5 razões para ficar fora de IPOs
Estudo da gestora de recursos Rio Bravo mostra por que quem investe em ações de empresas que estão chegando à bolsa costuma se dar mal
Da Redação
Publicado em 30 de dezembro de 2013 às 10h29.
São Paulo - Ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) são um grande negócio para o dono da empresa que vende os papéis, para os bancos de investimento que assessoram as operações e para a BM&FBovespa. Para o investidor, no entanto, apostar em uma estreante da bolsa costuma ser um péssimo negócio no Brasil, segundo estudo da gestora Rio Bravo. A maioria das empresas brasileiras que abriu seu capital entre 2004 e 2008 viu suas ações acumularem desempenho inferior ao do Ibovespa. Na raiz do desempenho ruim, estariam conflitos de interesse entre bancos coordenadores de IPOs, empresas e investidores.
Das 110 empresas analisadas, apenas 24% tiveram retorno excedente ao Ibovespa. Já as perdas superaram 50% em alguns casos. Entre os bancos coordenadores de IPOs, os que acumularam os piores resultados foram o JPMorgan e o Morgan Stanley. Cada um coordenou cinco IPOs, cujos desempenhos ficaram, em média, 21% e 22% abaixo do Ibovespa a cada ano. O único banco que apresentou um resultado positivo para os IPOs que coordenou foi o Itaú BBA. Mesmo assim, suas sete ofertas iniciais tiveram, no total, um retorno anual apenas 1% maior que o do Ibovespa.
De acordo com o coordenador do estudo e analista de investimentos em renda variável da Rio Bravo, Fernando Bevilacqua e Fanchin, não é que os investidores devam abolir as ações de IPOs de suas carteiras. O estudo, pelo contrário, defende que a abertura de capital das empresas é essencial para o desenvolvimento econômico do país. No entanto, o investidor precisa observar com maior atenção se a empresa apresenta sólido histórico de resultados e tem potencial de gerar bons retornos.
"Preciso ter em mente que, quando eu compro uma ação, estou me tornando sócio de um negócio. Ele deve ser competitivo, rentável, com boas perspectivas no mercado. Além disso, a ação deve ter um preço justo", explica o analista. "E o investidor também deve estar atento aos conflitos de interesse envolvidos naquele IPO'', conclui.
5 razões para ficar fora
O principal motivo para o mau desempenho dos IPOs brasileiros estaria relacionado ao preço e ao volume elevados das ofertas de ações iniciais. Nos IPOs, os bancos de investimento são responsáveis por propor uma faixa indicativa de preço para as ações condizente com seu tamanho e potencial de crescimento. A faixa é estabelecida pelo banco após meses de profunda análise do negócio.
O preço, no entanto, é formado a partir das propostas de compra apresentadas pelos investidores ( bookbuilding ). Só que os gestores de fundos e pequenos aplicadores não têm tanto tempo para avaliação nem tanto acesso à informação quanto os bancos para concluir se uma ação está barata ou cara. Como os bancos têm interesse em jogar o preço da ação para cima - porque isso vai aumentar a taxa cobrada pela assessoria da operação -, o investidor correrá um belo risco de pagar caro e depois amargar um prejuízo.
Mas o maior problema seriam os mecanismos usados para "inflar" os balanços das empresas e premiar os bancos. Um desses mecanismos é o pre-IPO financing, empréstimo que as empresas fazem junto aos bancos para reforçar seus balanços e deixar a emissão mais atrativa para o investidor. Não há nada de errado com o financiamento da empresa por si só.
O problema, segundo a Rio Bravo, é quando ele é determinante para torná-la apta a estrear na bolsa. "Sem esse financiamento, a companhia possivelmente não abriria seu capital", diz o estudo. Para o investidor, essa prática representa um enorme risco. Estudo dos acadêmicos da USP Rafael Santos, Alexandre Silveira e Lucas Barros constatou que as empresas que utilizaram o pré-IPO financing para chegar à bolsa entre 2004 e 2007 valiam, em média 64% menos um ano depois do lançamento dos papéis.
Em alguns casos, esse tipo de financiamento vem acompanhado de outro mecanismo, chamado equity kicker - um prêmio que o banco recolhe sobre a variação do valor da companhia antes e depois do IPO, o que incentiva ainda mais ofertas iniciais com valor elevado. Com esse mecanismo, o banco se apropriaria da valorização da empresa no período pré-IPO. "Por misturar os papéis do banco de intermediário e principal na mesma transação, esta é a mãe de todos os conflitos de interesse", afirma o estudo da Rio Bravo.
Embora não tenha sido possível traçar uma relação consistente entre o mau desempenho das ofertas iniciais de ações e o pre-IPO financing com equity kicker devido ao tamanho reduzido da amostra, das seis companhias que utilizaram esses mecanismos, apenas uma teve retorno acima do Ibovespa. De acordo com Fernando Bevilacqua e Fanchin, a remuneração dos bancos por comissão parece ser inevitável por falta de uma maneira melhor de recompensá-los. Mas o investidor deve, ainda assim, ficar atento a esses outros mecanismos ao analisar ofertas iniciais de ações.
"Esses conflitos de interesses já são bem conhecidos em outros países. Existe uma influência negativa desse tipo de mecanismo no desempenho das ações, com uma atuação provavelmente menos isenta do banco. A partir do momento em que o banco está incentivado a ganhar de outras maneiras que não apenas com as comissões, também fica incentivado a fazer ofertas caras, pouco interessando se aquele ativo é bom ou não", diz o analista.
Empresas pré-operacionais
O terceiro motivo para ficar fora de um IPO não envolve os bancos de investimento, mas a própria empresa vendedora dos papéis. A Rio Bravo constatou que é necessária muita cautela quando o IPO é realizado por uma empresa pré-operacional - isto é, que ainda não produziu resultados. O mais seguro quando se aposta em um IPO é procurar uma empresa de longo e sólido histórico.
Embora o tamanho reduzido da amostra também não tenha permitido a formação de uma estatística consistente nesse sentido, o estudo da Rio Bravo mostra que, das sete empresas pré-operacionais que abriram o capital entre 2004 e 2008, apenas duas - a MMX e a OGX, do empresário Eike Batista - tiveram retorno acima do Ibovespa. O pior resultado da amostra total da pesquisa, aliás, foi de uma empresa que era pré-operacional, a Ecodiesel, cujo retorno ficou 62% abaixo do Ibovespa.
"Nós achamos inseguro investir numa empresa que não tem histórico, pois não temos como saber se o projeto vai de fato acontecer ou se a empresa vai dar certo ou não. Principalmente para o investidor pessoa física é um grande risco investir em um negócio que ainda é apenas um plano", avalia o coordenador do estudo. Para ele, receber o investimento de um fundo de private equity seria o caminho mais natural para que essas empresas primeiro se tornassem aptas a abrir o capital para só depois acessar a bolsa.
O quarto problema identificado pela Rio Bravo é o viés do relatório de início de cobertura da empresa feito pela corretora do banco coordenador. A maioria dos relatórios publicados poucas semanas depois dos IPOs de 2004 a 2007 recomendava "compra" dos papéis da empresa que acabava de chegar à bolsa, com potencial médio de valorização de 56% para as ações. "A maior parte dos analistas equivocou-se sensivelmente em suas projeções de retorno", diz o relatório da Rio Bravo.
"Parte desses equívocos pode ser explicada pela abrupta mudança nas condições macroeconômicas provocadas pela crise financeira de 2007/2008. Poucos esperavam uma desvalorização tão expressiva das bolsas mundiais. Este fato, porém, não é suficiente para invalidar a seguinte conclusão: tomar decisões de investimento com base em relatórios de início de cobertura não parece ser prudente", escreve o analista Fernando Bevilacqua e Fanchin.
O último problema dos IPOs é um fenômeno conhecido como " underpricing " - ou a diferença percentual entre o preço de fechamento da ação no primeiro dia de negócios e o valor inicial da oferta. Em geral, o " underpricing " é maior sempre que há muita demanda por determinadas ações. Nesses casos, para conseguir todos os papéis que reserva no IPO, o investidor é obrigado a propor a compra da ação por um preço bastante elevado. Nos primeiros dias de negócio, é comum que a ação suba ainda mais e gere lucros para o investidor. Foi o que aconteceu nas ofertas iniciais de BM&F, Bovespa e Redecard. No longo prazo, no entanto, o mercado volta à racionalidade, e papéis que saíram caro acabam oferecendo retornos pouco interessantes a quem os comprou.
Tantos problemas levaram a uma retração significativa no mercado de IPOs neste ano. Diversas empresas já cancelaram ofertas planejadas. No entanto, ainda parece cedo para dizer que os bancos de investimentos sacrificaram o crescimento de longo prazo ao embolsar lucros gordos entre 2004 e 2008. Apesar de mais seletivos, os próprios investidores precisam de mais opções de investimento. A BM&FBovespa possui 452 empresas listadas, contra 3.650 companhias abertas na Índia, 2.560 no Reino Unidos e 1.760 na China. Essa diferença precisa diminuir para que os investidores brasileiros possam parar de "pescar em um lago pequeno", diz a Rio Bravo.
São Paulo - Ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) são um grande negócio para o dono da empresa que vende os papéis, para os bancos de investimento que assessoram as operações e para a BM&FBovespa. Para o investidor, no entanto, apostar em uma estreante da bolsa costuma ser um péssimo negócio no Brasil, segundo estudo da gestora Rio Bravo. A maioria das empresas brasileiras que abriu seu capital entre 2004 e 2008 viu suas ações acumularem desempenho inferior ao do Ibovespa. Na raiz do desempenho ruim, estariam conflitos de interesse entre bancos coordenadores de IPOs, empresas e investidores.
Das 110 empresas analisadas, apenas 24% tiveram retorno excedente ao Ibovespa. Já as perdas superaram 50% em alguns casos. Entre os bancos coordenadores de IPOs, os que acumularam os piores resultados foram o JPMorgan e o Morgan Stanley. Cada um coordenou cinco IPOs, cujos desempenhos ficaram, em média, 21% e 22% abaixo do Ibovespa a cada ano. O único banco que apresentou um resultado positivo para os IPOs que coordenou foi o Itaú BBA. Mesmo assim, suas sete ofertas iniciais tiveram, no total, um retorno anual apenas 1% maior que o do Ibovespa.
De acordo com o coordenador do estudo e analista de investimentos em renda variável da Rio Bravo, Fernando Bevilacqua e Fanchin, não é que os investidores devam abolir as ações de IPOs de suas carteiras. O estudo, pelo contrário, defende que a abertura de capital das empresas é essencial para o desenvolvimento econômico do país. No entanto, o investidor precisa observar com maior atenção se a empresa apresenta sólido histórico de resultados e tem potencial de gerar bons retornos.
"Preciso ter em mente que, quando eu compro uma ação, estou me tornando sócio de um negócio. Ele deve ser competitivo, rentável, com boas perspectivas no mercado. Além disso, a ação deve ter um preço justo", explica o analista. "E o investidor também deve estar atento aos conflitos de interesse envolvidos naquele IPO'', conclui.
5 razões para ficar fora
O principal motivo para o mau desempenho dos IPOs brasileiros estaria relacionado ao preço e ao volume elevados das ofertas de ações iniciais. Nos IPOs, os bancos de investimento são responsáveis por propor uma faixa indicativa de preço para as ações condizente com seu tamanho e potencial de crescimento. A faixa é estabelecida pelo banco após meses de profunda análise do negócio.
O preço, no entanto, é formado a partir das propostas de compra apresentadas pelos investidores ( bookbuilding ). Só que os gestores de fundos e pequenos aplicadores não têm tanto tempo para avaliação nem tanto acesso à informação quanto os bancos para concluir se uma ação está barata ou cara. Como os bancos têm interesse em jogar o preço da ação para cima - porque isso vai aumentar a taxa cobrada pela assessoria da operação -, o investidor correrá um belo risco de pagar caro e depois amargar um prejuízo.
Mas o maior problema seriam os mecanismos usados para "inflar" os balanços das empresas e premiar os bancos. Um desses mecanismos é o pre-IPO financing, empréstimo que as empresas fazem junto aos bancos para reforçar seus balanços e deixar a emissão mais atrativa para o investidor. Não há nada de errado com o financiamento da empresa por si só.
O problema, segundo a Rio Bravo, é quando ele é determinante para torná-la apta a estrear na bolsa. "Sem esse financiamento, a companhia possivelmente não abriria seu capital", diz o estudo. Para o investidor, essa prática representa um enorme risco. Estudo dos acadêmicos da USP Rafael Santos, Alexandre Silveira e Lucas Barros constatou que as empresas que utilizaram o pré-IPO financing para chegar à bolsa entre 2004 e 2007 valiam, em média 64% menos um ano depois do lançamento dos papéis.
Em alguns casos, esse tipo de financiamento vem acompanhado de outro mecanismo, chamado equity kicker - um prêmio que o banco recolhe sobre a variação do valor da companhia antes e depois do IPO, o que incentiva ainda mais ofertas iniciais com valor elevado. Com esse mecanismo, o banco se apropriaria da valorização da empresa no período pré-IPO. "Por misturar os papéis do banco de intermediário e principal na mesma transação, esta é a mãe de todos os conflitos de interesse", afirma o estudo da Rio Bravo.
Embora não tenha sido possível traçar uma relação consistente entre o mau desempenho das ofertas iniciais de ações e o pre-IPO financing com equity kicker devido ao tamanho reduzido da amostra, das seis companhias que utilizaram esses mecanismos, apenas uma teve retorno acima do Ibovespa. De acordo com Fernando Bevilacqua e Fanchin, a remuneração dos bancos por comissão parece ser inevitável por falta de uma maneira melhor de recompensá-los. Mas o investidor deve, ainda assim, ficar atento a esses outros mecanismos ao analisar ofertas iniciais de ações.
"Esses conflitos de interesses já são bem conhecidos em outros países. Existe uma influência negativa desse tipo de mecanismo no desempenho das ações, com uma atuação provavelmente menos isenta do banco. A partir do momento em que o banco está incentivado a ganhar de outras maneiras que não apenas com as comissões, também fica incentivado a fazer ofertas caras, pouco interessando se aquele ativo é bom ou não", diz o analista.
Empresas pré-operacionais
O terceiro motivo para ficar fora de um IPO não envolve os bancos de investimento, mas a própria empresa vendedora dos papéis. A Rio Bravo constatou que é necessária muita cautela quando o IPO é realizado por uma empresa pré-operacional - isto é, que ainda não produziu resultados. O mais seguro quando se aposta em um IPO é procurar uma empresa de longo e sólido histórico.
Embora o tamanho reduzido da amostra também não tenha permitido a formação de uma estatística consistente nesse sentido, o estudo da Rio Bravo mostra que, das sete empresas pré-operacionais que abriram o capital entre 2004 e 2008, apenas duas - a MMX e a OGX, do empresário Eike Batista - tiveram retorno acima do Ibovespa. O pior resultado da amostra total da pesquisa, aliás, foi de uma empresa que era pré-operacional, a Ecodiesel, cujo retorno ficou 62% abaixo do Ibovespa.
"Nós achamos inseguro investir numa empresa que não tem histórico, pois não temos como saber se o projeto vai de fato acontecer ou se a empresa vai dar certo ou não. Principalmente para o investidor pessoa física é um grande risco investir em um negócio que ainda é apenas um plano", avalia o coordenador do estudo. Para ele, receber o investimento de um fundo de private equity seria o caminho mais natural para que essas empresas primeiro se tornassem aptas a abrir o capital para só depois acessar a bolsa.
O quarto problema identificado pela Rio Bravo é o viés do relatório de início de cobertura da empresa feito pela corretora do banco coordenador. A maioria dos relatórios publicados poucas semanas depois dos IPOs de 2004 a 2007 recomendava "compra" dos papéis da empresa que acabava de chegar à bolsa, com potencial médio de valorização de 56% para as ações. "A maior parte dos analistas equivocou-se sensivelmente em suas projeções de retorno", diz o relatório da Rio Bravo.
"Parte desses equívocos pode ser explicada pela abrupta mudança nas condições macroeconômicas provocadas pela crise financeira de 2007/2008. Poucos esperavam uma desvalorização tão expressiva das bolsas mundiais. Este fato, porém, não é suficiente para invalidar a seguinte conclusão: tomar decisões de investimento com base em relatórios de início de cobertura não parece ser prudente", escreve o analista Fernando Bevilacqua e Fanchin.
O último problema dos IPOs é um fenômeno conhecido como " underpricing " - ou a diferença percentual entre o preço de fechamento da ação no primeiro dia de negócios e o valor inicial da oferta. Em geral, o " underpricing " é maior sempre que há muita demanda por determinadas ações. Nesses casos, para conseguir todos os papéis que reserva no IPO, o investidor é obrigado a propor a compra da ação por um preço bastante elevado. Nos primeiros dias de negócio, é comum que a ação suba ainda mais e gere lucros para o investidor. Foi o que aconteceu nas ofertas iniciais de BM&F, Bovespa e Redecard. No longo prazo, no entanto, o mercado volta à racionalidade, e papéis que saíram caro acabam oferecendo retornos pouco interessantes a quem os comprou.
Tantos problemas levaram a uma retração significativa no mercado de IPOs neste ano. Diversas empresas já cancelaram ofertas planejadas. No entanto, ainda parece cedo para dizer que os bancos de investimentos sacrificaram o crescimento de longo prazo ao embolsar lucros gordos entre 2004 e 2008. Apesar de mais seletivos, os próprios investidores precisam de mais opções de investimento. A BM&FBovespa possui 452 empresas listadas, contra 3.650 companhias abertas na Índia, 2.560 no Reino Unidos e 1.760 na China. Essa diferença precisa diminuir para que os investidores brasileiros possam parar de "pescar em um lago pequeno", diz a Rio Bravo.