Minhas Finanças

Como proteger bens e investimentos em caso de divórcio

Um pacto pré ou pós-nupcial garante que a partilha em caso de separação seja da forma que o casal desejar

Paul McCartney e Heather Mills: sem pacto pré-nupcial, união de 4 anos rendeu a ela 49 milhões de dólares. (Joe Dunne/Getty Images)

Paul McCartney e Heather Mills: sem pacto pré-nupcial, união de 4 anos rendeu a ela 49 milhões de dólares. (Joe Dunne/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 27 de fevereiro de 2011 às 15h02.

São Paulo - Pacto pré-nupcial pode parecer coisa de novela, de milionário ou de gente derrotista que já se casa pensando em separar. Todos esses preconceitos tornam o assunto um tabu, mas a verdade é que esse tipo de acordo nada mais é que um planejamento financeiro no caso de uma eventualidade, podendo facilitar a vida de quem possui aplicações financeiras anteriores ao casamento ou pretende adquirir bens ao longo da vida.

Às vésperas das bodas, o casal quer que tudo literalmente saia como um som de Tim Maia (“não quero dinheiro, só quero amar”) e espera ser feliz para sempre. E de fato muita gente consegue. Divorciar-se felizmente ainda é bem menos comum do que casar. Em 2009, último dado disponível, para cada processo de divórcio houve cinco casamentos. Mas se algo der errado, o desgaste emocional pode vir acompanhado da intensa dor de cabeça advinda da disputa pelos bens, e é possível que um dos cônjuges saia bastante prejudicado.

O regime padrão, de acordo com a lei brasileira, pode parecer razoável para a maioria das pessoas. A comunhão parcial de bens pressupõe que é partilhável apenas o que for adquirido a título oneroso durante o casamento - excluindo-se, portanto, doações, heranças e o que for comprado com esses recursos. Ou seja, em tese, o casal divide irmamente o que já fazia parte do patrimônio familiar, mesmo que apenas um dos cônjuges tenha pago as prestações da casa ou posto dinheiro na poupança. Quem não faz um pacto antenupcial ou opta pela união estável, é “automaticamente” enquadrado nesse regime de bens.

Mas numa época em que homens e mulheres já são capazes de construir uma carreira e adquirir seus bens com o fruto do próprio suor, o tiro pode sair pela culatra. As famílias mudaram - a proporção de casamentos em que pelo menos um dos cônjuges era divorciado ou viúvo cresceu de 10,6% em 1999 para 17,6% do total de uniões em 2009. Além disso, os jovens, principalmente da classe média, têm cada vez mais noção de que planejamento financeiro é importante, e começam a investir e a planejar sua aposentadoria muito antes de pensarem em casar.

A clássica fórmula poupança + casa própria que marcou, por muito tempo, o estilo de vida da classe média brasileira está ganhando novas variáveis. Entenda, a seguir, por que o novo cenário requer uma nova maneira de encarar casamentos e divórcios.

Aplicações financeiras anteriores ao casamento: Se antes de casar em comunhão parcial um dos cônjuges tiver dinheiro aplicado em uma poupança, um fundo ou qualquer outro tipo de investimento, é claro que esse montante não será partilhado em caso de divórcio. Porém, todos os aportes realizados por essa pessoa durante o casamento, bem como a rentabilidade do período poderão, pela lei, ser divididos meio a meio se o casamento acabar. Ainda que o outro cônjuge jamais tenha contribuído com um centavo.


Fundos de previdência privada abertos: O entendimento dos juízes nos processos de partilha tem sido o de não partilhar o montante que os cônjuges possuem aplicado em um fundo de pensão. Isso porque não é possível mexer nessa aplicação a qualquer momento, e parte do valor foi aplicado pela empresa em que o beneficiário trabalha. Mas os fundos de previdência privada abertos (PGBL e VGBL) têm sido encarados como aplicações financeiras comuns, apesar da finalidade previdenciária. Sendo assim, se um jovem de 21 anos começa a aplicar nesse tipo de produto, se casa aos 30 e se divorcia aos 50, todos os aportes realizados nesses 20 anos e a rentabilidade do fundo durante esse período deverão ser partilhados, mesmo que o resgate seja feito apenas quando ele se aposentar. “Entende-se que o valor aplicado mensalmente no fundo saiu do bolo familiar”, explica Fernanda Rabello, professora do curso de especialização em direito de família e sucessões da PUC-RS. É claro que a pessoa pode tentar excluir o fundo do acordo de partilha, alegando para o juiz que aquele valor serve para sua sobrevivência na aposentadoria. Mas o risco de ter que dividir é grande.

Imóveis anteriores ao casamento: Um imóvel que já pertencia a um dos cônjuges antes do casamento não entra na partilha na comunhão parcial. “Em tese, se a pessoa vender esse imóvel depois de casada e comprar outro com os mesmos recursos, o segundo imóvel continua não entrando na partilha”, diz o desembargador Guilherme Calmon, professor de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mas se o imóvel render aluguéis para o proprietário, a história é outra. Aí ele passa a ser encarado como um investimento, e metade dos aluguéis auferidos durante o casamento poderão ser partilhados.

FGTS: Por incrível que pareça, sim, o FGTS pode ser partilhado no regime de comunhão parcial de bens. Mas apenas se um dos cônjuges receber o dinheiro enquanto ainda estiver casado. Aplicações inacessíveis ao beneficiário durante a constância do casamento não podem entrar na partilha, mas a partir do momento em que o dinheiro puder ser movimentado, ele passa a integrar o patrimônio da família. Logo, se um dos cônjuges for demitido e sacar o FGTS, esse montante e tudo o que for feito dele será partilhado em caso de divórcio. Essa regra se aplica também aos recursos provenientes de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e Programa de Demissão Voluntária (PDV).

A armadilha da pessoa jurídica

A possibilidade de perder parte dos bens adquiridos ou dos investimentos feitos por conta própria já levou muitos espertalhões a tentarem escapar da partilha “escondendo” o seu patrimônio atrás de um CNPJ. O sujeito sente que o divórcio é iminente e coloca parte do patrimônio em VGBL, que por ser um produto securitário, fica em nome da pessoa jurídica da seguradora, tendo o seu “dono” apenas como beneficiário. Quem tem empresa às vezes tenta fazer o mesmo tipo de manobra usando seu CNPJ para esconder seus bens.

O que parece uma estratégia inteligente na verdade pode ser considerado crime. O juiz certamente perceberá a má fé, principalmente se o cônjuge prejudicado também tiver essa percepção. “Alguns advogados podem alegar que isso se configura como planejamento patrimonial, mas na verdade pode ser caracterizado como fraude”, diz o Guilherme Calmon, da UERJ.

Segundo o Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), o ato pode ser enquadrado no conhecido artigo 171 do Código Penal: estelionato. Pena máxima de um a cinco anos de reclusão e multa, mas com vários atenuantes se o réu for primário e a quantia for considerada pequena, o que provavelmente seria o caso. Mesmo que a pena se restrinja a uma multa, o ardil não vai adiantar de nada. Os bens serão congelados e partilhados como devem ser.


Como planejar uma partilha

Quem já possui bens anteriores ao casamento ou pretende adquiri-los ao longo da vida pode achar muito mais fácil e interessante simplesmente fazer um pacto pré-nupcial. Por mais apaixonado que esteja, o casal pode preferir se guardar dos infortúnios, mas para isso precisa estar de acordo quanto ao regime de partilha. Esse tipo de acordo é especialmente interessante se pelo menos um dos cônjuges tiver filhos de um primeiro casamento. Caso haja um divórcio, uma casa comprada apenas pela mulher, por exemplo, não terá que ser dividida com o ex-marido, e os filhos dela poderão herdá-la.

Por meio de um pacto pré-nupcial, o casal pode optar por outro regime de bens ou mesmo criar as suas próprias regras. Até quem deseja casar em comunhão parcial de bens pode se beneficiar de um acordo, escolhendo os bens que ficariam de fora de uma partilha de divórcio. É o caso, por exemplo, do sujeito que começou a investir num plano aberto de previdência privada ainda na juventude.

A opção mais radical é a separação total de bens sem participação final nos aquestos. Esse regime é obrigatório, aliás, para quem se casa com menos de 18 ou mais de 70 anos. Na separação total convencional, nada é dividido, e se o casamento terminar, cada um leva para casa o que está no seu nome. Se um dos cônjuges falecer, porém, o outro não terá direito à herança, ao contrário do que estipula o artigo 1.829 do Código Civil. “Uma decisão da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, determinou que, mesmo contra a disposição legal, o cônjuge não vai ter direito à herança, pois essa era a vontade original do casal”, esclarece a professora Fernanda Rabello, da PUC-RS.

Em um regime de comunhão parcial, esse direito à herança está assegurado. Aquele que permanece vivo divide com os demais herdeiros os bens comuns do casal, aqueles que também seriam partilhados em caso de divórcio. Nada impede, porém, que no regime de separação total, um cônjuge realize doações voluntárias ao outro, ou o coloque como beneficiário de um seguro de vida ou previdência.

Outra opção é o regime de participação final nos aquestos. Embora raramente utilizado, esse regime pode ser bastante interessante para quem quer viver o conceito de construir uma vida juntos. Em caso de divórcio, apenas os bens adquiridos em conjunto pelo casal, os tais “aquestos”, serão partilhados. A casa que o casal comprou junto é dividida, mas o fundo de ações do marido ou o carro da mulher não entram no bolo, mesmo que não sejam anteriores ao casamento.

O acordo pré-nupcial é uma escritura feita em cartório de notas, de comum acordo e elaborada por advogados. A alteração do regime de bens após o casamento também é possível, por meio do chamado pacto pós-nupcial. Só não têm direito ao acordo os casais em união estável, que respondem, obrigatoriamente, ao regime da comunhão parcial. “A união estável é completamente informal, enquanto que o casamento tem todas as formalidades”, diz a professora da PUC-RS.

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