O temor é que a senhora Watanabe, que parece nervosa com os mercados, passe a repatriar em maior volume seu dinheiro para o iene, exacerbando a desvalorização do real (SXC.hu)
Da Redação
Publicado em 30 de setembro de 2011 às 08h43.
São Paulo - Nem o megainvestidor húngaro George Soros nem Mohamed El-Erian, da Pimco. O que preocupa atualmente os estrategistas de câmbio no Brasil é o que vai fazer a "Mrs. Watanabe", ou a senhora Watanabe. Esse é o apelido dado pelo mercado financeiro aos investidores individuais japoneses, grande parte deles aposentados ou com idade acima dos 50 anos e que frequentemente fazem suas aplicações pelo computador de casa, mas que movimentam até US$ 20 bilhões por dia, ou cerca de 30% do giro diário total da moeda japonesa, o iene.
O temor é que a senhora Watanabe, que parece nervosa com a turbulência dos mercados globais, passe a repatriar em maior volume seu dinheiro para a segurança do iene, exacerbando a desvalorização do real e de outras moedas de países emergentes. Como reflexo também desses saques, o iene já acumula alta de 12% frente ao real neste mês.
Nos últimos anos, ativos denominados em reais, que oferecem juros muito maiores do que os papéis em iene, passaram a ser um dos destinos favoritos dos investidores individuais, ou de varejo, japoneses. Enquanto um título público japonês com prazo de cinco anos paga juros de 0,35%, um papel do governo brasileiro, como a NTN-F que vence em 2017, paga 12,2% ao ano.
Esses investidores japoneses geralmente escolhem como instrumentos para aplicar dinheiro em moedas estrangeiras os fundos mútuos chamados de Toshin e também os contratos cambiais na bolsa de futuros Tokyo Financial Exchange (TFX). Os fundos Toshin detêm um patrimônio total de US$ 1,1 trilhão, sendo que metade dessa quantia está aplicada em ativos em moedas estrangeiras. São nos fundos Toshin que o real emergiu nos últimos anos como a moeda favorita para as aplicações no exterior pelos investidores individuais do Japão.
"O real é, de longe, a moeda mais popular dos fundos Toshin", afirmou à Agência Estado o estrategista de câmbio do banco JPMorgan em Tóquio, Tohru Sasaki. Ele estima que os fundos Toshin dedicados à moeda brasileira somam 5 trilhões de ienes (US$ 63,5 bilhões). "Se o real continuar caindo frente ao iene, acredito que mais investidores de varejo japoneses vão vender seus fundos Toshin dedicados a reais", explicou Sasaki. Além disso, o nível da bolsa japonesa, refletido no índice Nikkei, será um termômetro importante para o apetite de risco do investidor japonês. Se o Nikkei ceder mais ainda, menor será o apetite para ativos de risco, incluindo a moeda brasileira, disse Sasaki. No acumulado do ano até ontem, o índice Nikkei cai 14,93%.
O estrategista de câmbio da corretora japonesa Nomura Securities, Yujiro Goto, disse que, se os investidores de varejo japoneses começarem a vender ativos em moedas estrangeiras em maiores quantias via fundos Toshin nas condições atuais de mercado de baixa liquidez, o impacto sobre as moedas de países emergentes, especialmente o real, será significativo.
"Até o momento, o valor de resgates líquidos desses fundos é ainda relativamente limitado, comparado com o que se registrou depois do Lehman Brothers e do terremoto deste ano", disse Goto à Agência Estado, de seu escritório em Nova York. A Nomura Securities estima que no mês de setembro os saques líquidos dos fundos Toshin de moeda brasileira alcançam até a semana passada cerca de US$ 600 milhões.
"Muitos analistas e investidores estão acompanhando de perto o fluxo dos fundos Toshin, pois eu tenho recebido muitas perguntas sobre esse fluxo todos os dias", explicou Goto. "Se as condições dos mercados financeiros globais se deteriorarem e a confiança do consumidor japonês piorar substancialmente, o tamanho dos resgates líquidos desses fundos será muito maior do que temos visto no momento."
Ao contrário dos contratos futuros na TFX, que exigem o desembolso adicional de dinheiro em razão de chamada de margem pela bolsa, quando há uma reversão repentina no preço para direção contrária às apostas desses investidores os cotistas dos fundos Toshin são mais lentos em liquidarem suas posições. Não há negociação de contratos de derivativos do par iene e real na TFX, o que força esses investidores de varejo "comprarem" o risco da moeda brasileira via os fundos Toshin ou diretamente em contratos futuros como o non deliverable forward (NDF) de reais em outras bolsas.
"Não acho que a ação desses investidores de varejo no Japão seja suficiente para iniciar uma tendência de preços no mercado de câmbio de países emergentes, mas certamente pode exacerbar a correção que estamos observando em muitas moedas", disse à Agência Estado o estrategista de câmbio do banco ING em Londres, Tom Levinson.
Como os investidores nos contratos futuros negociados na TFX podem sair das posições imediatamente, ao capitularem ao nervosismo crescente em relação aos problemas da economia mundial, a exemplo da crise da dívida soberana da zona do euro, eles acabam servindo como termômetro de aversão ao risco para todo o universo de investidores de varejo no Japão, pois são os mesmos dos fundos Toshin e outros instrumentos financeiros que refletem mais lentamente a mudança de humor dos investidores, explicou Levinson. Dados da TFX até a semana passada, disse Levinson, mostram que, pelo menos nos contratos futuros da bolsa de Tóquio, a senhora Watanabe já abandonou uma moeda: a África do Sul, o rand.