Mercado tenta antecipar alta do juro pelo Fed. Mas o que o passado mostra?
Investidores subestimaram em outras ocasiões como as autoridades monetárias dos EUA podem ser pacientes em situações em que a economia estava se recuperando
Beatriz Quesada
Publicado em 28 de março de 2021 às 08h00.
Última atualização em 29 de março de 2021 às 07h13.
Um alerta para todos os operadores títulos que apostam em um aumento dos juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) já no próximo ano: desde 2008, os mercados subestimaram como as autoridades podem ser pacientes antes de elevarem as taxas que estavam perto de zero.
Depois que o Federal Reserve cortou os juros para esse patamar mínimo pela primeira vez durante a crise financeira, investidores de derivativos do mercado monetário estabeleceram um histórico de serem consistentemente agressivos demais sobre o momento do primeiro aumento de corte, de acordo com o JPMorgan Chase.
No final de 2008, traders já antecipavam vários aumentos nos anos seguintes, embora as autoridades monetárias tenham esperado até 2015 para subir os juros, segundo análise do banco.
Esse padrão pode estar em jogo novamente: especuladores mais experientes em taxas de juros olham para os trilhões de dólares em estímulos e para a rápida campanha de vacinação e concluem que não há como os juros permanecerem tão baixos sem que a inflação saia do controle.
Os swaps e os futuros agora refletem quase 25 pontos-base de aumento dos juros no final do ano que vem, e precificam totalmente três aumentos da mesma proporção no total até o fim de 2023.
O Fednem sempre manteve seus planospara a trajetória dos juros. Mas estrategistas de Wall Street alertam que o resultado provável desta vez é que o mercado finalmente pisque primeiro. É um jogo que traz risco para os dois lados, não apenas para operadores com dinheiro na mesa.
Para o Fed, o impasse ameaça complicar toda sua estrutura de política monetária. O perigo é que sua mensagem de paciência continue elevando os rendimentos dos títulos do Tesouro de longo prazo, já perto dos maiores níveis em mais de um ano, o que pode acabar apertando as condições financeiras ao atingir o mercado de ações ou aumentar os custos de financiamento das empresas.
“O mercado tem seus preços e percepções, e o que acontece pode ser diferente disso e tem sido assim”, disse Alex Roever, chefe de estratégia de juros dos EUA no JPMorgan. O mercado tem testado o Fed ao “tentar antecipar a primeira alta. Mas as autoridades do Fed não parecem seguir nada disso”.
Último ciclo
Tradersrelutaram em alinhar suas apostascom a velocidade dos aumentos dos juros sinalizados pelas autoridades depois que o banco central dos EUA iniciou seu último ciclo de aperto monetário. Isso ocorreu em parte porque, após o aumento dos juros em 2015, o Fed não concretizou as altas que havia projetado para 2016.
O banco central elevou os juros apenas uma vez naquele ano, pois a votação do Brexit afetou a perspectiva de crescimento. A dinâmica mudou no início de 2017, quando operadores tiveram dificuldade para precificar uma alta em resposta aos sinais do Fed.
O banco central dos EUA disse na semana passada que manterá as taxas de juros perto de zero até que o mercado alcance o pleno emprego e a inflação esteja no caminho de ultrapassar moderadamente 2% por algum tempo.
“Os mercados em geral olham para o futuro, mas a nova estrutura do Fed é voltada para o passado, e Powell deixou claro que serão guiados por dados concretos e não por previsões”, disse Guneet Dhingra, chefe de estratégia de juros dos EUA no Morgan Stanley.
“Alguma desconexão entre os mercados e a política do Fed é compreensível, mas o grau de desconexão agora é simplesmente gritante. É mais provável que o mercado vá em direção ao Fed do que o Fed vá de encontro ao mercado.”