Até quarta (27), o real recuou 6% frente à moeda dos Estados Unidos no mês – queda bem mais expressiva pares emergentes como México, Turquia e Argentina. (Gary Cameron/Reuters)
Tais Laporta
Publicado em 28 de novembro de 2019 às 07h00.
Última atualização em 28 de novembro de 2019 às 12h46.
Nos últimos dois dias, o Banco Central promoveu três leilões atípicos de dólares no mercado à vista para tentar conter a moeda americana, após ela se aproximar de 4,28 reais na sessão anterior. As intervenções ajudaram a segurar a cotação, mas o efeito foi limitado. Nas três ocasiões, a moeda voltou a subir e, nesta quarta-feira (27), quebrou seu terceiro recorde seguido de fechamento, em alta de 0,44%, em 4,2586 reais.
Os dois leilões extraordinários na terça-feira (26) e outro na quarta tiveram um efeito pontual – em linha com as declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, que reforçou que o câmbio é flutuante e o órgão age apenas quando há problemas de liquidez ou para atenuar movimentos fora do padrão.
Com reservas internacionais da ordem de 370 bilhões de dólares, o BC tem lenha de sobra para queimar se quiser injetar dólar no mercado interno, com o objetivo de enfraquecer a moeda. Mas os últimos leilões mostraram um baixo interesse do mercado por dólares no mercado à vista.
Para o operador da H. Commcor Cleber Alessie, a demanda pelo dólar à vista não teve um efeito tão impactante porque o objetivo de quem especula com o câmbio, geralmente, é manter os recursos no Brasil e buscar hedge. “Tem uma demanda forte por derivativos [contratos futuros e swaps] neste momento. O investidor quer montar posição e se proteger de uma valorização maior”, diz.
A decisão do BC de ampliar a oferta de dólares é para aparar os excessos, explicou à Reuters o chefe de renda variável da Vero Investimentos, Fábio Galdino, acrescentando que o fluxo de saída de final de ano é mais acentuado.
Em novembro, o real só ganhou do bolivar venezuelano, do peso chileno e do qhacha de Zâmbia em desvalorização para o dólar, segundo um levantamento de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, com uma cesta de 121 moedas . Até esta quarta-feira (27), o real recuou 6% frente à moeda dos Estados Unidos no mês – uma queda bem mais expressiva que pares emergentes como México, Turquia e Argentina.
Após a escalada desta semana, estrategistas do Credit Suisse subiram sua projeção para o dólar a uma faixa entre 4,18 reais e 4,35 reais (ante 4,10 reais e 4,25 reais). O banco citou mensagens "confusas" de autoridades sobre a política cambial e a tendência do mercado em reagir mal a estas mensagens.
Segundo o banco, outro aspecto que deixa os estrategistas cautelosos sobre um dólar mais baixo a partir daqui é que, embora a agenda de reformas seja "indubitavelmente construtiva", a confiança na capacidade de entrega do governo está intimamente ligada à figura de ministro da Economia, Paulo Guedes.
"Não temos motivos para duvidar da determinação e do compromisso do ministro da Economia, mas suspeitamos também que a implacável vontade do mercado de vender dólar depois de saltos da moeda... pode começar a vacilar se os mercados começarem a questionar o papel do ministro no governo ou se ele pode se tornar objeto de críticas e/ou ataques constantes de membros da administração e de proeminentes integrantes do Congresso", disseram estrategistas do banco suíço em relatório com data desta quarta-feira.
Os profissionais do banco também avaliaram que a mensagem do Banco Central ainda não é "suficientemente clara" para sugerir que pode intervir sob qualquer circunstância.
Em agosto, o BC anunciou que passaria a vender dólares no mercado à vista pela primeira vez em uma década, quando a moeda ultrapassou os 4 reais. A moeda foi vendida de forma simultânea com a tradicional rolagem de contratos de swap cambial reverso. O objetivo é irrigar o mercado interno com dólares e, assim, conter sua valorização frente ao real.
O Banco Central vendeu nesta quarta-feira 3 mil contratos de swap cambial reverso e até 150 milhões de dólares em moeda à vista, de oferta de até 15.700 e 785 milhões, respectivamente. Adicionalmente, vendeu 12.700 contratos de swap cambial tradicional em rolagem do vencimento janeiro 2020.
Ao cravar que é melhor o Brasil se acostumar com um dólar alto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, talvez não imaginasse que a declaração levaria o câmbio a um estresse ainda maior. O Banco Central tentou acalmar o mercado após a moeda quebrar um novo recorde, atingindo o pico nominal de quase 4,28 reais nesta terça-feira (26). As intervenções no mercado à vista ajudaram, mas só como um paliativo.
A recente escalada do dólar desafia a tese de que a aprovação da reforma da Previdência e a agenda liberal do governo seriam as condições que faltavam para a moeda americana alcançar seu valor justo, fixado abaixo de 4 reais.
Projeções mais otimistas chegaram a ver o dólar entre R$ 3,50 e R$ 3,80 ao longo do ano, tomando como base este cenário construtivo. Aconteceu o contrário. Agora, economistas e agentes do mercado atribuem o enfraquecimento do real a um coquetel de fatores que não estavam na conta, como a queda da Selic, uma possível percepção ruim sobre o Brasil e fatores internacionais.