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Selos raros rendem 10% ao ano; mas são mesmo investimentos?

Companhia britânica especializada em selos raros chega ao Brasil para oferecê-los como investimentos, mas há quem veja a modalidade apenas como um hobby


	O Penny Black foi o primeiro selo emitido no mundo, em 1840; o bloco da foto é uma raridade: com margem à direita, foi criado para uso do governo britânico, mas nunca emitido
 (Divulgação Stanley Gibbons)

O Penny Black foi o primeiro selo emitido no mundo, em 1840; o bloco da foto é uma raridade: com margem à direita, foi criado para uso do governo britânico, mas nunca emitido (Divulgação Stanley Gibbons)

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Da Redação

Publicado em 23 de maio de 2013 às 12h11.

São Paulo – Que tal um investimento que tem rendido mais de 10% ao ano por décadas e que não se abala com crises econômicas? Trata-se dos selos postais, aqueles mesmos que são colecionados e colados nas correspondências - desde, é claro, que sejam raros. A empresa britânica Stanley Gibbons, uma das maiores autoridades mundiais no assunto, está trazendo a modalidade para os investidores brasileiros. Mas é preciso ter cuidado: selos são investimentos alternativos, voltados para a diversificação e com um mercado muito pouco regulado.

Quem acompanha o noticiário financeiro já deve ter ouvido falar nos investimentos alternativos ou “de paixão”, como arte, vinhos, antiguidades e joias antigas. Os selos raros entram nesta categoria, sendo objeto de desejo de colecionadores mais sérios. Em geral, para se proteger de crises econômicas e financeiras, investidores de altíssima renda mantêm uma pequena parte da carteira em investimentos como esses.

“Normalmente quem investe nesse tipo de ativo são investidores que apreciam esses bens, especialistas ou ainda colecionadores. Esses investimentos são bons para a diversificação, pois têm correlação muito baixa com os mercados convencionais e historicamente apresentam boa rentabilidade”, explica Oswaldo Sena, CFP, planejador financeiro certificado pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF).

Embora seja possível enxergar esses bens apenas como investimentos, Sena recomenda que quem desejar investir em ativos “de paixão” de fato tenha pelo menos um mínimo de interesse no assunto. Como são mercados baseados na avaliação de especialistas e certificados de autenticidade, é recomendado que o investidor tenha interesse ao menos em aprender alguma coisa, para não ficar totalmente perdido.

Interessado, ou ao menos curioso? Veja então a seguir como funciona o investimento em selos raros, o que é levado em conta na hora de avaliar esses ativos e os riscos da aplicação:

Qual o valor de um selo?

Selos não têm valor intrínseco, e a primeira coisa que o investidor deve saber sobre a precificação é que alguns selos valem milhões, enquanto outros não têm valor algum. Os selos voltados para investimento são os selos raros, que têm grau de investimento e estão em boas condições.

A raridade de um selo pode ser conferida pela forma como ele foi cortado, por um carimbo feito de maneira diferente, pelo fato de serem vários em uma mesma folha ou mesmo por causa de um erro. Alguns dos selos mais raros e valiosos do mundo foram impressos na cor errada ou sem o valor de face. Em função dessas falhas, foram destruídos, e apenas pouquíssimos sobraram no mundo. Conheça alguns dos selos mais valiosos e raros do mundo.

Selos raros podem se valorizar justamente por sua raridade e por serem cobiçados por colecionadores que se voltam especificamente para eles. Mas quem os precifica são especialistas em filatelia renomados, que precisam certificar sua autenticidade e avaliar as condições do selo e da goma atrás do papel.

“Selos têm DNA”, diz Keith Heddle, diretor de investimentos da Stanley Gibbons. Nascida em 1856, a companhia detém, desde 1914, o Royal Warrant, certificado de excelência concedido a pessoas e instituições que prestam serviços ou fornecem bens à Coroa Britânica. Não se trata de uma instituição financeira, mas de uma espécie de merchand que avalia, compra e vende os selos para investidores, inclusive organizando leilões. A empresa também oferece outros colecionáveis, como moedas, autógrafos e documentos históricos.


A Stanley Gibbons conta com filatelistas para fazer as avaliações, e anualmente elabora um catálogo de preços, que serve de base para muitos colecionadores, bem como para outras casas de leilão. Além disso, oferece aos seus clientes uma Garantia Vitalícia de Autenticidade em todos os seus selos raros.

“Há pessoas que vendem falsificações, há muitas delas por aí, e algumas são muito bem feitas. O investidor precisa confiar na companhia ou no indivíduo de quem está comprando, e necessita de um certificado que garanta que o selo é genuíno”, alerta Nick Salter, do site britânico Philatelic Investor, que dá aconselhamento financeiro a colecionadores de selos.

Quanto tempo leva para ganhar dinheiro?

De acordo com Keith Heddle, o investidor deve compreender que selos raros são investimentos de longo prazo – algo como cinco ou dez anos, pelo menos – e que os retornos podem ser desiguais e lentos. O valor de um selo pode ficar estagnado por anos e de repente dar uma guinada para cima. Além disso, é um investimento que não gera renda e que tem liquidez bem baixa, pois pode ser demorado achar um comprador ou promover um leilão.

“Não estamos nem no ‘bull market’, nem no ‘bear market’. Este é o ‘turtle market’”, diz Heddle, referindo-se à forma como os anglófonos se referem ao mercado de ações em alta (bull) e em baixa (bear). O “turtle market” seria algo como o mercado da tartaruga – devagar e sempre.

A Stanley Gibbons já conta com uma representação no Rio de Janeiro, preparada para oferecer o investimento em selos raros para brasileiros. Por ora, a companhia ainda não tem clientes no Brasil, mas pretende oferecer duas modalidades de investimento: uma carteira de selos e moedas que pode durar cinco, dez ou quinze anos, e um portfólio flexível, que pode receber aportes ou sofrer resgates praticamente a qualquer momento.

Quanto rende?

A companhia elaborou dois índices para o mercado de selos, listados na plataforma Bloomberg Professional: o Índice de Raridades GB30, que lista os 30 selos mais raros do Reino Unido, teve um crescimento composto de 10,1% ao ano nos últimos 40 anos, e um acumulado de quase 70% só nos últimos cinco anos; já o Índice de Raridades GB250, que reúne os 250 selos mais raros do Reino Unido, teve crescimento composto de 13,4% ao ano nos últimos onze anos.

Em 2008, ano emblemático da última crise mundial, o GB30 se elevou 38,6%. “Naquele ano, os investidores não quiseram se desfazer de seus selos, pois não tinham outros investimentos para pôr o dinheiro resultante da venda. Os selos serviram de proteção para suas carteiras”, explica Keith Heddle.


Por sinal, foi a partir dessa crise que a Stanley Gibbons passou a oferecer selos raros mais fortemente como um investimento, uma vez que foi nessa época que o ativo se tornou mais atraente como forma de diversificação. Antes disso, contudo, o discurso da empresa era mais focado em selos como hobby, e não como investimento tangível.

Embora as altas pareçam consistentes, é preciso ter em mente que a valorização dos selos não é constante e homogênea. “A valorização pode ficar entre 8% e 12% ao ano no longo prazo, mas em alguns anos é possível que os preços fiquem estagnados ou até caiam. A valorização média é que é boa”, explica Nick Salter.

É preciso ser milionário para investir?

Não existe uma real restrição financeira para investir em selos raros. De acordo com Keith Heddle, a Stanley Gibbons oferece, no Brasil, a possibilidade de começar uma carteira de selos com apenas 30 mil reais. O preço de um selo com grau de investimento costuma variar de alguns milhares de reais a centenas de milhares de reais.

No entanto, normalmente quem procura investimentos alternativos são os investidores considerados qualificados (com mais de 300 mil reais em aplicações financeiras) ou superqualificados (com mais de um milhão de reais para investir). Em função disso, o produto costuma ser oferecido para clientes de Private Banks e Family Offices.

“O investimento em colecionáveis é uma forma de diversificação para pessoas que já têm outros investimentos. Se é alguém que tem 100 mil dólares para investir, pode ser uma boa ideia destinar 10% para colecionáveis. Já se a pessoa só tiver 10 mil dólares, não seria sábio pôr todo esse dinheiro em colecionáveis”, pondera Nick Salter.

Keith Heddle conta que, entre os clientes da Stanley Gibbons, há desde famílias poupando para a aposentadoria ou para a posteridade a jovens empreendedores, empresários e investidores sofisticados que desejam diversificar seu portfólio. Além dos britânicos, australianos e chineses gostam muito desse tipo de investimento. Bill Gross, fundador da PIMCO, uma das maiores gestoras de investimentos do mundo, é um famoso colecionador, assim como o megainvestidor Warren Buffett, que, no entanto, não enxerga o ativo como um investimento.

Quais são os riscos?

Apesar do histórico consistente de retornos, o investimento em selos raros tem diversos riscos que não devem ser ignorados, mesmo quando realizado por meio de instituições idôneas e altamente especializadas – além da Stanley Gibbons, casas como a Christie’s, a Harmers e a Sotheby’s também realizam leilões desses bens.

1. Difícil precificação: Esse mercado é baseado na avaliação de especialistas, e a menos que o investidor seja um, ele terá pouca capacidade de avaliar se os selos raros estão precificados corretamente. Assim, se aventurar a fazer esse investimento sem o aconselhamento de profissionais pode ser profundamente arriscado.

2. Selos também podem desvalorizar: selos realmente valem o que se está disposto a pagar por eles. Assim, como no caso da maioria dos demais investimentos, o valor dos selos tanto pode subir quanto cair ou permanecer exatamente o mesmo. Além disso, o mercado está sujeito a algumas distorções. Investidores mais “excêntricos”, por exemplo, podem estar dispostos a pagar muito mais do que o mercado em média pagaria, inflando o preço de um selo artificialmente.


Nos anos 1970, por exemplo, formou-se uma bolha de selos britânicos, uma vez que os investidores passaram a procurar investimentos alternativos face à inflação e ao colapso do mercado acionário na época. De acordo do Keith Heddle, não se tratava do mercado de selos raros, mas sim o de selos em geral, mais comumente comercializados, como o Postal Union Congress (PUC), um dos selos britânicos mais conhecidos.

“Não nunca ofereceríamos este selo como investimento”, diz Heddle. “A bolha não ocorreu entre os selos raros e preciosos que nós vendemos a investidores”, atesta, embora admita que a bolha no mercado mais “geral” acarretou uma relativa estagnação no mercado de selos como um todo, que vem se recuperando desde então.

3. O mercado é pouco regulado: um selo raro é um bem, não um valor mobiliário, por isso não está sujeito à regulação de órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O investimento também costuma se dar diretamente, e não por meio de fundos, o que faz com que eles também não estejam sujeitos às entidades reguladoras de fundos.

4. Possível conflito de interesses: uma suspeita comum dos investidores é o conflito de interesses, uma vez que quem precifica os selos pode ser a mesma instituição que os vende, como no caso da Stanley Gibbons. Keith Heddle, no entanto, lembra que a companhia não só passa por auditoria contábil independente, por ser listada em Bolsa, como também é auditada anualmente por um membro da Royal Philatelic Society, a Sociedade Filatelista Real britânica, que avalia se suas precificações estão corretas.

Há quem argumente que a Stanley Gibbons pode precificar todo o mercado de selos raros por meio de seus catálogos de preços anuais, e que portanto ela teria sempre o interesse de jogar os preços para cima. Mas o diretor de investimentos da companhia se defende: “O mercado de selos raros movimenta 10 bilhões de dólares ao ano, enquanto que a Stanley Gibbons tem apenas cerca de 150 milhões de dólares sob gestão”, diz Heddle.

5. Falta de liquidez: o mercado de selos raros é relativamente pequeno e a falta de liquidez pode ser um problema, pois a dificuldade de vender um selo pode até mesmo derrubar seu preço. Além disso, existe incerteza sobre por quanto tempo o hobby de se colecionar selos pode perdurar, uma vez que vem caindo em desuso em muitos países.

Mas há mercados que só agora começam a brilhar. Segundo Keith Heddle, a China, por exemplo, tem visto um crescimento no número de colecionadores, uma vez que por muito tempo a atividade foi banida do país por ser considerada burguesa. Outro mercado que tem visto crescimento é a Índia.

Contudo, a falta de liquidez também pode ser uma aliada, uma vez que não permite, por exemplo, que o mercado entre em pânico e comece a vender os ativos às pressas, derrubando ainda mais os preços.

6. Custos: ao investir em bens tangíveis é preciso prestar atenção aos custos das transações de compra e venda, para que a aplicação não se torne inviável. Investimentos de “paixão” podem gerar custos com seguro da coleção, armazenamento, avaliação e leilões, por exemplo. Além disso, há o imposto de renda de 15% sobre o ganho de capital na hora da venda.

No caso de quem investe pela Stanley Gibbons, não existem taxas para esses serviços, e o armazenamento e o seguro ficam por conta da companhia. Em compensação, há uma comissão de 20% sobre o lucro na hora da venda.

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