“Colocamos uma loja virtual no ar em dois dias”, diz diretor da Mondelez
Em entrevista à EXAME, Leonardo Tonini fala sobre as ações para manter as vendas em meio à crise que surpreendeu a empresa pouco antes da Páscoa
Murilo Bomfim
Publicado em 10 de abril de 2020 às 09h00.
Última atualização em 10 de junho de 2020 às 17h44.
A crise do coronavírus coloca um desafio a mais para empresas que, tradicionalmente, não vendem seus produtos pela internet. Aquelas que trabalham com alimentos são um exemplo claro: com a cultura de compras em lojas físicas e mercados, não era prioridade a criação de uma estrutura de vendas online.
Parece que o jogo virou. Com a pandemia decretada a semanas da Páscoa, a situação ficou ainda mais desafiadora para as produtoras de chocolates, que se viram obrigadas a criar soluções para que os doces cheguem aos consumidores, já que os consumidores não podem chegar aos doces.
“Em linhas gerais, mudamos todo o plano de Páscoa do ano em duas semanas”, diz Leonardo Tonini, diretor de novos negócios da Mondelez Brasil. A subsidiária da multinacional Mondelez International tem, em seu portfólio, a marca Lacta, que concentra um percentual relevante de vendas na data comemorativa.
Em entrevista à EXAME, Tonini falou sobre as movimentações da companhia para manter as vendas e o impacto da crise na área de marketing. Veja os melhores trechos da conversa.
A pandemia da covid-19 foi decretada pouco antes da Páscoa. Que adaptações vocês fizeram para responder à situação?
Nunca foi tão verdadeira a máxima que diz que a crise é uma oportunidade. Em linhas gerais, mudamos todo o plano de Páscoa do ano em duas semanas. Mobilizamos toda a organização para que pudéssemos nos adaptar ao novo cenário.
Em uma primeira frente, trabalhamos em uma comunicação para passar uma mensagem ao público em uma Páscoa diferente – em vez de estarmos com a família, estamos em isolamento. Em poucos dias, sentamos com uma agência e fizemos aprovações em tempo recorde para veicular a campanha. A ideia é que cada pedacinho de chocolate nos conecta, mesmo que cada um esteja em sua toca, em alusão à toca do coelho. Também multiplicamos as doações de ovos, que já eram uma tradição.
Em uma outra frente, trabalhamos para garantir medidas de segurança aos consumidores que optassem por comprar ovos em lojas físicas. O e-commerce é um desafio para a venda de bens de consumo, mas montamos uma operação de guerra para escalar o canal. Preparamos times dedicados a fazer parcerias inéditas.
Com a Uber e as Lojas Americanas, fizemos uma ação em que motoristas entregam ovos para o consumidor em até uma hora. A operação envolve meio milhão de motoristas e mais de 500 unidades das Americanas. É interessante porque os motoristas da Uber também foram impactados pela crise, com a queda da circulação.
Com a Rappi, consumidores que queiram estimular a compra de ovos dentro do aplicativo ganham comissão em cima de vendas. Ao se cadastrar, o consumidor recebe um código a ser compartilhado com outras pessoas. É uma forma de garantir remuneração nesse período.
Sabe-se que algumas empresas já apostavam em ações de transformação digital antes da crise do coronavírus. Destas ações, o que já estava em planejamento?
Já tínhamos uma operação desenhada com a Rappi, mas, com a crise, aceleramos esforços e investimentos. Estamos fazendo tudo em uma escala maior. Mas vieram novas ideias, que não estavam no planejamento. É extraordinário triangular uma parceria entre Uber, Lojas Americanas e Lacta, o que foi feito em apenas duas semanas. Outra ação que fizemos foi tirar do papel a ideia de montar uma loja virtual. Em dois dias ela entrou no ar. Foi praticamente do zero. Temos um diretor de e-commerce que estava fazendo alguns mapeamentos, mas surgiu a crise, conversamos e, em dois dias, a loja virtual estava pronta.
Após a crise, o comportamento do consumidor deve mudar. Das adaptações feitas para o tempo de quarentena, o que deve permanecer?
O e-commerce, sem dúvida. O que estamos vendo é que muitas pessoas têm comprado bens de consumo pela primeira vez de maneira virtual. Se proporcionamos boa experiência, o e-commerce pode se tornar mais corriqueiro. Tenho recebido mensagens de pessoas que compraram via Uber e estão encantadas porque recebem o produto rapidamente em casa. Isso veio para ficar.
Outra coisa é a reaproximação das marcas com a sociedade. Aprendemos que, quanto temos um propósito de marca claro e conectado com a cultura, todo mundo quer fazer parte disso. Temos parceiros que estão divulgando nossa campanha de graça porque se encantaram com a mensagem. O marketing com propósito, quando genuíno, é muito poderoso. É um grande mobilizador, porque o propósito deixa de ser só da empresa e passa a ser de todos os parceiros.
Que desafios a crise apresenta ao marketing em geral?
O primeiro desafio é repensar o propósito da marca. Tenho visto um trabalho brilhante de muitas empresas que estão conseguindo comunicas mensagens mais poderosas, ligadas à sociedade como um todo. O consumidor valoriza isso.
O segundo desafio é a escolha de crescimento do portfólio, principalmente para organizações que têm muitas marcas para suportar. A dinâmica das categorias mudou, algumas crescem e outras caem. Ser relevante com a mensagem e trazer valor para o consumidor via entretenimento ou serviço passa a ser algo que vai ser cobrado daqui para frente.
A crise existe, mas a missão das empresas continua a mesma: vender. Como abordar o público para vender em um momento tão delicado como esse pelo qual estamos passando?
Enxergo duas etapas. A primeiro é que, durante a crise, todos estão tentando ser muito sensatos. Que tipo de mensagem faz sentido? Se for puramente comercial, não será bem aceita. É preciso pensar no que faz sentido comunicar nesse momento.
Depois, é preciso avaliar a melhor maneira de preparar uma retomada. Que categorias devem voltar a crescer, como o consumidor vai mudar seu comportamento daqui para frente e como as empresas vão se adaptar. O cuidado, agora, deve ser o entendimento do que os consumidores querem ouvir.