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Reação do mercado à Evergrande foi exagerada, diz Meraki Capital

Gestora aproveitou 'tsunami' de notícias negativas para aumentar posição em bolsa e comprar ações ligadas à economia chinesa, conta CIO Roberto Reis

Roberto Reis, diretor de investimentos e sócio-fundador da gestora Meraki Capital | Foto: Meraki/Divulgação (Meraki Capital/Divulgação)

Roberto Reis, diretor de investimentos e sócio-fundador da gestora Meraki Capital | Foto: Meraki/Divulgação (Meraki Capital/Divulgação)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 26 de setembro de 2021 às 09h06.

Última atualização em 26 de setembro de 2021 às 09h42.

Os temores sobre a sustentabilidade da dívida de 300 bilhões de dólares da incorporadora chinesa Evergrande provocaram fortes perdas no mercado financeiro na última semana. Em meio às preocupações sobre a crise imobiliária na segunda maior economia do mundo, a bolsa brasileira, intimamente ligada à economia da China, chegou a tocar sua pior pontuação desde novembro de 2020. A Vale (VALE3), principal ação do índice, despencou 9,82% na semana.

Apesar do cenário turbulento, Roberto Reis, diretor de investimentos (CIO) e sócio-fundador da gestora Meraki Capital, acredita que as reações do mercado foram exageradas. Ele conta que aproveitou o movimento de queda para aumentar posições. "No nosso fundo long biased, estávamos 65% comprados e passamos para 78%. Também reforçamos posições estruturais e aproveitamos para comprar um pouco de commodities", diz em entrevista à EXAME Invest.

Ex-diretor de investimentos em ações das gestoras do Santander e do Bradesco, Reis conta que uma das características de sua gestora é aumentar o risco justamente quando incertezas se refletem nos preços dos ativos.

Atento a boas oportunidades nas recentes quedas, a Meraki comprou ações de Vale (VALE3), Suzano (SUZB3) e Magazine Luiza (MGLU3). Embora tenha uma visão negativa para o futuro dos grandes bancos, a Meraki também adicionou papéis do setor de olho no curto prazo. "As ações caíram demais e não era para esse exagero", afirma.

Confira a entrevista com Roberto Reis, diretor de investimentos e sócio-fundador da gestora Meraki Capital.

Como a Meraki vem se posicionando no mercado diante de ameaças como crises na China e apertos monetários?

Começamos a reduzir o risco no final de julho, porque começamos a ver sinais de euforia no mercado, como o excesso de IPO no Brasil. Agora, houve um tsunami de notícias ruins dentro e fora do país, que já estão incorporadas nos preços dos ativos. Gostamos mais de adicionar risco quando o cenário está mais incerto e isso se reflete nos preços do que seguir uma euforia. 

Na última semana, o Ibovespa bateu o pior patamar desde novembro. A Meraki aproveitou a queda para aumentar alguma posição?

Aumentamos posições. No nosso fundo long biased, estávamos 65% comprados e passamos para 78%. Também reforçamos posições estruturais e aproveitamos para comprar um pouco de commodities. Nessa queda, voltamos a adicionar um pouco de Suzano (SUZB3) e Vale (VALE3), que praticamente não tínhamos. 

Como tem visto o cenário para o minério de ferro? Após a recente desvalorização, ainda há chance de a tonelada do minério voltar para próximo de 200 dólares?

Falava-se de superciclo de commodities no mercado, mas sempre fomos enfáticos em dizer que não existia motivos para isso. Com a covid, houve grandes injeções de liquidez, e as famílias, sem poder consumir serviços, consumiram bens. Isso puxou o preço das commodities, mas não é um superciclo.

Não vemos motivos para o minério estar acima de 150 dólares. Mas também não há justificativa para ficar abaixo de 100 dólares, com toda essa injeção de liquidez e as moedas valendo menos. Por isso, voltamos a adicionar risco em Vale e Suzano, que são mais ligadas à China. Esse movimento de queda foi muito forte e abriu oportunidades. 

Como o senhor tem visto a questão da Evergrande na China?

A China sempre traz muita incerteza, porque a visibilidade é baixa, vide a pandemia. O mundo tratou o início da covid na China como algo banal, mas obviamente não tinha nada de banal. Talvez por isso o mercado fica tão estressado com essa questão da Evergrande, que, na nossa opinião, não deve ter tantos impactos. Não era para ter tido toda essa reação no mercado. 

Os títulos de dívida da Evergrande estão valendo praticamente nada, refletindo um default. Havia expectativa de que o governo chinês fizesse o resgate de dívidas da empresa para salvar a população. Eles vão assumir o prejuízo da população chinesa, mas não o do mercado de capitais, que estava especulando.

Tem que ver como isso impacta a confiança do consumidor chinês para o setor e outras grandes decisões de consumo. Nas últimas semanas, o ritmo de vendas de imóveis na China piorou bastante, o que é normal. Nossa expectativa é que tudo volte à normalidade nas próximas semanas. 

Considerando a importância comercial da China, qual o possível impacto dessa crise para o Brasil?

No Brasil, a preocupação fica em torno de minério de ferro, aço, proteínas e celulose, que deve ser a commodity menos atingida. De todas essas, o minério de ferro sofreu grande impacto, mas o preço do aço no Brasil continua muito alto, embora ainda possa arrefecer. 

Os preços das commodities estavam tão altos que todo mundo esperava que voltassem para próximo dos níveis históricos. O Brasil está sofrendo mais por fazer parte da classe de emergentes e devido aos próprios problemas. 

A inflação está batendo 10% ao ano. Seria esse um dos problemas do Brasil? 

Sem dúvida é um problema. A população carente acaba sofrendo mais, como em todos os ciclos de inflação, principalmente porque está atingindo itens básicos, como energia elétrica, combustíveis e alimentos. Isso é muito ruim para o poder de compra da população. Esse é um problema que está acontecendo de forma global e de forma ainda mais acentuada em países emergentes. 

Nossa visão é a de que a inflação tende a ser mais resiliente do que transitória, mas deve haver um arrefecimento. Ela vai continuar em níveis mais altos por um ciclo, mas não nesse patamar atual. 

O Banco Central vem atuando para controlar a inflação. Até que ponto deve ir a alta de juro?

O Banco Central deveria subir o juros para um patamar entre 8% e 9% e dar uma pausa para avaliar os impactos na inflação e na atividade econômica. Para a Selic ir para dois dígitos precisa aguardar uma série de fatores, inclusive como será a eleição no ano que vem. 

Qual é o impacto da inflação e da alta de juros na bolsa? 

Primeiro, o investidor volta a ter um CDI um pouco mais robusto, que é uma opção de investimento seguro e praticamente sem risco. Já a curva longa de juros impacta o preço das ações, que já refletem uma curva longa próxima a 11%. Só que o investidor [pessoa física] ainda está investindo a 6%. 

Temos que ver em qual ponto o BC encerrará o ciclo de alta para avaliar se as pessoas vão seguir migrando da renda variável para a renda fixa. Também precisamos esperar o cenário eleitoral para ter uma definição maior sobre PIB potencial, política econômica e patamar de juros. 

Diante dessa incerteza, estão se abrindo oportunidades no mercado. Há uma assimetria de risco favorável para os ativos brasileiros de hoje até o fim do ano, porque parte da precificação da curva longa já está na bolsa. Se a inflação começar a desacelerar, deve haver um fechamento da curva longa, com os ativos de risco brasileiros reagindo bem no curto prazo. 

A questão dos precatórios deve ter uma solução em breve, ainda que não a ideal. E o presidente precisa voltar a ter um nível de diálogo com os outros Poderes. Por esse aspecto, as coisas tendem a melhorar. 

Na bolsa, ações de varejo estão entre as maiores quedas do ano, como as do Magazine Luiza e da VIA (VIIA3). Varejistas de moda também têm performado mal. Como a Meraki tem visto o setor? 

Tem sido muito caso a caso. Com o cenário de volta da inflação e juros mais altos, o fim da equação é menos consumo. As varejistas são a parte cíclica doméstica da bolsa brasileira, que são as que mais tendem a sofrer com esse cenário macro mais adverso. O setor de vestuário foi muito impactado pela pandemia, vinha se recuperando, mas pegou esse ambiente contrário.

Já as empresas de e-commerce, especificamente o Magazine Luiza, estão muito bem. Mas devem crescer menos do que no terceiro trimestre do ano passado, ainda que em cima de uma base muito forte. Parte do mercado tem interpretado isso como uma desaceleração. Então, aumentamos a posição. As ações do Mercado Livre, por exemplo, não sofreram. Por mais que sejam empresas diferentes, a parte macro impacta as duas. Vemos certo exagero na correção das ações do Magazine Luiza. 

A ação de Americanas (AMER3) já tem perda de 80% no ano. Ficou barato? 

Não investimos em Americanas (AMER3/LAME4) há muito tempo. A dificuldade sempre foi no modelo de negócio deles. As lojas físicas vão muito contra a tendência atual de viver uma experiência e ter tudo na mão rápido. As lojas físicas das Americanas se assemelham muito mais à Blockbuster do que à Netflix. A experiência de consumo é ruim. 

Na parte de e-commerce nunca vimos uma proposta de valor muito clara, como a do Magazine Luiza e a do Mercado Livre. Tanto que eles tiveram um crescimento muito menor ao longo do tempo do que essas duas empresas. Preferimos companhias em que a proposta de valor e o modelo de negócio são mais claros. 

Sobre os bancos, a Meraki tem alguma preferência pelos digitais? Por outro lado, os quatro grandes já estão em patamares atrativos de preço?

Estruturalmente, temos um viés muito negativo para os grandes bancos. Eles têm um legado muito pesado. A população sempre reclamou muito. As empresas nascem, crescem e envelhecem. De certa forma, o setor de bancos passou por um envelhecimento. Talvez eles continuem, mas não na proporção de mercado atual. O fenômeno de fazer tudo pela internet e aplicativo tem um custo muito menor para o operador e é muito mais eficiente para a população. 

O braço de pessoa física, que era basicamente a cesta de tarifas, já está sendo atacado. O que ainda não aconteceu é a disrupção da parte de crédito. Mas uma vez que o cliente migra para o banco digital, o próximo passo é testar o crédito com novos bancos. Em cinco anos, eles vão estar muito menor, porque as fintechs estão ganhando fatia de mercado. Depois que se começa a usar Netflix, o cliente não quer ir mais à locadora, no caso, à agência bancária, e passar por toda aquela rotina. 

Vemos o Itaú (ITUB4) com um posicionamento um pouco melhor, o Bradesco (BBDC3/BBDC4) tentando se mexer e o Santander (SANB11) ainda pior. Mas isso não quer dizer que, taticamente, não fazemos trades de curto prazo com ações dos grandes bancos. Há três dias, voltamos a comprar ações do Bradesco, mas visando apenas o curto prazo. As ações caíram demais e não era para esse exagero. 

Nossa maior posição estrutural em bancos é no Banco Pan (BPAN4), e a segunda maior, no Inter (BIDI11).

Havia grande expectativa de que ações ligadas à abertura econômica tivessem bons desempenhos no segundo semestre e isso não vem ocorrendo. A tese de reabertura já morreu no mercado?

Acho que ainda tem muita coisa e, particularmente, gostamos bastante do setor de shopping centers. Óbvio que esses setores foram muito impactados pelos cenários local e externo, mas temos visto um retorno à normalidade. 

Os shoppings centers estão com uma volta de fluxo forte e provavelmente vão apresentar resultados robustos no terceiro e quarto trimestres.

Mesmo no setor aéreo, que hoje não é uma aposta nossa, temos visto os preços de passagens em alta e voos cheios, ainda que a oferta de voos seja pequena. Deve haver uma volta bem rápida nesses setores. O vento macroeconômico não ajudou, mas operacionalmente nós gostamos desse tema. Mas, como o macro não está ajudando mais, tem que olhar caso a caso. 

O setor de saúde vem passando por consolidação, com diversos negócios de M&A. Como vocês avaliam o setor? Possuem alguma ação?

Tivemos grandes empresas vindo para a bolsa brasileira, mas há várias outras para entrar. Existe um pipeline de negócios que pode levar o setor a ser um dos maiores da B3. É um setor de que gostamos para o longo prazo, devido ao envelhecimento da população e à vontade de ter acesso a planos de saúde e não depender do sistema público. 

Hoje, não temos ações do setor. Um dos motivos é que ele está muito bem precificado na bolsa, por ser visto quase como um porto seguro. Então, os múltiplos estão muito altos. Gostamos da tese de médio e longo prazo, mas não vemos uma assimetria de risco/retorno favorável para investir. Já tivemos ações do setor e gostaríamos de ter de novo, mas não nos preços atuais. Estamos vendo mais oportunidades em empresas com 10% a 30% de queda no ano.

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