Por que a Nestlé quer acabar com o canudinho
Maior fabricante de alimentos do mundo lança campanha para convencer o consumidor a renunciar a certas comodidades
Rodrigo Caetano
Publicado em 15 de novembro de 2019 às 12h00.
Última atualização em 18 de novembro de 2019 às 16h50.
A partir de 2020, a Nestlé vai abolir os canudinhos plásticos das embalagens do achocolatado Nescau Prontinho. O consumidor terá duas opções: comprar sem o acessório -- e se virar para consumir o produto -- ou optar por uma caixinha que inclui um canudo de papel. O tradicional tubinho de plástico, presente há décadas no Prontinho, está com os dias contados.
Essa é apenas uma das medidas tomadas pela Nestlé para repensar suas embalagens. A maior fabricante de alimentos do mundo, que faturou 13,75 bilhões de reais no Brasil, em 2018, quer rever a maneira como entrega seus produtos ao consumidor. No alvo, está a diminuição do consumo de plástico, um insumo barato, altamente disseminado pela indústria, mas que é um dos maiores vilões do meio ambiente.
A Nestlé também suprimiu o celofane nas caixas de bombom. O material era utilizado para dar proteção extra aos doces, mas uma solução simples foi capaz de removê-lo. “Nós tomamos mais cuidado ao selar as embalagens dos bombons”, afirma Marcelo Melchior, CEO da Nestlé no Brasil.
Outra simples alteração eliminou o filme plástico que prevenia o movimento de caixas nos pallets durante o transporte rodoviário. O procedimento, padrão no setor de logística, é semelhante ao usado pelas empresas que oferecem proteção a bagagens nos aeroportos. As caixas, para se manterem agrupadas, são envoltas em diversas camadas de filme transparente. Uma pistola de cola e quatro pontos de contato obteve o mesmo resultado, com a facilidade de não precisar desembalar tudo no local de destino. Basta puxar uma caixa para destacá-la das demais.
Nos últimos três anos, a companhia reduziu em 100 mil toneladas o volume de material de embalagem utilizado. O fim do canudo no Nescau Prontinho economizará 350 toneladas de plástico por ano e o do celofane nas caixas de bombom, 140 toneladas.
A luta contra o plástico é um movimento global, potencializado por pesquisas recentes que mostram os impactos do material no meio ambiente. Um estudo conduzido pela fundação Ellen McArthur, que defende a economia circular, e apresentado no Fórum Econômico Mundial, aponta que haverá mais plástico do que peixes nos oceanos até 2050, se forem mantidos os atuais níveis de utilização e reciclagem do insumo.
O cenário tem levado diversos países a restringirem o uso de plástico, inclusive o Brasil. Recentemente, cidades como Santos e Rio de Janeiro proibiram o uso de canudinhos. Na União Europeia, a lista de produtos a serem vetados inclui copos, pratos, cotonetes e talheres. As medidas começam a ser implementadas em 2021.
Para Melchior, o processo de reduzir o uso do plástico é lento, difícil e envolve múltiplos atores. A Nestlé, sozinha, não vai resolver o problema, ainda que seu porte e sua liderança de mercado proporcionem uma capacidade adicional de mobilização. “A sociedade terá de repensar o modelo, e isso inclui os consumidores”, afirma.
Na próxima semana, a empresa lançará uma campanha, batizada de Iniciativa Re, convocando seus fornecedores, parceiros e clientes a mudarem de comportamento. A iniciativa prevê uma série de ações de marketing, internas e externas. No que se refere aos consumidores, a estrela da campanha será um robô que responderá pelo WhatsApp a dúvidas sobre reciclagem.
O Ecobot foi desenvolvido pela própria companhia. Ele utiliza inteligência artificial para responder a perguntas como “onde jogar a pazinha do café”, “como separar o lixo” e “o que fazer com uma caixa de pizza suja de queijo derretido”. Para acessá-lo, bastará enviar uma mensagem e iniciar a conversa, normalmente. Quanto mais pessoas perguntarem, mais o sistema aprenderá. A ideia é desenvolver uma grande base de dados sobre reciclagem, que poderá ser utilizada pela indústria, no futuro, para a definição de políticas e estratégias.
A Iniciativa Re aborda também a cadeia de reciclagem. A Nestlé concedeu um apoio, de valor não revelado, ao aplicativo Cataki, uma iniciativa de impacto social que conecta catadores e consumidores por meio de uma plataforma digital. Quem baixa o app encontra recicladores cadastrados por região e por material coletado, além de poder negociar valores de coleta diretamente com os profissionais.
Segundo Melchior, essa rede de catadores é um problema social, inerente à realidade brasileira, mas que acaba por favorecer a reciclagem. Graças a ela, por exemplo, o Brasil é um dos países que mais recicla alumínio no mundo. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que os catadores são responsáveis por 90% do lixo reciclado no país.
A existência dessa rede de recicladores é, de fato, um problema econômico e social. O número de catadores informais cresceu 48% entre 2014 e 2018, período que contempla a maior recessão econômica do país (2014-2016), na qual o PIB acumulou uma queda de 8,2%. Em dezembro do ano passado, a categoria somava 268 mil trabalhadores, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do IBGE, compilados pela Fundação Getúlio Vargas.
Em 2018, a renda mensal dos catadores era de 690 reais, inferior ao salário mínimo na época (954 reais) e equivalente a menos de um terço da renda média nacional (2.243 reais). Os negros representam quase 70% dessa população e apenas três em cada dez recicladores completaram o ensino fundamental.
Embora a situação não seja a ideal, para Melchior, pior seria não fazer nada. “Vamos evoluir com o tempo. O momento agora é de repensar as embalagens”, diz ele. Isso pode significar a retomada de alguns frascos que caíram em desuso, como as latas e as garrafas de vidro. Durante um bom tempo, os antigos recipientes metálicos foram sendo substituídos por garrafas pet, de plástico, ou as chamadas caixas “tetra”, como as de leite longa vida. “Talvez a gente precise revisitar antigas soluções”, afirma Melchior. A Nestlé deve intensificar o uso de latas de alumínio, de acordo com o executivo. O Leite Moça, por exemplo, aos poucos deixará de ser vendido nas caixinhas tetra.
Essa mudança exige investimentos. Nos últimos três anos, a empresa destinou 200 milhões de reais para ações e tecnologias nas fábricas, parcerias com instituições do terceiro setor, como os projetos Tamar e Reciclar pelo Brasil, e ações de conscientização ambiental. Para 2019, estão previstos mais de 400 milhões de reais em investimentos no parque industrial (em diversas frentes, não apenas em sustentabilidade).
O custo da mudança, no entanto, não é um problema. “A maioria dos materiais, quando se tem escala, apresenta custos semelhantes”, diz Melchior. A dificuldade está mesmo na adaptação do processo produtivo. No caso das garrafas pet, a produção é muito simples. “Você coloca o recipiente na máquina e enche de produto”, afirma o executivo. Por esse motivo, a indústria optou pelo plástico nas últimas décadas. “A barreira de entrada, com o pet, é muito menor”. O uso de latas, por outro lado, exige a instalação de um setor de lataria na fábrica, bem mais complexo.
Há uma dificuldade adicional: encontrar fornecedores. A empresa teve dificuldades para obter um canudo de papel adequado ao Prontinho. “Mesmo a indústria de celulose não estava preparada”, relata o CEO. Neste ano, a Nestlé promoveu um concurso de design para o desenvolvimento de uma solução de embalagem que permita o consumo do achocolatado sem o acessório. A ideia vencedora transformou a aba da caixinha em um cone, por onde passará o líquido. O projeto se encontra em fase de execução.
Ao mesmo tempo, o consumidor terá de aceitar a perda de algumas comodidades. Foi a indústria que introduziu o plástico no mercado de consumo. Mas, segundo Melchior, as pessoas se acostumaram com a praticidade de, por exemplo, comprar uma garrafinha de 510 ml de água mineral. O que se estabeleceu foi uma relação simbiótica, na qual as empresas não renunciam ao plástico por medo de perderem vendas, e os consumidores relutam em voltar a beber diretamente do copo, sem um canudinho, ou a carregar uma garrafa de vidro. Daí a necessidade de se realizar campanhas de conscientização, como a do Ecobot. Talvez a tecnologia possa recriar essa simbiose, de uma forma que beneficie o meio ambiente.