Como ganhar na Bolsa sem perder a cabeça
Economista comportamental explica como evitar que as emoções acabem com os planos do investidor de ganhar na bolsa e poupar para a aposentadoria
Da Redação
Publicado em 9 de maio de 2011 às 07h46.
São Paulo - Imagine-se diante de um alimento que contenha 10% de gordura e outro que seja 90% livre dela. Se você for como a maioria das pessoas, não hesitará em optar pelo segundo, ainda que na prática eles contenham rigorosamente a mesma quantidade de gordura. Para especialistas em finanças comportamentais, esse tipo de comportamento norteia decisões de compra que vão da gôndola do supermercado ao mercado de ações.
Segundo o ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2002, Daniel Kahneman, são duas as vias pelas quais opera a mente humana. De um lado, há o caminho reflexivo, analítico, que exige um esforço cognitivo. De outro, a intuição fornece julgamentos rápidos e sem nenhuma interferência do consciente.
Esses atalhos mentais são familiares e, por isso, acabam sendo acatados naturalmente. Deriva daí a ideia de que ser livre de gordura é muito mais vantajoso que contê-la – sejam quais forem as proporções aí envolvidas. Em estudo encomendado pela Allianz Global Investors, o economista comportamental Shlomo Benartzi, da Universidade da Califórnia, explica como esses “caminhos” podem atrapalhar as decisões dos investidores.
Segundo ele, no topo dos sentimentos que governam as intuições humanas, está a resposta hipernegativa à perda. “Falando psicologicamente, a dor de perder 100 dólares é aproximadamente duas vezes maior que o prazer de ganhar a mesma quantia”, escreve. Transposto para o mercado financeiro, esse temor explicaria porque as pessoas têm tendência de segurar ações que estão dando prejuízo por muito tempo, acreditando numa reviravolta improvável.
Do outro lado da moeda, uma tímida valorização já seria suficiente pra muita gente se desfazer dos papéis, inebriados pela gratificante sensação de colher algum lucro. “O erro está em não olhar o portfólio como um todo. Os investidores analisam cada ação separadamente, tomando decisões a partir dessas realidades percebidas individualmente”, afirma Benartzi.
Para o estudioso, a aversão à perda também faz com que os investidores relutem em tomar decisões de mudança. “A inércia está em jogo quando sabemos que deveríamos começar um programa de exercícios ou uma poupança para a aposentadoria, mas protelamos essa decisão porque achamos difícil dar o primeiro passo hoje”, diz o especialista.
Em suma, focamos muito mais no que podemos perder do que naquilo que podemos ganhar. E se abrir mão de uma fatia do salário de agora para uma velhice que parece tão longínqua exige muito do investidor, Benartzi dá dicas de como driblar esse impulso de procrastinação.
O passo a passo se baseia em estudos realizados pelo economista Richard Thaler, da Universidade de Chicago, que orienta os investidores a traçar um planejamento financeiro que exija um pré-comprometimento futuro. Isso porque apesar de adiarmos decisões imediatas, temos facilidade em imaginar sua execução no futuro. Afinal de contas, quem nunca prometeu cumprir as famosas resoluções de Ano Novo?
O segredo para poupar mais é aumentar sistematicamente a quantidade de dinheiro reservado diante de qualquer aumento do salário. Assim, a parcela que o investidor leva para casa nunca sofrerá uma diminuição, evitando que ele seja exposto ao sentimento de perda.
Além disso, essa taxa de contribuição deve continuar crescendo à medida que ele subir na carreira. A possibilidade de abandonar o plano a qualquer momento também aumenta o apelo à adesão. “O simples fato de poderem fazer isso, deixa os investidores mais confortáveis a respeito da possibilidade de poupar”, emenda o economista Shlomo Benartzi.
Seguindo exatamente essas diretrizes, uma companhia de médio porte norte-americana implementou o SMarT (Save More Tomorrow, ou Poupa Mais Amanhã) entre seus funcionários em 1998. O intuito era aumentar a contribuição dos trabalhadores para o plano de aposentadoria. Em três anos e meio, o percentual do salário que dedicavam à previdência privada pulou de 3,5% para 13,6%. Como resultado, programas nesse molde são hoje oferecidos por mais da metade dos grandes empregadores norte-americanos.
Benartzi sustenta que existem várias semelhanças entre a dificuldade de contribuir para a previdência e a relutância em entrar no mercado. Para combater o medo de perder no mercado de ações, a dica é aplicar pouco, e em intervalos regulares.
Ele defende que as pessoas são muito sensíveis ao chamado de "ponto de referência". E quando todo a reserva financeira é aplicada em ações de uma só tacada, esse montante vira um parâmetro de cálculo muito acessível, já que perdas e ganhos são facilmente computados.
“A mente intuitiva, guiada pelas intuições, iria responder negativamente às perdas”, diz Benartzi. Com um pouco do dinheiro sendo investido de cada vez, o investidor elimina o ponto de referência óbvio, e, por consequencia, as chances de tomar decisões irracionais guiado pelo medo de ver o dinheiro escorrer pelo ralo.
Timing para comprar e vender
Comprar ações na baixa e vendê-las na alta. Repetida em exaustão, a fórmula parece simples. Segundo o estudo de Benartz, entretanto, identificar o momento exato para negociar os ativos é uma tarefa árdua. Uma pesquisa com 66.465 norte-americanos revelou que, em seis anos, os investidores mantinham inalterado apenas 25% do portfólio original. Mas as mudanças não implicaram retorno palpável – os custos das negociações diminuíram o rendimento médio em 3,7%.
Aqueles que faziam mais transações amargaram um resultado ainda pior: o resultado de alterar a carteira inteira mais que duas vezes no ano foi uma redução de 10,3% nos lucros.
Para Benartzi, os movimentos do mercado fogem à exclusiva correção lógica: até a derrota de um time de futebol em uma competição mundial consegue afetar o desempenho do Bolsa. “A maioria das pessoas simplesmente não tem tempo ou know how para identificar ações sobrevalorizadas ou baratas demais”, acredita.
A solução para não cair na tentação de tentar ajustar o timing e sair perdendo também se assenta no pré-comprometimento. Quem conta com a ajuda de um consultor financeiro, por exemplo, pode discutir com muita antecedência a decisão a ser tomada no caso de tombos ou valorizações da ordem de 25%.
Na opinião de Benartzi, balancear o investimento com aplicações conservativas e um pouco mais arriscadas seria o primeiro passo para se resguardar. No caso do mercado afundar, o brasileiro que tiver alocado um bocado do portfólio na renda fixa contará com a garantia de receber os generosos juros pagos pelos títulos do governo, ao invés de perder tudo.
Em segundo lugar, uma componente psicológica que ajuda o investidor a se ater ao plano pré-concebido é a assinatura de um papel que descreva essa estratégia, o que também deve ser feito por seu agente de investimentos. “A formalização não servirá como um contrato legal”, explica Benartzi. “Mas o simples fato de colocar tudo na ponta do lápis ajudará as duas partes a resistirem aos impulsos intuitivos.”
São Paulo - Imagine-se diante de um alimento que contenha 10% de gordura e outro que seja 90% livre dela. Se você for como a maioria das pessoas, não hesitará em optar pelo segundo, ainda que na prática eles contenham rigorosamente a mesma quantidade de gordura. Para especialistas em finanças comportamentais, esse tipo de comportamento norteia decisões de compra que vão da gôndola do supermercado ao mercado de ações.
Segundo o ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2002, Daniel Kahneman, são duas as vias pelas quais opera a mente humana. De um lado, há o caminho reflexivo, analítico, que exige um esforço cognitivo. De outro, a intuição fornece julgamentos rápidos e sem nenhuma interferência do consciente.
Esses atalhos mentais são familiares e, por isso, acabam sendo acatados naturalmente. Deriva daí a ideia de que ser livre de gordura é muito mais vantajoso que contê-la – sejam quais forem as proporções aí envolvidas. Em estudo encomendado pela Allianz Global Investors, o economista comportamental Shlomo Benartzi, da Universidade da Califórnia, explica como esses “caminhos” podem atrapalhar as decisões dos investidores.
Segundo ele, no topo dos sentimentos que governam as intuições humanas, está a resposta hipernegativa à perda. “Falando psicologicamente, a dor de perder 100 dólares é aproximadamente duas vezes maior que o prazer de ganhar a mesma quantia”, escreve. Transposto para o mercado financeiro, esse temor explicaria porque as pessoas têm tendência de segurar ações que estão dando prejuízo por muito tempo, acreditando numa reviravolta improvável.
Do outro lado da moeda, uma tímida valorização já seria suficiente pra muita gente se desfazer dos papéis, inebriados pela gratificante sensação de colher algum lucro. “O erro está em não olhar o portfólio como um todo. Os investidores analisam cada ação separadamente, tomando decisões a partir dessas realidades percebidas individualmente”, afirma Benartzi.
Para o estudioso, a aversão à perda também faz com que os investidores relutem em tomar decisões de mudança. “A inércia está em jogo quando sabemos que deveríamos começar um programa de exercícios ou uma poupança para a aposentadoria, mas protelamos essa decisão porque achamos difícil dar o primeiro passo hoje”, diz o especialista.
Em suma, focamos muito mais no que podemos perder do que naquilo que podemos ganhar. E se abrir mão de uma fatia do salário de agora para uma velhice que parece tão longínqua exige muito do investidor, Benartzi dá dicas de como driblar esse impulso de procrastinação.
O passo a passo se baseia em estudos realizados pelo economista Richard Thaler, da Universidade de Chicago, que orienta os investidores a traçar um planejamento financeiro que exija um pré-comprometimento futuro. Isso porque apesar de adiarmos decisões imediatas, temos facilidade em imaginar sua execução no futuro. Afinal de contas, quem nunca prometeu cumprir as famosas resoluções de Ano Novo?
O segredo para poupar mais é aumentar sistematicamente a quantidade de dinheiro reservado diante de qualquer aumento do salário. Assim, a parcela que o investidor leva para casa nunca sofrerá uma diminuição, evitando que ele seja exposto ao sentimento de perda.
Além disso, essa taxa de contribuição deve continuar crescendo à medida que ele subir na carreira. A possibilidade de abandonar o plano a qualquer momento também aumenta o apelo à adesão. “O simples fato de poderem fazer isso, deixa os investidores mais confortáveis a respeito da possibilidade de poupar”, emenda o economista Shlomo Benartzi.
Seguindo exatamente essas diretrizes, uma companhia de médio porte norte-americana implementou o SMarT (Save More Tomorrow, ou Poupa Mais Amanhã) entre seus funcionários em 1998. O intuito era aumentar a contribuição dos trabalhadores para o plano de aposentadoria. Em três anos e meio, o percentual do salário que dedicavam à previdência privada pulou de 3,5% para 13,6%. Como resultado, programas nesse molde são hoje oferecidos por mais da metade dos grandes empregadores norte-americanos.
Benartzi sustenta que existem várias semelhanças entre a dificuldade de contribuir para a previdência e a relutância em entrar no mercado. Para combater o medo de perder no mercado de ações, a dica é aplicar pouco, e em intervalos regulares.
Ele defende que as pessoas são muito sensíveis ao chamado de "ponto de referência". E quando todo a reserva financeira é aplicada em ações de uma só tacada, esse montante vira um parâmetro de cálculo muito acessível, já que perdas e ganhos são facilmente computados.
“A mente intuitiva, guiada pelas intuições, iria responder negativamente às perdas”, diz Benartzi. Com um pouco do dinheiro sendo investido de cada vez, o investidor elimina o ponto de referência óbvio, e, por consequencia, as chances de tomar decisões irracionais guiado pelo medo de ver o dinheiro escorrer pelo ralo.
Timing para comprar e vender
Comprar ações na baixa e vendê-las na alta. Repetida em exaustão, a fórmula parece simples. Segundo o estudo de Benartz, entretanto, identificar o momento exato para negociar os ativos é uma tarefa árdua. Uma pesquisa com 66.465 norte-americanos revelou que, em seis anos, os investidores mantinham inalterado apenas 25% do portfólio original. Mas as mudanças não implicaram retorno palpável – os custos das negociações diminuíram o rendimento médio em 3,7%.
Aqueles que faziam mais transações amargaram um resultado ainda pior: o resultado de alterar a carteira inteira mais que duas vezes no ano foi uma redução de 10,3% nos lucros.
Para Benartzi, os movimentos do mercado fogem à exclusiva correção lógica: até a derrota de um time de futebol em uma competição mundial consegue afetar o desempenho do Bolsa. “A maioria das pessoas simplesmente não tem tempo ou know how para identificar ações sobrevalorizadas ou baratas demais”, acredita.
A solução para não cair na tentação de tentar ajustar o timing e sair perdendo também se assenta no pré-comprometimento. Quem conta com a ajuda de um consultor financeiro, por exemplo, pode discutir com muita antecedência a decisão a ser tomada no caso de tombos ou valorizações da ordem de 25%.
Na opinião de Benartzi, balancear o investimento com aplicações conservativas e um pouco mais arriscadas seria o primeiro passo para se resguardar. No caso do mercado afundar, o brasileiro que tiver alocado um bocado do portfólio na renda fixa contará com a garantia de receber os generosos juros pagos pelos títulos do governo, ao invés de perder tudo.
Em segundo lugar, uma componente psicológica que ajuda o investidor a se ater ao plano pré-concebido é a assinatura de um papel que descreva essa estratégia, o que também deve ser feito por seu agente de investimentos. “A formalização não servirá como um contrato legal”, explica Benartzi. “Mas o simples fato de colocar tudo na ponta do lápis ajudará as duas partes a resistirem aos impulsos intuitivos.”