Revista Exame

Investidores precisam evitar ideias mirabolantes na bolsa, diz Armínio

Ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos diz ver com bons olhos aumento da presença de pessoas físicas na bolsa brasileira

Armínio Fraga no EXAME Fórum: pequeno investidor vai passar por um processo de aprendizagem na bolsa (Lela Beltrão/Site Exame)

Armínio Fraga no EXAME Fórum: pequeno investidor vai passar por um processo de aprendizagem na bolsa (Lela Beltrão/Site Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 26 de setembro de 2020 às 09h26.

Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 16h16.

O economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos, diz ver com bons olhos o movimento de crescente presença do investidor pessoa física na bolsa brasileira, a B3. Mas faz um alerta: "Ainda vamos passar por um período de aprendizado. As pessoas precisam aprender a se informar e a diversificar risco, além de não se atirar em ideias mirabolantes que pareçam mágica", afirmou.

O número de investidores que são pessoa física mais do que dobrou em um ano e chegou à marca de 3 milhões na B3 em setembro.

Para Fraga, o Brasil deveria estar vivendo um boom de investimento com o que chama de tríplice coroa do ambiente macro: juro baixo, câmbio alto e bolsa em alta. Mas o país não toma proveito do ambiente favorável porque falta confiança aos investidores de longo prazo.

A razão? "A agenda econômica liberal prometida patina e a sensação geral é que o país não tem um projeto de desenvolvimento que pare de pé e faça investidores de longo prazo se inspirarem a mobilizar capital", afirma.

Vivemos um período de forte atividade no mercado de capitais, mas a economia não vai bem. Há uma desconexão entre a bolsa e a realidade?
Estamos diante de algumas desconexões. A primeira, mais comum: entre as taxas de juro de curto e de longo prazo. Os títulos mais longos apontam para uma taxa real de 5%. Outra desconexão, maior, é entre a bolsa em alta e a taxa de investimento do país, que está próxima de 15% do PIB, um dos índices mais baixos da história. Por fim, a bolsa vem subindo muito num momento em que o fluxo dos estrangeiros é de saída. Já saíram 75 bilhões de reais da bolsa no ano. É muito para um país acostumado com entrada de recursos.

A alta da bolsa e a atividade do mercado são um contrassenso?
O que não está nessa equação é o investidor doméstico. Para quem acompanha os números bem de perto, essa tendência não é de hoje. Só que não estava claro o que prevaleceria, se o otimismo do doméstico ou o pessimismo do estrangeiro. Não é comum a diferença de percepção durar tanto tempo, mas já acontece há três anos. O mais impressionante é a pessoa física. Foram anos parados em 500.000 investidores e, de repente, começou a crescer em 2018 e explodiu na pandemia. São 3 milhões agora. Esse fenômeno se faz sentir inclusive no mercado de debêntures, que está vendendo mais do que limonada na praia no verão.

Qual é sua avaliação sobre a participação da pessoa física no mercado?
Acho ótimo. Ainda vamos passar por um período de aprendizado. As pessoas precisam aprender a se informar e a diversificar risco, além de não se atirar em ideias mirabolantes que pareçam mágica. Mas, no geral, acho muito bom.

A bolsa em alta não deveria atrair empresas dispostas a captar para investir?
Se mantidos os patamares de preço atraentes, as empresas devem chamar capital para investir. Isso já está ocorrendo em algum grau. Mas ainda tem bastante oferta secundária. Em um momento de juro baixo, câmbio alto e bolsa alta, o Brasil deveria estar vivendo um boom de investimento. É a tríplice coroa do ambiente macro. Mas falta confiança. O quadro ainda é instável. A agenda econômica liberal prometida patina e a sensação geral é que o país não tem um projeto de desenvolvimento que pare de pé e faça investidores de longo prazo se inspirarem a mobilizar capital. O Brasil está em uma trajetória fiscal completamente insustentável e sem nenhum sinal de que vai melhorar. As posições do governo sugerem que esse buraco não será resolvido tão cedo.

Mas não é bom o que está ocorrendo no mercado?
É ótimo. Desde a criação do Novo Mercado, surgiu uma cadeia produtiva muito interessante. Há muita coisa acontecendo, mas muitas que poderiam ser melhores. Só que nós, enquanto nação, não temos conseguido melhorar. Todos os países que cresceram muito nas últimas décadas mostraram ênfase em poupança e educação. E em um estado mais eficaz, seja ele pequeno ou grande. Mas não é o caso aqui. Penso que existe algum consenso em relação aos grandes obstáculos. O diabo é transformar em visão de longo prazo e colocar em prática.

Mas não evoluímos nada?
Não diria isso. Os empresários estão mudando de uma maneira muito importante. Aos poucos, entenderam que o mercado não é um ambiente de soma zero e que companhias bem administradas podem atrair capital. Havia antes uma tendência para a chapa-branca, uma vontade de se abraçar ao governo, com taxas subsidiadas no BNDES, uma tarifa de importação aqui, outra ali. Era um ambiente de atraso. O empresário está mudando nas dimensões para além do mercado. Há hoje um reconhecimento de que o Brasil precisa tratar de questões de sustentabilidade e desigualdade. E que uma política de geração de oportunidades é indispensável para o crescimento.

Mas por que, mesmo com empresas captando, o investimento não sobe?
É sempre arbitrário buscar uma microexplicação. Mas a verdade é que nossa bolsa ainda é pequena. Se pensarmos que as empresas neste ano vão captar 50 bilhões de reais em emissões primárias, um número importante, ainda falamos de menos de 1% do PIB.

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