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Investir em empresas em RJ pode ser até mais seguro, diz especialista

Há 20 anos atuando na recuperação de empresas à beira da falência, Luís Alberto de Paiva quer agora comprar ações dessas companhias

Luís Alberto de Paiva: presidente da Corporate Consulting (Corporate Consulting/Divulgação)

Luís Alberto de Paiva: presidente da Corporate Consulting (Corporate Consulting/Divulgação)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 25 de outubro de 2020 às 10h50.

Última atualização em 26 de outubro de 2020 às 09h46.

Com quase 500 trabalhos de reestruturação no currículo, Luís Alberto de Paiva, presidente da Corporate Consulting, está nos preparativos finais para que sua consultoria também passe a investir nas companhias que ajuda a recuperar. “O valor da empresa cresce muito rapidamente quando ela entra em processo de recuperação”, comenta. “Por outro lado, a empresa em declínio também perde valor de maneira extremamente rápida.” O mundo está mais complexo, mas dá para começar com o básico. Veja como, no Manual do Investidor.

Em entrevista à Exame, Paiva conta que as principais diferenças entre as empresas fadadas à falência e as que ainda têm chance de se recuperar está a capacidade de se reinventar. “Muitas empresas, por falta de visão, vão sugando todo o suco até que acaba, fica sem capacidade de reinvestimento, sem competitividade e tudo que sobra são dívidas. Não tem investidores para empresas velhas e cansadas, e elas tendem a sair do mercado.”

Mas, para investir nesse tipo de companhia também é preciso ter timing. E, de acordo Paiva, entrar em companhias com recuperação judicial já homologada pode ser mais seguro devido à menor chance de existirem “passivos ocultos” Por outro lado, a relação entre a empresa e seus credores pode ser um dos maiores empecilhos na reestruturação. “Os credores não se organizam para permitir a recuperação da empresa, mas também não tentam fazer com que a empresa quebre”, diz.

Paiva também pontua sobre o papel dos acionistas no processo, o que, segundo ele, pode tornar a virada de jogo de empresas de capital aberto muito mais lenta se comparada a companhias de capital fechado. Confira a entrevista.

Exame: Como funciona o trabalho da Corporate Consulting?

Luís Alberto de Paiva: Reestruturamos as bases que criam a crise na empresa. Pode ser gestão, desarranjo de preços, política comercial desadequada. Trabalhamos no sentido de recuperar as margens da empresa e a reestruturação financeira é a fonte que financia toda essa história. Fazemos isso há 20 anos, já tendo reestruturado quase 500 companhias.

Também fazem investimentos nessas empresas?

Os investimentos são de capitais de terceiros. Estamos muito alinhados a fundos de investimentos, bancos, fundos de securitização, private equity e providenciamos as operações junto a clientes. Agora, estamos aglutinando um volume maior de operações para que a gente passe a participar efetivamente dessas empresas, comprando um percentual da empresa. A estrutura já está sendo montada e acreditamos que até o início do primeiro trimestre de 2021 já deva estar em pé. Já era para ter acontecido durante 2020, mas o ano foi tudo muito turbulento. Não se conseguia fazer análises adequadas. Agora está voltando à normalidade.

A Coporate deve investir em todas as empresas que participam da reestruturação ou deve haver alguma seletividade?

Tem seletividade. Mas no início, o negócio é dar suporte às operações de distressed companies. Então, faremos a avaliação da empresa e, em vez de capital de terceiros, entraremos com capital próprio, comprando participação e conduzindo o trabalho de reestruturação. É de se esperar que o equity valorize nesse período. A intenção é que a gente passe a ter um valor unitário da ação bastante superior.

O processo de avaliação desse tipo de empresa é diferente do de uma companhia saudável?

É muito comum empresa distressed ter Ebitda negativo. Como o valuation é construído em cima de Ebitda e em cima de taxas de aceleração e riscos da companhia é muito normal pegar empresa que não tem valor nenhum porque ela não gera caixa e ainda tem um volume de passivos bastante expressivo. Mas o valor da empresa cresce muito rapidamente quando ela entra em processo de recuperação. Por outro lado, a empresa em declínio também perde valor de maneira extremamente rápida. É comum ver uma empresa e falar “essa empresa está quebrada” e daqui dois anos ela está comprando todo mundo. Esse processo é rápido.

Na avaliação desse tipo de empresa quais fatores são mais importantes para observar? Setor em que está, quem está à frente do negócio?

O setor é extremamente importante. Óbvio que tem que procurar empresas que não tenham tantos entrantes e que o produto dela tenha alguns segredos que façam com que ela perpetue mais tempo no mercado. O que não pode é ter uma empresa que hoje ela é rentável e no ano seguinte tem mais 150 players fazendo o trabalho. Vira commodity e [seu valor] despenca muito. Mas quando se fala de produto está muito ligado à estratégia da empresa e a estratégia está extremamente relacionada com os sócios, com administradores. Um administrador fraco muito raramente vai conseguir construir uma empresa forte, com nível tecnológico que vai trazer valor agregado para a organização. E isso não se limita à cabeça de uma pessoa só, mas também de outros sócios da empresa. É preciso proporcionar uma sucessão adequada para que se o atual gestor venha a faltar nesse processo de recuperação, a empresa não mergulhe no declínio juntamente com a morte ou uma doença dele. Então isso tudo é avaliado também. Existe empresa em que se consegue mais rapidamente fazer essa transferência de inteligência e tecnologia, em outras é de uma maneira mais devagar ou até impossível.

Existem casos de empresas sem salvação?

Há algum tempo, as residências não tinham tantas variedades de piso. Então, colocava carpete. Hoje, o parque industrial que produz carpete no Brasil é 10 ou 20 vezes maior que demanda. Provavelmente, todas empresas estão muito ociosas. Na medida que esse mercado vai encolhendo, essas empresas vão paralisando as operações e saindo do mercado. É um ciclo natural. Hoje há mais propensão a desenvolvimento de empresas que trabalham tecnologia outros tipos de demanda. A nossa criança hoje não é igual a antiga que queria um carrinho de presente, hoje ela quer um laptop. Isso vai mudando bastante o nível do comportamento, vai desgastando empresas antigas. O ciclo de vida do produto e, consequentemente, da empresa vai fazendo com que ela fique fora do mercado.

E o que fazer para não ficar de fora do mercado?

Todas empresas precisam ter um nível de capacidade de reinvestimento para que consigam reinventar os negócios ao longo do tempo. Muitas empresas, por falta de visão, vão sugando todo o suco até que acaba, fica sem capacidade de reinvestimento, sem competitividade e tudo que sobra são dívidas. O passivo vai sendo agravado. Não tem investidores para empresas velhas e cansadas, e elas tendem a sair do mercado.

Essa falta de capacidade e reinventar negócio é uma característica de empresa que tende a falir?

Sim, isso é muito comum.

Empresas listadas na bolsa tendem a resistir mais antes de irem à falência?

Empresas que já estão em patamar de ter ações na bolsa geralmente já passaram por essas fases mais frágeis. Empresas de capital aberto são controladas pela CVM, os balanços são publicados, é auditada. Então, existe um nível operacional mais adequado, executivos mais bem preparados. Não é como em uma empresa familiar, que às vezes encontra a família toda trabalhando em cargos estratégicos, mesmo sem terem as devidas competências. Mas também existem algumas empresas, que mesmo familiares, conseguiram se profissionalizar, como Tramontina, a Weg. São empresas bem preparadas. Outras já foram extremamente importantes e acabaram sucumbindo ao longo dos anos por não conseguirem lidar com todas essas ferramentas necessárias ao desenvolvimento do negócio.

Como a Corporate Consulting trabalha no processo de recuperação da empresa?

No caso de empresa de capital aberto, a gente precisa relatar isso à CVM antes mesmo de seguir processos de reestruturação. Esse tipo de empresa tem relação mais complexa com acionistas porque o corpo acionário dela é extremamente complexo. A tendência é ser mais lenta na tomada de decisões. Em empresa fechada, rapidamente pode mudar estratégia e o rumo de suas operações. Dentro de uma reestruturação organizacional, há diversos elementos que garantem ou não o sucesso desse negócio. Um dos mais complexos é a relação com acionistas. Para fazer assembleia de uma empresa de capital aberto precisa fazer a convocação de edital, enquanto em empresa pequena, os sócios se reúnem em uma noite e resolvem situação de maneira bem mais rápida. A reestruturação passa pela aprovação de estratégias e empresa aberta isso é extremamente complexo.

Então, esse turnaround costuma ser mais rápido e empresas de capital fechado?

Mais rápido e mais acelerado. Mas também se está lidando com padrões de preços menores, um nível de profissionalismo muitas vezes menor. Existem empresas que os sócios acabam misturando a vida pessoal com a da empresa. Mas a empresa, quando está alinhada, com objetivos claros, e precisa dar o início ao programa de turnaround, reage muito mais rápida quando a estrutura é de capital fechado que em empresa de capital aberto. Não há dúvida.

E como funciona esse processo de investimento em empresa distressed de capital fechado?

O formato de entrada de fundos private equity nas empresas brasileiras sempre aconteceu de uma maneira menos intensiva na gestão. O fundo quer rentabilizar seu negócio. Ele não tem muito o objetivo de entrar na gestão da companhia por dois motivos. Primeiro porque não é core business dele fazer o gerenciamento de companhias e segundo porque a legislação brasileira não dá proteção a esses investidores, que podem ficar sujeitos a retaliação e sucessão de passivos trabalhistas ou tributários. Então, há um certo distanciamento.

Essa dinâmica é semelhante em empresa de capital aberto?

Bastante semelhante. Mas a empresa de capital aberto é mais fácil, porque investidores podem simplesmente ir comprando cotas da companhia e depois estabelecer a relação de participação na gestão ou não. Essa relação acaba sendo mais fácil do que em uma empresa pequena.

Investimentos em empresas distressed costumam visar mais o curto prazo?

Tem prazos curtos. Talvez 3 ou 4 anos. O investidor não quer ficar eternamente dentro de uma empresa, mas rentabilizar o investimento que foi realizado e realizar esse equity valorizado o mais rápido possível.

É mais arriscado investir em empresa que está em recuperação judicial do que em uma companhia distressed sem ter a recuperação judicial homologada?

A maioria dos investidores preferem fazer investimentos nessas empresas quando elas já estão com a recuperação judicial homologada. Nesses casos, a empresa tem um bloco ou uma parte do negócio que se chama UPI, que é a unidade produtiva independente e pode ser a marca da empresa, parque industrial, algumas fabricas. O investidor que compra a UPI não é sucessor de nenhum passivo da companhia. Então, já entra bem blindado. Agora, tem sido bastante complexo no Brasil a forma como lida com credores. Os credores não se organizam para permitir a recuperação da empresa, mas também não tentam fazer com que a empresa quebre. Aqui no Brasil os credores trabalham de uma maneira extremamente independente e isso cria muita insegurança ao investidor que quer entrar em empresa dessa. E em empresas que não estão em recuperação judicial é muito mais fácil ter passivos ocultos, que não são identificados em avaliações feitas previamente a uma compra. Comprar empresa em recuperação judicial em estágio já homologado dá muito mais segurança. Sem dúvida.

O que seriam passivos ocultos?

Por exemplo, a empresa pode, em algum momento, ter contaminado o solo e ter um passivo por conta dessa contaminação. Ou pode ser um passivo em cima de créditos que utilizou dentro de operação para compensação de tributos e, se não foi feito de maneira adequada, pode ser autuada lá na frente. Já em empresa em recuperação judicial essas coisas são todas levantadas e passadas pelo Judiciário.

Como a crise atual criou oportunidades nesse mercado?

Essa crise traz mudança de comportamento, fazendo com que pessoas passem a adquirir novos hábitos. Quem trabalhava fora e agora está dentro de casa, está muito mais atentos às coisas domésticas, como às necessidades de trocar ou mudar o ambiente de trabalho do que em comprar uma roupa, um sapato. Mas isso não vai acontecer eternamente, isso acaba. Não dá para fazer uma previsão adequada de como vai ser o comportamento humano pós-pandemia. Dentro do mercado de M&A tem que tentar imaginar essas tendências, mas o que a gente tem visto é que o mercado de M&A está paralisado, aguardando um pouco. Na hora da crise, fica-se muito mais seletivo, mesmo sabendo que tem oportunidades fantásticas para comprar coisas a preços de banana hoje. O vizinho que está desempregado pode querer vender o apartamento por um valor muito baixo. Parece uma boa oportunidade, mas se eu compro e amanhã também fico desemprego? Então, o cuidado nas decisões é redobrado. E estamos nessa fase. Alguns papéis de empresas estão extremamente baratos. Por outro lado, temos uma bolha de consumo, que deve terminar em algum momento no próximo ano. As contas públicas não foram ajustadas e as taxas de câmbio continuam altas. Temos um quadro perfeito para que a economia mergulhe em uma recessão assim que acabar o oba-oba de natal e fim do ano.

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