumidores podem personalizar seus pedidos, com tamanhos e ingredientes. Além disso, temos um grande lançamento de produto programado até o final do ano. Já não faz mais sentido vender apenas combos”, diz Farrel.

O problema é que a concorrência inova, e avança, em alta velocidade. A participação de mercado do Bob’s subiu 1,2 ponto percentual de 2014 para 2015, para 15,1%. Já o Burguer King ganhou 4 pontos e passou para 21%. Enquanto isso, Mc Donlad’s caiu 5 pontos, para 59,6% – e parte para o ataque à base de milk-shake.

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