Redução de estoque e escolha do novo CEO: quais os próximos passos da Alpargatas?
Empresa reportou prejuízo líquido de R$ 53 milhões no segundo trimestre e viu a receita cair 12,7%
Repórter Exame IN
Publicado em 4 de agosto de 2023 às 12h49.
Última atualização em 4 de agosto de 2023 às 13h08.
Com um prejuízo líquido de R$ 53 milhões no segundo trimestre e queda de 12,7% na receita (para R$ 926 milhões), a dona da Havaianas não tem uma tarefa tão fácil pela frente. A Alpargatas (ALPA4) precisa reorganizar a casa enquanto busca por um novo CEO — em abril, Roberto Funari deixou o cargo e, desde então, Luiz Edmond, ex-Ambev que estava no conselho, assumiu o cargo interinamente.
"Meu acordo com o conselho é de fazer a transição para o novo CEO, mas não ficar sentado na cadeira só para esquentá-la nesse período. A companhia tinha urgência de corrigir algumas coisas e, ao mesmo tempo, não pode viver de um CEO temporário por muito tempo. Então eu decidi que vou tocar como se fosse ficar por muito tempo, olhando as questões estratégicas", explicou Edmond em resposta aos analistas na teleconferência de resultados.
A expectativa da empresa é de que o novo nome surja em até três meses e que esse executivo eleito comece a trabalhar em 1º de janeiro de 2024. "Estamos buscando pessoas de alto calibre, com conhecimento de mercado, cabeça estratégica, de marca e um entendimento do que é uma empresa verticalizada."
Essa capacidade, ao que tudo indica, é necessária e urgente. Depois de crescer muito na pandemia, com os volumes levando à capacidade produtiva ao nível máximo, a companhia não soube lidar com a concorrência, os desafios das operações externas (onde conseguia ir bem historicamente) e especialmente com os passos que deu — que ao que os números indicam foram maiores do que as pernas poderiam suportar.
Nesse último ponto entram a alavancagem gerada para a compra da Roths, marca americana que, apesar de ter ficado mais rentável no trimestre, ainda não conseguiu se provar, e a entrada em mais categorias, como roupas e tênis, o que tornou o portfólio da empresa muito mais "complexo", como definiu o novo CFO, André Natal, que saiu da Vibra.
Menos vocal nos últimos meses, a apresentação dos executivos a analistas e investidores sobre os números do segundo trimestre e a visão do que é preciso ser feito para ajustar a rota satisfez o mercado. Perto do meio-dia, as ações estavam entre as maiores altas do Ibovespa, saltando 2,66% - é bem verdade, também, que o papel caiu bastante ontem após rebaixamento do JP Morgan.
"Desde que o Beto saiu, não se tinha uma estratégia. Não se sabia se a empresa tem que reduzir portfólio e onde ia reduzir. Há uma problemática de execução em que a empresa só quer vender e não sabe fazer precificação", diz um analista de mercado ouvido pela EXAME Invest. "Edmond, que foi da Ambev, vai ajustar a cabeça da companhia para operar naquela linha de empresa muito enxuta. Não sei como vai ser esse choque de gestão e não sei que perfil de executivo estão procurando, mas parece ser um perfil de executivo inverso do que é o Beto", acrescenta.
Redução de estoque e melhoria de processos
Em continuidade ao processo de simplificação, ganho de eficiências e melhoria de processos operacionais, a gestão da empresa fez um diagnóstico preliminar de despesas e mapeou um espaço para compressão que deveria alcança potencialmente entre R$ 80 milhões e R$ 120 milhões em termos anualizados – uma parte a ser refletida em despesas gerais, administrativas e de vendas e parte em despesas que compõem o custo por produto vendido (CPV).
De acordo com Natal, ainda não é possível mensurar quando se alcançará esses números, mas o trabalho começou e deve dar alguns sinais de melhoria nos números a partir do fim do ano. Uma das metas é ter uma "redução substancial de estoques de produtos acabados".
Esse indicador piorou por causa da forte queda de 21% no sell in. Conforme os varejistas viam seu estoques aumentar e o custo do capital de giro ficar mais caro por causa dos juros, as encomendas ficaram mais pressionadas e isso se deu especialmente com os produtos "beyond core", ou seja, aqueles que fogem do bom e velho chinelo pelo qual Havainas ficou conhecida. "Já vimos agora uma melhora de estoques: 73% são de produtos atemporais, 12% da coleção em vigor e 15% de outras categorias, mas em dezembro esse cenário era bem diferente e menos concentrado". Queda dos estoques, porém, só deve vir no fim do ano.
A companhia também se viu com um problema de excesso de matéria-prima após um 'boom' de demanda da pandemia. Como os volumes não se concretizaram, e até caíram por uma perda de participação de mercado na virada do ano, a fábrica ficou com mais de 20% de capacidade ociosa. "De fato, hoje operamos com ociosidade grande. Não achamos que é o recorrente, deve aumentar, mas não vemos isso como um problema no futuro próximo", diz Natal, destacando que um dos desafios tratados como prioridade é reduzir a complexidade do portfólio.
Segundo diretor financeiro, ficou muito latente que o nível de complexidade de portfólio e seus desdobramentos não foram saudáveis. "Temos de recalibrar o que é inovação disruptiva", diz. "Não quero dar impressão de que não vamos fazer inovação. Companhia vem renovando portfólio de forma muito bem-sucedida, mas quando vai entrar em outro segmento com dinâmicas diferentes e você não tem o produto provado ao longo de muitos anos, há muito mais risco. Teremos de reaprender nas inovações mais ousadas como remodelar. Se soubessemos tudo que já sabemos, o Capex não seria o que foi feito", acrescenta Edmond.
De acordo com os executivos houve uma falha na capacidade da empresa de prever demanda dos produtos, o que levou também a falta de itens no mercado, em especial na Europa e mercados distribuidores (como os da América Latina), onde as vendas caíram 22,5% e 36%, respectivamente. "Temos entendimento muito claro de que a operação precisa ser corrigida. Vamos ter de reconstruir a relação e a credibilidade. Mas todos os indicativos são de que a marca continua forte", diz Edmond explicando os atrasos na entrega de pedidos, o que afetou o desempenho da marca no verão do Hemisfério Norte, período mais importante de vendas para essa operação.
Para solucionar isso, a companhia contratou um novo head de supply, que devera olhar também para as relações comerciais nos países, indo além da distribuição. Há também um trabalho de melhor uso da base de dados para previsão de vendas. "Tinha um erro de previsão muito grande. Não adianta ter 50 mil skus porque o erro de previsão aumenta com isso e o processo também precisa usar os modelos preditivos, não usavam", eargumenta Natal. Segundo ele, o segundo semestre ainda vai ser com ajustes em curso e o ano que vem "deve ser muito diferente do ponto vista do shape do P&L".