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Apaixone-se pela incerteza: a estabilidade é desestabilizante, e a previsibilidade é uma ilusão

Entenda como um líder deve agir e tirar proveito da natureza incerta do ambiente de negócios

Aceitar a incerteza é o primeiro passo para se preparar para ela. (Klaus Vedfelt/Getty Images)

Publicado em 5 de julho de 2024 às 10h00.

“A estabilidade é desestabilizante”. Famosa frase de Hyman Misky, economista americano, que ganhou notoriedade em função de seus estudos sobre as crises financeiras e sua relação com os ciclos econômicos.

Dentre as ideias difundidas por Minsky está o “paradoxo da tranquilidade”, através da qual Minsky argumenta que períodos prolongados de estabilidade econômica e financeira criam um ambiente onde os agentes econômicos assumem riscos crescentes, acreditando que o sistema continuará estável.

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Tal comportamento tende a levar a um aumento da alavancagem e explica, em parte, as crises econômicas após períodos de bonança. Minsky defende que o desequilíbrio é inerente ao capitalismo, e que a incerteza, portanto, é elemento intrínseco  da atividade econômica.

Como líderes e empresários sabemos bem disso, administrar a incerteza faz parte do nosso job description. Gerimos riscos diariamente e tomamos decisões com base na nossa percepção de riscos versus oportunidades.

Trabalhamos exaustivamente e consumimos toneladas de dados buscando previsibilidade. Estamos sempre preocupados em antecipar problemas, construímos cenários e mais cenários e, quase que em um exercício de futurologia, mapeamos as tendências tecnológicas, precificamos seu impacto em nosso segmento, projetamos a demanda, precipitamos o comportamento de nossos clientes e concorrentes, simulamos os indicadores econômicos, e, como resultado, esperamos dormir mais seguros em relação ao rumo de nossos negócios.

E não há mal nenhum em atuarmos com vistas a mitigar riscos. O problema surge quando a aversão ao risco passa a nortear o exercício da atividade empresarial, demandando um nível de certeza que não existe em nossa realidade.

A verdade é que vivemos em um mundo cada vez mais incerto, e qualquer tentativa de “domesticar” a incerteza, tentando restringi-la a um número determinado de variáveis – limitadas ao alcance de nosso próprio conhecimento –, é inócua. A consequência disso: instituições travadas, profissionais acomodados e iniciativas sufocadas pelo medo do desconhecido.

A batalha contra a incerteza é inglória. Organizações que entendem isso e aprendem a navegar em mares ignotos descobrem a beleza do incerto, e investem na construção de um perfil adaptativo, necessário para se sobressair em um mundo cada vez mais complexo e não linear.

Nesse sentido, vale destacar a brilhante abordagem de Nassim Taleb em seu livro Antifragile. Segundo Taleb, os riscos mais significativos são aqueles que não podem ser antecipados ou quantificados de maneira convencional. Ele argumenta que sistemas complexos, como mercados financeiros e economias, são inerentemente imprevisíveis, e defende que tentar medir ou prever riscos específicos é, muitas vezes, hipócrita e enganoso.

Na mesma linha, Morgan Housel, em sua obraSame as Ever, descreve a incerteza como uma constante no mundo dos negócios e qualifica a previsibilidade como uma ilusão.

Na visão de Housel, aqueles que tentam rigidamente controlar ou prever todos os aspectos do futuro de seus negócios frequentemente se deparam com a realidade de que o mundo é muito mais complexo e dinâmico do que qualquer modelo pode captar, e são obrigados a assumir tal realidade na tomada de decisão.

Aceitar a incerteza é o primeiro passo para se preparar para ela. Isso impõe a adoção de uma postura proativa, envolvendo preparação e resiliência. Líderes que entendem a natureza incerta do ambiente de negócios investem para imprimir flexibilidade a suas organizações, fortalecendo a sua capacidade de adaptação às mudanças, incluindo:

  1. Diversificação de Riscos: não colocar todos os recursos em uma única estratégia ou mercado. Diversificar é fundamental para mitigar riscos imprevistos.
  2. Cultura de Aprendizado Contínuo: promover uma cultura onde o aprendizado e a adaptação são incentivados. Isso permite que a organização se ajuste rapidamente às mudanças.
  3. Inovação Constante: estar sempre em busca de novas ideias e formas de melhorar processos, produtos e serviços. A inovação deve ser uma prioridade contínua na organização.

Tais cuidados são esperados e necessários a qualquer empresa que queira sobreviver no comércio global, onde as prioridades, os desafios e as tendências se alteram de maneira cada vez mais acelerada, sem piedade em relação a posturas inertes, que negam ou relativizam os efeitos das constantes transformações no comportamento humano e suas consequências num mercado cada vez mais competitivo, automatizado e exigente.

Mas não é só, profissionais e organizações que prosperam – e não apenas sobrevivem – são aqueles que aprendem a tirar proveito das incertezas, esperam o imprevisível e melhoram na crise.

De minha experiência com reestruturação de empresas, coleciono casos de companhias que se reorganizam, inovam, abrem novos mercados, e se tornam muito mais enxutas e produtivas na crise, tornando-se mais fortes e rentáveis quando superada a adversidade. Mas, também já vi situações em que empresas sucumbiram, insistiram em fazer “mais do mesmo”, rezando para que a tempestade passasse, mas perpetuando-a em sua própria inércia.

David Boot, fundador do Dimensional Fund Advisors, exemplifica a proposição acima, citando o mercado de ações. Em entrevista concedida no SXSW 2024, em sessão intitulada Uncertainty is Underrated, Boot explica que a história provou que a tentativa de projetar o preço das ações no tempo é inútil, sendo impossível neutralizar a incerteza inerente à sua complexidade. Propõe, entretanto, que a incerteza é justamente o que gera a oportunidade, pois, se não houvesse incerteza, não haveria risco, e todos os ativos teriam o mesmo retorno, ou seja, o retorno de ativos sem risco.

Ao criar o Dimensional Fund Advisors, David Boot procurou não apenas navegar na incerteza, tirando proveito da volatilidade das ações, mas, também, criar uma estratégia que resistisse ao inesperado. Conta que, no início de sua história, o fundo mantinha uma grande concentração em ações de empresas menores, que acabaram performando substancialmente pior do que as empresas do S&P 500. Explica que, ainda assim, manteve a sua posição, reportando resultados satisfatórios em tal portifólio apenas uma década depois.

Não obstante, embora tenha se mantido fiel ao racional que o levou a decidir por investir em empresas menores à época, aprendeu com as circunstâncias, diversificando sua carteira mediante a inclusão de grandes companhias. Sua postura resiliente, mas ao mesmo humilde, o levaram a revisitar sua estratégia, garantindo o sucesso de seu fundo, que em 40 anos de história hoje conta com mais de USD 700 bilhões em ativos.

Para vencer e melhorar na crise, é necessário cultivar uma mentalidade de crescimento, que não apenas fomenta a criatividade do time, mas que se paute em processos e estruturas (tanto financeiras como humanas) que resistam a imprevistos, e mantenham firmes os objetivos de longo prazo da companhia. Afinal, como ensinou o filósofo Epicteto: “Não é o que acontece com você, mas é como você reage que importa”. Todos nós enfrentaremos a adversidade, a questão não é “se”, mas “como”.

Apaixonar-se pela incerteza é um imperativo nos dias de hoje. Administrá-la é necessário, mas tentar evitá-la é inútil. A incerteza não é uma inimiga a ser derrotada, mas uma realidade a ser abraçada. Ao aceitar e se preparar para a incerteza, os líderes podem transformar suas organizações em entidades resilientes, inovadoras e antifrágeis. No mundo empresarial, onde a única constante é a mudança, aqueles que abraçam a incerteza são os únicos com condição de prosperar.

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