A verdade está no fundo de seus olhos
Se você não fizer a sua parte, isso inevitavelmente aparecerá
Karla Mamona
Publicado em 4 de julho de 2022 às 12h18.
Última atualização em 4 de julho de 2022 às 12h58.
A finada série sense8 trazia um personagem que cai como uma luva para ilustrar o tema sobre o qual eu quero falar hoje: nada escapava do Whispers quando ele olhava no fundo dos olhos dos protagonistas, revelando seus mais profundos segredos.
Veja bem: todos temos segredos. Alguns, verdadeiras bobagens que simplesmente preferimos deixar longe do escrutínio público; no caso de outros, porém, mantê-los devidamente escondidos é requisito à integridade do tecido social.
Não somos 100% sinceros. Muitas vezes, sequer com nós mesmos.
É a dieta que começaremos só na semana que vem. Só mais 5 minutos na cama. Estou sem dinheiro, mas comprar isso aqui não vai fazer mal. Não vai dar para sair hoje porque estou com dor de cabeça.
E, em grande medida, há certa tolerância social para com isso. O me engana que eu gosto (ou me autoengano que eu gosto) é aceito até certo nível, e está tudo bem.
Mas há situações em que, mais dia, menos dia, os resultados aparecem e não se podem negar: seis meses se passaram e você só ganhou peso; você fica conhecido(a) como a pessoa que sempre se atrasa para tudo; o rotativo do cartão de crédito virou seu maior tormento; seus amigos e amigas não convidam você para mais nada porque cansaram de bolo.
Chega um momento em que é preciso reconhecer que há um problema — ou muitos!
Mas Ricardo, o que raios essa digressão tem a ver com esse artigo?
Sabe onde esse me engana que eu gosto também se manifesta com frequência?
Naquela ação que você comprou sem estudar.
Naquele relatório que você não leu.
Naquele fundo no qual você investiu sem nem saber direito do que se trata.
Naquela dica quente de cripto que você seguiu sem gastar cinco minutos sequer tentando entender no que consistia.
Depois eu vejo. Depois eu estudo. Tô sem tempo. Dá pra só fazer uma tabela dizendo o que eu compro?
Não me leve a mal: eu também, às vezes, invisto em coisas sobre as quais meu nível de entendimento não atingiu o que considero o mínimo. Pelo contrário: descobri, com o passar do tempo, que essa é uma excelente maneira de me forçar a dedicar tempo e energia a entender melhor as coisas — compra um pouquinho e põe na tela como lembrete de que aquilo merece atenção.
O problema é quando se passam os dias, semanas, meses… e aquilo ficou para trás, mesmo que você siga convencido(a) de que, eventualmente, vai revisitar — mais ou menos como eu faço com alguns livros que pegam pó dentro do meu armário, diga-se de passagem.
Ou, ainda pior, se você sequer tem a intenção de. Quando o depois eu vejo é um completo autoengano: você não vai ler, não vai estudar porque simplesmente não quer, porque não tem vontade, porque acha que alguém já fez isso por você e basta.
Eu já afirmei isso incontáveis vezes — e já me conformei com a triste constatação de que, por mais que eu me repita, jamais será demais: se você não dedicar tempo e energia a entender o que você está fazendo com seus investimentos, mais dia, menos dia, você vai tomar uma invertida do mercado e simplesmente não saber o que fazer com eles.
Em outras palavras, é na hora do pânico que a verdade aparecerá no fundo dos seus olhos. Você pode se autoenganar por muito tempo, mas não o tempo todo.
É precisamente o que tenho visto nesses últimos meses, ao longo dos quais os ventos têm soprado contra a maioria dos investidores.
Todo santo dia eu recebo, lá no meu instagram, mensagens do tipo tenho XPTO e não sei o que fazer. E bastam duas ou três perguntas para constatar que o indivíduo não sabia o que fazer desde o princípio, porque mal sabe no que consiste aquele ativo no qual colocou seu suado dinheirinho.
Aliás, este é um traço engraçado da maioria das pessoas: sabem que fazer dinheiro é difícil e exige esforço; sabem que poupar dinheiro é difícil e exige esforço… mas acham que investir dinheiro é fácil e pode ser feito com pouco (ou nenhum!) esforço!
É o seu dinheiro. Ele é sua responsabilidade. Não é responsabilidade do analista, do assessor, do guru, do influencer. É sua responsabilidade. SUA. É você quem vai colher os frutos caso seus investimentos deem certo e é você quem vai arcar com as consequências caso eles deem errado. Então faça a sua parte bem feita.
Cá me vejo, como sempre, pregando no deserto. Bastará um novo ciclo de alta para, novamente, uma horda de desavisados se refestelar tratando suas economias como fichas de festa junina, retroalimentando esse infinito ciclo de transferência de riqueza dos que não estudam para os que estudam; dos impacientes para os pacientes; dos intolerantes para com as intempéries normais ao mercado para aqueles que para elas se prepararam.
Isso sempre existirá.
Cabe a você escolher a que lado da história quer pertencer.
Até a próxima!
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. Escreve para a EXAME Invest a cada duas semanas.
Twitter: @_rschweitzer
Instagram: @ricardoschweitzer