Finanças

Repensando a lógica dos investimentos: como colocar seus objetivos pessoais em primeiro lugar?

O desafio não está apenas em acumular riqueza, mas também em usá-la de forma a atender às nossas aspirações e necessidades pessoais

Propósito e significado: investir não é apenas uma atividade financeira, mas também uma jornada pessoal (Divulgação/Divulgação)

Propósito e significado: investir não é apenas uma atividade financeira, mas também uma jornada pessoal (Divulgação/Divulgação)

Felipe Nobre
Felipe Nobre

Colunista

Publicado em 16 de outubro de 2023 às 13h00.

Última atualização em 18 de outubro de 2023 às 16h37.

Ao tratar da gestão tradicional do nosso patrimônio pessoal, frequentemente somos categorizados como conservadores, moderados ou agressivos. Esse enquadramento reflete um pensamento apenas centrado nos mercados e não no indivíduo.

Investimos e aceitamos riscos de mercado principalmente para participar do crescimento global e da criação de valor. Prever movimentos de mercado é quase impossível e os riscos são muito significativos. Nos últimos 20 anos, ou 5000 pregões, apenas 10 dias de alta foram responsáveis por metade do retorno da bolsa americana. Ou seja, em 10 dias - ou 0,2% dos dias - a bolsa subiu em média 10% por dia.

Ao passo que temos certeza da importância de manter-se investido, também reconhecemos a possibilidade de desvalorizações abruptas e recorrentes. O mercado pode ser volátil e imprevisível no curto prazo, mas nossas obrigações e manutenção do nosso estilo de vida são perenes. Adicionalmente, todos aspiram realizar algo significativo, que traga retornos substanciais e potencialize mudanças de patamar de vida. O desafio não está apenas em acumular riqueza, mas também em usá-la de forma a atender às nossas aspirações e necessidades pessoais.

Como podemos resumir toda essa complexidade de nossas prioridades pessoais em rótulos “Conservador”, “Moderado” e “Agressivo”? É aí que entra uma abordagem que coloca os objetivos particulares em posição central, equilibrando a procura por retornos financeiros com a realização de objetivos e metas pessoais e a busca de um propósito maior.

Os pilares do investimento voltado aos objetivos individuais

Objetivos Claros: O primeiro passo é definir, de fato, objetivos financeiros claros e específicos. Às vezes, isso pode parecer uma tarefa muito simples, porém vai muito além de fazer uma reserva para a aposentadoria. Pode incluir objetivos e metas de curto prazo, como a educação fundamental dos filhos, ou quitar o financiamento da casa. Além disso, é possível definir objetivos financeiros de longo prazo, como comprar uma casa na praia, financiar a educação superior dos filhos e fazer uma pós-graduação no exterior, por exemplo, todas devidamente organizadas em um horizonte de tempo e classificadas por ordem decrescente de prioridades.

Ter objetivos bem definidos nos ajuda a direcionar as escolhas de investimento de forma mais eficaz e a organizar o patrimônio de uma maneira que faça mais sentido para nós, e não para o banco ou corretora. Dessa forma, o investidor deve organizar seus ativos e passivos sob a ótica de três divisões principais:

  • Reserva de segurança representa nossas necessidades mais importantes (alimentação, moradia, educação, seguros de vida e saúde), além do provisionamento de recursos para situações adversas. Parte importante dessas necessidades deve ser coberta com a renda do nosso trabalho, renda de ativos e uma certa quantia de capital separada e dimensionada para esse fim. O seguro de vida ou invalidez é a garantia de estabilidade do estilo de vida da família, mesmo na nossa ausência. Muitas vezes, essas necessidades serão gastas no exterior. A tolerância a risco nesse bloco deve ser zero, tanto em relação ao risco da moeda como previsibilidade de recebimento, de preferência investir em títulos dos governos na moeda de onde a necessidade estiver.
  • Portfólio de risco de mercado é o que garante os nossos objetivos de médio e longo prazo, como: hobbies, troca de imóvel, compra de uma casa na praia, viagens sofisticadas, troca de veículos, educação continuada, filiações a clubes, novo casamento e outros objetivos que planejarmos. Desenhar esses objetivos também requer compreensão do risco de mercado. É vital simular cenários considerando essas potenciais perdas e avaliar compensações de risco. A moeda e a liquidez dos ativos também devem estar alinhadas com os objetivos. Vale a pena atrasar uma pós-graduação no exterior em prol da possibilidade de obter um retorno adicional capaz de propiciar um ano sabático e uma viagem ao redor do mundo? Quanto mais claro forem as compensações, ou seja, as escolhas que devemos fazer em relação aos nossos objetivos, mais fácil será a compreensão da nossa tolerância ao risco. A probabilidade do mercado não se recuperar de uma crise em cinco anos é baixa. Nossas prioridades e objetivos deverão, portanto, ser pensados sob a ótica de atrasos potenciais. O portfólio deve ser diversificado, tanto em ativos quanto geograficamente. Um exemplo: a estratégia do modelo endowment, como a de Yale sob o comando de David Swensen até 2021, é um bom exemplo. A alocação no final de 2021 era 15% em ações, 40% em Private Equity e Venture Capital, 10% em imóveis, 5% em recursos naturais, 15% em caixa e renda fixa e 15% em hedge funds e ativos alternativos, espalhados ao redor do mundo que renderam 13% em dólar, em média, na última década. O pior resultado anual desses 10 anos foi 4% e o melhor 40%.
  • Objetivos aspiracionais: muitos alcançam a prosperidade capitalizando e empregando seus talentos, network e expertise em ativos ou jornadas aspiracionais. Empreendedores direcionam todos os recursos para expandir seus negócios. Executivos frequentemente mantêm opções de ações, expondo-se a riscos ultraconcentrados de uma ação apenas. Fazendeiros usam alavancagem financeira para aumentar e potencializar suas propriedades. E especialistas, após anos em um setor, investem em startups relacionadas a suas áreas de negócios. Estas abordagens, embora contrariem totalmente as práticas e teorias de diversificação de portfólios de mercado, demonstram como as estratégias não tradicionais são as grandes responsáveis pela criação da maior parte da riqueza dos mais ricos. Quando bem-sucedidas, os retornos extraordinários obtidos poderão ser reinvestidos em novos sonhos, propósitos, causas e legados duradouros.

Propósito e Significado: investir não é apenas uma atividade financeira, mas também uma jornada pessoal. É importante direcionar capital para ideias que tenham significado para nós e possam, quem sabe, transformar o mundo em um lugar melhor. Isso pode incluir investir em empresas, setores e países que compartilham nossos valores e propósitos. Desta forma, é possível inserir nossos valores pessoais na lógica dos investimentos.

Como devemos aplicar a lógica dos investimentos orientados por nossos objetivos?

O investimento orientado por objetivos pode desempenhar um papel significativo na saúde financeira e na paz de espírito dos investidores em momentos turbulentos. Na forma proposta de organização dos investimentos e objetivos, conseguiremos ter certeza de que, independentemente do comportamento do mercado, nossas necessidades e objetivos prioritários e nossos sonhos estarão sempre preservados. Para aplicar essa lógica, precisamos nos dedicar e aprofundar na educação financeira e entender como os diferentes tipos de ativos e as compensações de risco funcionam e como eles podem contribuir para nossos objetivos.

É fundamental repensar a lógica dos investimentos. Ao adotar a abordagem do investidor orientado por objetivos, podemos priorizar nossos objetivos pessoais, dando significado aos nossos esforços financeiros. Organizar o patrimônio sob a ótica daquilo que nos proporciona segurança, dos investimentos que possibilitam o crescimento do patrimônio, e das realizações pessoais nos ajuda a navegar por esse cenário de forma mais informada e alinhada com o que realmente importa para nós.

Ao investir priorizando objetivos pessoais, não estamos apenas buscando retornos financeiros, mas também construindo um caminho que nos permita alcançar as nossas aspirações de vida. É hora de olhar além dos números e colocar nossas metas particulares em primeiro lugar.

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