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Grafistas são gênios ou videntes

Fanáticos por gráficos, os analistas técnicos - ou "grafistas" - dizem que enxergam com exatidão o futuro da bolsa, são execrados pelo meio acadêmico, mas nunca foram tão populares

A fogueira das vaidades: Fausto Botelho (ao centro), que não quer aparecer com "Didi" (à dir.), que faz pouco caso de "Parddal" (.)

A fogueira das vaidades: Fausto Botelho (ao centro), que não quer aparecer com "Didi" (à dir.), que faz pouco caso de "Parddal" (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

As fotos desta reportagem retratam personagens de um mundo estranho. Os três são estrelas de um mercado em franca ascensão, o de análise técnica para a bolsa de valores. Também conhecidos como "grafistas", esses analistas veem o amanhã como um replay de algum momento do passado. Por acharem que o mercado tem vários padrões que se repetem, eles acreditam ser possível identificá-los com antecedência e lucrar com a compra ou a venda de uma ação. Em seu dia a dia, buscam freneticamente em seus gráficos coisas como o "ombro-cabeça- ombro", uma sequência de oscilações no preço dos papéis com o formato de uma pessoa. Seu linguajar também é recheado de jargões como "ondas de Elliott", "triângulos diagonais" e "flâmulas e bandeiras". Papo de maluco? Parece. Mas o fato é que uma legião crescente de investidores quer saber o que os grafistas pensam. Depois das palestras do fenômeno editorial Gustavo Cerbasi, guru de finanças pessoais brasileiro, as apresentações dos grafistas são as mais populares nas edições da Expo Money, um dos maiores eventos dedicados a esse mercado. Há cada vez mais cursos de análise gráfica para investidores comuns. Eles são adorados também pelas corretoras, ávidas por faturar com suas frequentes recomendações de compra e venda. O ego dos principais grafistas do país parece proporcional ao número de seguidores. EXAME tentou juntá-los para uma foto, mas, bem, isso não foi possível. O paulista Fausto Botelho, presidente e um dos fundadores da Associação Nacional dos Analistas Técnicos, prefere não aparecer ao lado do carioca Odir "Didi" Aguiar, que o teria criticado em uma palestra. Já Didi, dono de uma língua ferina e famoso pela incrível capacidade de soltar dezenas de palavrões por minuto, costuma lembrar que Luiz Antonio "Parddal" Pinto, outra referência entre os analistas técnicos, só começou na profissão após assistir a um de seus cursos.

E as polêmicas não param por aí. Se fossem um livro, os grafistas seriam um best-seller de Paulo Coelho; se um filme, um blockbuster de James Cameron. Eles podem até ser amados pelo público, mas são frequentemente achincalhados pela crítica, que os compara a babalorixás. Como comprar a ação de uma empresa sem nem ao menos se importar de saber qual produto ela vende, como é administrada ou se dá lucro ou prejuízo? Na análise técnica, tudo se resume ao comportamento do preço e do volume no passado. Por isso, tanto faz se a ação em questão for da Vale, que acaba de sair vitoriosa de uma renegociação global do preço do minério, ou da Telebrás, empresa que não está em operação. Se ambas se comportarem no mercado segundo o "ombro-cabeçaombro" depois de uma tendência de alta, os analistas técnicos já sabem o que fazer - é hora de vender. Em boa parte do meio acadêmico, essa abordagem é motivo de piada - o próprio termo "grafista" é visto como pejorativo. A crítica de parte significativa do meio acadêmico é a falta, pelo menos até agora, de uma comprovação rigorosa da eficiência dessa estratégia. "A aplicação da análise técnica equivale a ler o horóscopo antes de tomar uma decisão de investimento", diz William Eid Jr., professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). Uma explicação comumente dada para o interesse dos aplicadores é que os gráficos parecem ser a estratégia de mais fácil entendimento para quem está começando a investir. "É muito mais demorado aprender a fazer uma análise dos fundamentos da empresa", diz Raymundo Magliano Neto, diretor da Expo Money.


Fora do universo das palestras voltadas para o investidor comum, é difícil medir a influência da análise técnica no Brasil. Não há estimativas confiáveis nem pesquisas sobre o que os grandes gestores de fundos pensam a respeito dos grafistas. Aparentemente, predomina o desprestígio, pois poucos profissionais aceitam dar uma opinião. "Não conheço ninguém que escolha uma ação olhando para um gráfico", diz Herculano Alves, superintendente executivo de renda variável do Bradesco Asset Management. A estratégia mais comum entre os maiores gestores é fazer uma análise da situação macroeconômica, dos setores que mais devem se beneficiar no futuro e das empresas mais promissoras em cada setor - e olhe que, aí, já há uma grande dose de adivinhação. Uma vez feito o diagnóstico, os gestores obviamente usam gráficos para examinar o preço - mas não necessariamente da mesma forma que os analistas técnicos.

Nos Estados Unidos, os grafistas são alvo das mesmas restrições do meio acadêmico, mas conquistaram mais influência entre os agentes do mercado. "Muitas gestoras possuem um departamento de análise gráfica. Embora seja verdade que poucos usem apenas os gráficos para definir o destino de suas aplicações, cerca de 80% dos investidores americanos levam em consideração a opinião dos analistas técnicos", diz Paul Zubulake, analista da Aite Group, firma de pesquisa e consultoria financeira com sede em Boston. Esse namoro dos americanos com os grafistas, por sinal, tem mais de 100 anos. Charles Dow, fundador do Wall Street Journal e criador do índice Dow Jones, foi, no final do século 19, um dos precursores da análise técnica. No mercado americano e no europeu, a recente proliferação de fundos quantitativos - aqueles com base em algoritmos que analisam a trajetória de ações e disparam automaticamente ordens de compra e venda - renovou a popularidade dos grafistas. Parte desses fundos, que já são responsáveis por mais de 50% do volume das bolsas nos Estados Unidos, usa, em alguma medida, conceitos da análise técnica.

No campo das ideias, no entanto, essa nova vertente não acabou com a disputa entre os analistas técnicos e seus críticos. "Os fundos quantitativos usam uma matemática altamente refinada, que não tem nada a ver com os cursos dos grafistas", diz Ricardo Rochman, professor de economia da FGV. "Os fundos são como satélites que tentam fazer a previsão do tempo. Os grafistas ficam olhando para o céu em busca de nuvens em formato de elefante."

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