Guimarães; "Sabemos que o app tem um limite, e que de 10% a 15%¨das pessoas beneficiadas irão recorrer às agências" (Eduardo Frazão/Exame)
Marília Almeida
Publicado em 6 de abril de 2021 às 06h23.
Última atualização em 6 de abril de 2021 às 12h22.
Começa nesta terça-feira, 6, o pagamento da nova rodada do auxílio emergencial, cuja operação é feita pela Caixa. O banco estatal apresenta uma extensa capilaridade -- são 26 mil pontos físicos espalhados pelo país -- e uma expertise no pagamento de benefícios sociais que servem como um trunfo em "operações de guerra" como essa.
Neste ano, o desafio é tão grande quanto o da primeira rodada do auxílio, iniciada cerca de um mês após o surgimento da pandemia do novo coronavírus no país, em abril de 2020. Um dos maiores desafios é zelar pela segurança de saúde dos beneficiários, uma vez que a pandemia atinge neste momento o ápice em número de casos e mortes.
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No ano passado, o banco colocou de pé, em questão de dias, uma operação que distribuiu, durante dez meses, 294 bilhões de reais para 67,9 milhões de pessoas. Para lidar com tamanha demanda, o banco atendeu clientes durante 22 sábados.
Ainda assim, a operação somente foi possível a partir de um investimento de ao menos 15 milhões de reais em tecnologia feito pelo banco entre 2019 e 2020. Sem isso, o banco estatal não teria tido capacidade para pagar o benefício, contou o CEO da Caixa, Pedro Guimarães, em entrevista à EXAME Invest.
Para 2021, um dos objetivos é reduzir as deficiências vistas no último ano: ou seja, casos de fraude, demora nos pagamentos e problemas no aplicativo utilizado para o recebimento do benefício, o Caixa Tem. "Esperamos maior organização nesta segunda rodada por diversos fatores. Aprendemos muitas lições em 2020, e de forma intensa", disse Guimarães.
As 93 viagens que Guimarães conta ter feito pelo país, em conjunto com a diretoria do banco, também foram importantes para resolver de forma mais rápida os diversos problemas que apareceram.
"Conversamos com mais de 25 mil empregados e 50 mil clientes. Muitas vezes os problemas da ponta não chegam até a matriz ou o conselho diretor. Desta forma resolvemos detalhes operacionais que eram fundamentais não em um mês, mas em um dia."
Nesta terça-feira, seus vices voltarão a viajar pelo país para acompanhar o primeiro dia do pagamento do auxílio emergencial.
Veja abaixo a entrevista com Pedro Guimarães, que trata, além do auxílio emergencial, do momento atual da Caixa, de crédito imobiliário, taxas de juros e também da abertura de agências:
Que vantagens o banco apresenta na nova rodada do auxílio emergencial, considerando que encara o mesmo desafio de segurança com o agravamento da pandemia?
No começo, 38 milhões de pessoas que estavam aptas a receber o auxílio emergencial não estavam na nossa base de dados. Tínhamos dois aplicativos: um responsável pelo cadastro, e outro, pelos pagamentos. Muitas pessoas iam até à agência, confusas. Queriam saber por que não estavam na lista. Agora elas já estão na base de cadastro e já utilizaram a conta digital, o que soluciona esse problema.
Faz tempo que estabilizamos o Caixa Tem, mas no começo foi difícil, o app teve um período de instabilidade. Havia muitas filas e uma pressão grande para operacionalizar o banco digital.
Também registramos fraudes. As pessoas tinham acesso ao nome e ao CPF dos beneficiários e cadastravam um e-mail falso para receber os valores. Eram muito rápidas, e pessoas mais humildes demoravam para tomar conhecimento do problema.
Contudo nossa resposta foi rápida. Bloqueamos todos os e-mails suspeitos e todos que provaram a fraude foram reembolsados. Por isso realizamos tantas atualizações no aplicativo, como forma de reduzir esses problemas. Em maio, teremos uma nova.
Aprendemos também que, apesar de receberem pelo Caixa Tem, muitas pessoas iam até às agências sacar o dinheiro no mesmo dia em que recebiam. Por isso resolvemos dar um espaço de semanas entre o depósito na conta e a possibilidade do saque. Agora metade das pessoas já usa a conta digital para comprar na internet e pagar boletos com QR code. Isso reduz a ida das pessoas às agências.
Também resolvemos dividir os meses de aniversário. Será um por dia, o que dará 2 milhões de pagamentos. Em 2020, chegamos a pagar 9 milhões em dias alternados. Estamos fazendo os pagamentos o mais rápido possível respeitando a regra de gerar pouca aglomeração. Vamos manter o que funcionou em 2020.
Sabemos que cerca de 10 milhões a 15 milhões de pessoas não vão usar o app e vão até as agências. Porque não sabem ler, não enxergam ou têm vergonha. Por essa razão, contratamos 7.000 pessoas para atender esse público mais carente. Além disso, apesar de o banco digital ter 107 milhões de CPFs, muitos usuários têm dificuldades para usá-lo. Mas 25% do público que recebe o Bolsa Família já usa o Caixa Tem. Ou seja, fizemos uma inclusão forte.
Por fim, é necessário considerar que no ano passado, além do auxílio, pagamos uma porção do valor do FGTS para 60 milhões de pessoas.
A Caixa prorrogou 2,5 milhões de contratos de financiamento imobiliário no ano passado, e 99% já foram retomados. Qual a sua visão sobre a inadimplência e o impacto da segunda onda da pandemia sobre os contratos vigentes? Pode haver uma nova iniciativa do banco neste sentido?
O atraso de até 30 dias é mais corriqueiro, mas atrasos acima 90 dias estão abaixo de 2%. Então não vemos impacto. Dos contratos que voltaram a pagar as prestações, negociamos apenas 10%.
Do ponto de vista de negócio, diferentemente de outros bancos temos 91% do portfólio com garantias. Meio trilhão de crédito imobiliário tem garantia real do apartamento ou casa e, em uma grande porção, mais de 50% do contrato já foi pago. Se necessário, conseguimos vender o imóvel com um bom desconto e recuperar a dívida.
Em 2020 a Caixa reduziu em 76% a taxa de juro do cheque especial, que agora parte de 1,89% ao mês. A modalidade é seguida pela do consignado, que caiu 20% e inicia em 0,72% ao mês. No imobiliário, caiu 17,9%, para a partir de 6,25%. Com o aumento da taxa básica de juros, o cenário deve mudar?
Quando assumi, a taxa do cheque especial chegava a 14% ao mês. Agora, quem tem um maior relacionamento com o banco, e isso não significa ter maior renda, pode pagar 1,69% ao mês. Quando aumentamos a rentabilidade do banco em outras áreas, conseguimos reduzir taxas e atraímos mais clientes.
Obviamente, se houver aumento da taxa básica de juros, haverá uma correção. Mas ela será pequena. Acredito que o patamar será mantido.
A Caixa busca se concentrar, além da habitação, no crédito para pequenas empresas. O senhor pode comentar os resultados do ano, que teve demanda acima do normal nesta modalidade?
Emprestamos mais de 50% da linha Pronampe em um único dia no final do ano. A linha tem risco baixo: as empresas são pré-validadas e o Tesouro Nacional assume até 85% das perdas. Além disso, só nós operamos a linha Fampe. No total, mais de 300 mil empresas tomaram 34 bilhões de reais no banco.
Nesse segmento, a força da Caixa é a sua capilaridade. Estamos em muitos lugares que não têm nem internet. Acreditamos que o segmento é importante para a venda cruzada. Muitas dessas pequenas empresas viram clientes e migram sua folha de pagamento para o banco, além de contratar seguros e cartões.
Foram criadas 59 milhões de contas digitais no Caixa Tem. Quanto o banco teve de efetuar de melhorias tecnológicas e quanto ainda vai entregar de novidades?
Pretendemos continuar a desenvolver os aplicativos. Em dezembro de 2019, sem saber que haveria o auxílio emergencial, compramos seis mainframes (grande computador bancário com arquitetura antiga, mas alta performance) para substituir os nossos, que estavam velhos. Para ter uma ideia, nossos competidores têm de 15 a 18 mainframes. Se não houvéssemos feito isso, não teríamos capacidade de pagar o auxilio. Hoje temos dez mainframes.
Somos um banco social. Estamos em todas as cidades, mas a maioria apenas via lotéricas. Se um cliente perde um cartão e precisa pegar outro na agência talvez precise percorrer 20 quilômetros. Com o aplicativo Caixa Tem ele não tem mais essa necessidade. É uma revolução. As contas são de graça (até o limite de 5 mil reais em transações por mês), têm um beneficio social. Estamos muito avançados na operação de microcrédito que iremos oferecer para 10 milhões de clientes do aplicativo.
A carteira de crédito do banco, mesmo em um cenário desafiador, evoluiu 13,5% em um ano. O segmento de habitação foi responsável por 9,8%. Como o boom do mercado imobiliário ajudou a sustentar o resultado do banco?
A carteira de crédito da Caixa soma 800 bilhões de reais. Ninguém tem algo perto disso, porque operacionalizamos o FGTS e as loterias. Somos vários bancos em um só.
Em 2020, além de não termos vendido a nossa carteira imobiliária, originamos 196 bilhões de reais em crédito. Foi um recorde. É o maior volume de crédito imobiliário da história do banco. Isso foi possível por meio de uma série de reduções em exigências, como a necessidade de visitas aos imóveis. Hoje analisamos as unidades pelo computador. Então, crescemos muito em empréstimos para construtoras, especialmente no SBPE, em que temos uma margem maior.
Também criamos mais produtos para pessoas físicas, indexados à inflação e à poupança. Passamos a cobrar uma variedade maior de taxas, que diminuem conforme o relacionamento mais próximo do cliente com o banco. Na prática, a Caixa não fazia isto. Antes, o cliente cancelava o cartão de crédito, que permitia que ele tivesse uma taxa menor no financiamento, e ficava por isso mesmo. Praticando de fato essa estratégia conseguimos reduzir as taxas cobradas.
A Caixa chegou a perder a posição de banco que mais financiava imóveis com recursos da poupança -- ficou em quarto lugar. Por quê?
Houve falta de foco no segmento. Mas já retomamos. Saímos de 10% a 15% do funding para 43,3% do market share de contratação em 2020.
O foco do banco é o crédito imobiliário, para micro e pequenas empresas, microcrédito e infraestrutura. São segmentos onde temos vantagem comparativa. Não queremos grandes empresas, e somos mais fracos em São Paulo e no Rio de Janeiro do que em cidades fronteiriças como Tabatinga, no Amazonas.
O objetivo é reforçar presença onde ninguém está, tanto na parte social como no crédito para micro e pequenas empresas capitalizadas, além do consignado.
Nestas cidades o maior empregador é a prefeitura. Então emprestamos para mais de 500 prefeituras em 2019 e quase 600 em 2020. O tíquete médio de empréstimo para municípios baixou de 100 milhões de reais para 15 milhões de reais nessa gestão (2019 e 2020). O que a maioria (dos bancos) faz com estados maiores nós fizemos com cidades médias e pequenas. Com operações pequenas em milhares de municípios conseguimos ganhar escala.
O balanço do quarto trimestre demonstra recuperação, apesar de o resultado do banco ter enfraquecido na crise. Quais estratégias estão sendo essenciais para enfrentar a crise?
Em 2019 resolvemos problemas do passado. Criamos provisões no valor de 5 bilhões de reais. Imóveis retomados eram contabilizados no balanço pelo valor da dívida, o que é um erro, porque tem de descontar taxas do leiloeiro, de segurança e IPTU. No FGTS, nossa taxa de gestão caiu pela metade, o que gerou uma perda de lucro líquido de 3 bilhões de reais. Antigamente não tínhamos nem 3 bilhões de reais de lucro.
Promovemos uma mudança no mix de empréstimos que capitalizou o banco, e vendemos 56 bilhões de reais em ativos naquele ano. Vendemos ações da Petrobras (PETR3, PETR4) por valores acima de 30 reais. Atualmente, a cotação está em 22 reais. Vendemos ações do Banco do Brasil (BBAS3) a 45 reais, e também papéis do Banco Pan.
Essa série de iniciativas que fizemos no mercado de capitais desalavancou o banco, permitiu emprestar mais e pagou uma dívida que tínhamos há dez anos com o governo, sustentando o nosso resultado.
A Caixa é cobrada por geração de emprego. O banco cortou 20% dos funcionários nos últimos anos. Mas contratou 7.000 no ultimo trimestre. Qual a direção, afinal?
Na contramão de outros bancos, estamos abrindo agências e contratando. Em 2020, abrimos 76 agências em cidades com mais de 40 mil habitantes. Vimos que elas se pagavam. Não tínhamos agências em 55 dessas cidades. Dessas agências, 21 têm foco agrícola. É a primeira gestão do banco que faz isso em muito tempo.
Mas é necessário ter equilíbrio. Estamos diante de uma disrupção tecnológica. Há menor necessidade de profissionais que estão nas agências. Então estamos abrindo unidades em lugares mais intensos para a Caixa e avaliando se vale a pena termos tantas agências em grandes centros como o Rio e São Paulo, ainda mais em bairros de maior renda, nos quais benefícios sociais são menos relevantes.